"Tire o sapatinho e bote o pé no chão". Foi com esse bordão utilizado em diferentes vídeos sobre racismo, gordofobia, autoestima e machismo que Maíra Cristina Dias Azevedo, a Tia Má, conquistou o carinho e admiração de inúmeros "sobrinhos" brasileiros. Em tom único, ela misturou pautas importantes como humor e de brinde, angariou notoriedade nacional e um e um lugar único para chamar de seu.
Quando criança, Maíra sonhava em crescer e se tornar uma paquita da Xuxa. Não imaginava ela que o destino e o esforço incessante dos pais por uma "educação de qualidade" a fariam ir além.
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Jornalista, escritora, youtuber, apresentadora, humorista, influenciadora digital, colunista no "Encontro" e no "Domingão com Huck" e mais. Má é a soma de muitas mulheres em uma. Mas, porque não se arriscar ainda mais? Foi com o objetivo de desbravar o novo que ela tem surpreendido o público com a qualidade mostrada no ofício como atriz. Lado esse descoberto após o incentivo da amiga Preta Gil.
O rosto de Maíra pode ser visto em produções como "Rensga Hits!" e "Humor Negro" (Globoplay), "Nada Suspeitos" (Netflix), além de filmes como "Vale Night" e "Medida Provisória". Mas ela quer mais. Para Tia Má, doar o corpo para que outras mulheres pretas surjam significa transformação, honra e conexão.
"É uma honra estar nesta carreira, acabei de gravar a segunda temporada de Rensga [Hits] gravei recentemente uma série na Amazon [Prime], uma infanto-juvenil. Pra mim é um desafio, mas, ao mesmo tempo uma grande honra. Principalmente por me conectar com outras mulheres. Com cada personagem desse eu aprendo um pouco sobre uma mulher diferente que eu talvez nunca tenha me imaginado ser. Vou me transformando em várias outras mulheres. O maior desafio é esse, ceder o meu corpo para que uma outra mulher nascer", diz ela em entrevista ao iBahia.
A dor de ser mulher...
O Dia Internacional da Mulher é celebrado nesta sexta-feira (8). Mas, afinal, existe motivos para celebrar? 51,5% da população brasileira é composta por mulheres, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em um recorte mais severo, na Bahia, se tem um caso de violência contra a mulher a cada 24h, conforme a Rede de Observatórios da Segurança. O levantamento destaca que 368 casos de agressão física, feminicídio, homicídio e violência sexual foram contabilizados somente em 2023. São nesses dados que Tia Má aborda a questão da dor.
"A dor é saber todos os dados estatísticos. Eu sempre falo como mulher que quando uma mulher é assassinada, um pouco de mim morre também. O medo toma conta de mim constantemente. Eu fico assustada. Qualquer mulher pode ser vítima de violência independente de onde ela esteja. Os dados revelam que o nosso lar é um lugar muito perigoso quando se é uma mulher. A maioria dos assassinatos são cometidos por parceiros e ex-parceiros, filhos mais velhos", destaca Maíra.
... e a delícia?
"A maior delícia de ser mulher é exatamente a de ser mulher, me reconhecer em outras mulheres, e olhar para aquela mulher e saber que a força que ela carrega eu também carrega e eu tenho a consciência que quem pode me fortalecer na minha existência é uma outra mulher", celebra ela, que destaca que possui um corpo e postura política.
"Viver é um ato político. Quando você é uma mulher preta, com suas características, viver e ocupar determinados lugares é um ato político. É se reconectar com o mundo e ofertar para as pessoas a possibilidade de refletir sobre a inclusão e aceitação onde outras figuras parecidas comigo".
As principais inspirações da Tia Má são mulheres reais que sabem quantas barreiras existem para ultrapassar, mas que mesmo assim se vestem e decidem ir à luta.
"As minhas principais inspirações são as pessoas da vida real, do cotidiano, são aquelas mulheres que saem de casa na madrugada para trabalhar e não sabem como vão voltar. Minhas inspirações são pessoas apostas a seguirem em frente e que sabem que não podem desistir", enfatiza.
A maternidade e os legados da Tia Má
A maternidade para uma mulher negra é desafiadora. Ela é mãe de Aladê Koman, de 14 anos e de Ayanna, de 3. Ainda no útero, o racismo já afeta pessoas negras. Militante ativa das causas raciais, Tia Má sabe a importância empoderar os herdeiros dentro de casa e criar a consciência exata acerca das muralhas que eles precisarão escalar longe dos anseios da família.
"Ser mãe de duas pessoas negras é muito cruel. É saber que eu tiro uma parte da infância dos meus filhos. Eu já disse para meu filho mais velho que ele não pode correr na rua, sair sem documento [...] para minha filha eu digo que ela não pode ter nenhum segredo com os pais. É muito perverso. Eu digo a ele sobre a violência que ele pode sofrer fora de casa e eu preciso educar minha filha para ela saber que infelizmente a violência pode acontecer dentro de casa. Eu não posso fugir disso", diz ela.
Quais os louros dessa criação? A atriz respondeu o questionamento com encanto e orgulho das duas potências que carregam seu sobrenome: "Eu vivo as duas delícias. Um adolescente que eu me encanto quando eu vejo o amadurecimento do meu filho, a inteligência, a sagacidade e olho para minha filha e vejo que ela tem coisas que eu nunca tive. Ela tem dezenas de bonecas pretas, coisas que eu nunca tive. Minha filha ama o cabelo crespo dela, ela sabe que é uma menina preta. Tudo isso foi um processo de aprendizado".
Tia Má almeja ser lembrada no futuro como uma mulher resistiu. Alguém que não esquece do passado e que por esse motivo segue em frente independente de qualquer situação.
"Eu quero ser lembrada como como alguém que teve a resiliência e estratégia para a sobrevivência, que eu fui até onde era possível e que entendi que muitas vezes o ir até aonde é possível é impossível para muita gente. Eu quero ser lembrada como alguém que é a soma de várias outras mulheres que vieram na frente".
Lucas Sales
Lucas Sales
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