Apaixonado por livros e arte desde criança, o ilustrador Irving Bruno encontrou nos desenhos e textos que produz uma fonte de renda e realização pessoal, mas também uma forma de proporcionar representatividade, inspiração e autoestima para outras pessoas negras.
Afrocentradas, com traços fortes, muitas cores e detalhes, as ilustrações do baiano chamam atenção nas redes sociais, onde ele divulga o trabalho que produz. A inspiração Irving encontra na literatura, na música e no dia a dia em Salvador.
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"A gente está na maior cidade negra fora do continente africano, no país com maior população preta fora do continente africano, e a gente olha para isso e se vê na população, mas, quando a gente olha para as mídias, para as artes, para a teledramaturgia a gente não se enxerga".
E foi partindo dessa desigualdade que Irving, que também é designer, passou a investir ainda mais na arte que desenvolve e no trabalho de potencializar a negritude com ela, como contou durante entrevista ao Preta Bahia desta semana.
"A gente sente falta de se enxergar ali, sabe? E, à medida que a gente vai lendo teóricos, e referências negras, a gente vai vendo que espaços têm sido criados. Ainda mais com o movimento negro cada vez mais forte. Então, eu decidi trazer isso para mim".
Um trabalho que rende frutos para as pessoas que enxergam inspiração nas ilustrações e comentam com ele sobre isso, e também para o próprio artista, que não tinha referências de negros na área que desenvolve, e agora se vê nesse papel para outros jovens.
"O que eu mais gosto no meu trabalho é que as pessoas chegam e falam que se veem quando chegam no meu perfil, que conseguem ver beleza em si que antes não viam. E eu também vejo beleza em mim. Isso mexe muito com minha autoestima, isso diz muito sobre mim, sobre meu povo, sobre o que me representa. A gente precisa ocupar esses espaços que são nossos por direito", disse.
Nascido e criado no bairro de Sussuarana, o ilustrador teve os primeiros contatos com o mundo da literatura em meio às dificuldades que uma criança de periferia acaba exposta, como a violência. Era nos livros que ele encontrava um lugar onde se sentia livre e seguro para ser ele mesmo e desvendar o novo.
"Mediante esses conflitos, eu encontrei esse alento na leitura e nas artes. Para as crianças em geral, era como uma brincadeira, mas para mim não. Eu encarava como um momento de estar em um universo paralelo. Um momento de imergir em mim mesmo. Eu desenhava, escrevia, colocava coisas que eu queria".
Irving lembra que, até o final da adolescência, as pessoas próximas, e até mesmo ele, viam o talento como um hobby. Principalmente diante da realidade naquele momento, quando o baiano ainda não tinha a arte como profissão.
O ilustrador conta que começou a trabalhar muito cedo e que atuou em diversas áreas, até passar em um vestibular e ingressar no curso de Design na Universidade Federal da Bahia (Ufba). O objetivo era profissionalizar o dom.
"Consegui unir o útil ao agradável, porque me interessei pela área de Design, e, dentro da área, a gente tem a Escola de Belas Artes, que é um lugar que eu amo, e que tem esse espaço de aprendizado para pintura e desenho".
Nesse período, as grades de aulas não deixavam que ele tivesse um emprego fixo. Foi aí que as ilustrações passaram a ser renda. Irving fazia desenhos por encomenda e pedia para que as pessoas compartilhassem com outras pessoas, para atrair mais clientes. Depois, essa divulgação passou a ser nas redes sociais.
"Eu já fazia desenhos por encomenda, desenhava pessoas por hobby. E as pessoas falavam: 'Poxa, Irving, você desenha tão bem. Quanto você me cobra para desenhar um amigo, um primo'. Então, eu passei a fazer isso como uma forma de ganhar dinheiro. Era uma forma de conseguir uma renda para me manter na faculdade, e ao mesmo tempo tinha o prazer de estar ali praticando o que eu mais gostava de fazer, que era ilustrar e eternizar momentos".
Os desenhos afrocentrados surgiram do incômodo que o ilustrador já tinha e que se desenvolveu também durante a formação. Irving lembra que era ensinado sobre arte muito sob uma visão europeia, em um curso de maioria branca e elitista. Algo que o fazia buscar também outras fontes e inspirações.
"A vida toda eu sempre busquei inspiração e referência em outros artistas pretos, e, a partir do momento em que eu sou inspirado por eles, e que eu faço o que eu faço, e isso inspira outras pessoas e se torna referência para elas, é como se o meu trabalho estivesse frutificando, como se o resultado que eu sempre sonhei e almejei estivesse vindo, e vindo de uma forma até maior do que eu imaginei", refletiu.
Além do retorno das pessoas tocadas pela arte do baiano, o resultado se mostra também pelo reconhecimento de artistas que são desenhados, citados e têm seus livros referenciados no trabalho de Irving, como os autores Jeferson Tenório, que é carioca, e Itamar Vieira Junior, que é baiano.
Nas ilustrações, artistas como Will Smith, Halle Bailey, Baco Exu do Blues, Titi Gagliasso e Lázaro Ramos. Esse último que proporcionou algo que o ilustrador não esperava, no momento mais delicado da pandemia de Covid-19.
Ao anunciar uma live no Instagram no final de 2020, Lázaro foi acionado por Irving em um comentário e acabou o convidado para participar.
"Foi mágico. Lázaro Ramos é uma referência para mim e para muitas pessoas. Fora que ele é um ator preto que quebra esse padrão do eixo Rio/São Paulo. Então, ele é referência para muitos. E, quando a gente consegue ter retorno de uma pessoa que é referência para a gente, isso alimenta ainda mais, e dá força para os nossos sonhos".
Depois disso, o baiano passou a ser alcançado por outras pessoas, que descobriram o trabalho que ele já desenvolvia. "A partir daquela live, pessoas que eu também tenho como referência me viram e acessaram o meu trabalho, e eu tive essa troca. E também foi um momento de direcionamento".
"Às vezes, na nossa vida, a gente está ali fazendo uma coisa, dia após dia, mas a gente começa a definhar, a achar que não vai dar resultado. E há momentos como esse, que a gente não espera, e que são viradas de chave para a gente seguir. Foi um daqueles momentos que fazem a gente perceber que vale a pena o que a gente está fazendo", completou.
Um trabalho que continua movendo o ilustrador, que sonha em alcançar novos espaços com o que produz. "Eu quero que as minhas artes continuem tocando as pessoas em um nível que elas se vejam, que elas enxerguem beleza em si, enxerguem o quanto nós somos bonitos. Trazer essa autoestima, esse alento, que, às vezes, a gente sente falta na vida adulta. Ainda mais em um país que é extremamente racista. E que eu consiga acessar espaços físicos. Eu espero, em breve, por exemplo, estar fazendo exposições em espaços públicos e privados".
"Assim eu consigo tocas as pessoas, consigo fazer com que elas se vejam em minha obra, e consigo instigar esse mundo mágico do qual eu me alimento, que é a literatura, que é a história, e a cultura afrocentrada", completou.
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