Nascido e criado no bairro do Curuzu, em Salvador, licenciado em Teatro pela UFBA, 29 anos e taurino com ascendente em escorpião e lua em gêmeos, o artista baiano Sulivã Bispo tem sua alma, essência e identidade fundadas nos pilares de uma consciência negra muito sólida. Desde muito cedo os tambores do bloco afro Ilê Aiyê ecoaram de reflexão e representatividade em sua formação. Em seu próprio ambiente sempre esteve imerso em referências do candomblé e da cultura africana muito genuínas.
O ator cresceu numa casa de santo, cercado de signos, elementos e entidades do candomblé, onde a musicalidade percussiva se tornou um de seus primeiros meios de vazão criativa. Sem falar na profunda influência de mulheres negras, como sua mãe - a artesã Marli Paula - e a sua avó materna - a Ialorixá Oxalaqué - no desenvolvimento da sua criatividade e de sua vida artística.
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Fenômento na internet, no Teatro, na TV e agora também no cinema - com o filme longa-metragem “Na Rédea Curta”, Sulivã relembra dos tambores com os quais costumava brincar quando criança, além de cantar usando um machucador de temperos como microfone. Sendo sua mãe artesã, costumava ainda usar miçangas, roupas da mãe, tintas e outros materiais para se caracterizar.
Todo esse manancial de memórias, personalidades e experiências se tornou uma fonte abundante para as contruções de suas personagens. Especialmente, as femininas. E como a maioria dos baianos já conhecem, a primeira e mais famosa delas, Mainha, da websérie de humor “Na Rédea Curta”, onde Mainha e Junior viram o mundo de cabeça para baixo.
ARLON SOUZA - Você costuma dizer que sua iniciação artística vem desde a infância. Mas, quando é que você realmente começa a dar seus primeiros passos no palco ?
SULIVÃ BISPO - Foi no Colégio Presidente Costa e Silva, ainda na minha adolescência, quando eu tinha uns 13 pra 14 anos. Um professor meu, Lázaro Gomes, convidou alguns alunos para um curso de teatro do colégio, mas eu não estava na lista. Só que quando eu cheguei em casa eu disse à minha mãe que tinha sido chamado para o teste (risos)... E assim acabei passando no teste, entrei pro elenco e comecei lá fazendo o principais espetáculos do grupo.
ARLON SOUZA - Você chegou a pensar em ser outra coisa na vida? E qual espetáculo você considera um marco seu no teatro profissional?
SULIVÃ BISPO - Quando eu terminei o Ensino Médio, fui trabalhar como Técnico em Vestuário... E trabalhei por 3 anos, até ficar sabendo do Curso Livre de Teatro da UFBA, com Márcio Meirelles, em 2013... Entrei pro Curso e lá no espetáculo de formatura foi “Troilus e Créssida”, de Shakespeaere, que considero a minha estreia no teatro profissional. Nessa época, Márcio logo me disse que eu seria um ator de comédia.
ARLON SOUZA - Que outros papéis você viveu depois dessa experiência?
SULIVÃ BISPO - A partir daí fui convidado pelo diretor Edvard Passos para fazer o espetáculo “O Compadre de Ogum”, onde interpretei a personagem Guiminha, quando recebi uma indicação ao Prêmio Braskem de Teatro, na categoria Revelação.
ARLON SOUZA - Falando em Prêmio Braskem de Teatro, você outras indicações, não é?
SULIVÃ BISPO - 2016 foi uma loucura em minha vida. Eu saia de um trabalho para o outro. Nessa época, eu fazia “Romeu e Julieta”, com direção de Harildo Déda, , “Rebola”, “Kaiala” e “Anoitecidas” e “Delicado”. Estes últimos quatro nessa parceria com o grupo Teatro da Queda e a direção do meu irmão Thiago Romero, que vem rendendo bons frutos. E daí eu fui indicado ao Prêmio Braskem de Teatro, na categoria Ator, por “Romeu e Julieta”, “Rebola” e “Kaiala”.
ARLON SOUZA - Como é que foi a sua história com o Bando de Teatro Olodum?
SULIVÃ BISPO - Eu passei três anos no Bando de Teatro Oldodum. Entrei através da Oficina de Performance Negra do Bando. No grupo, eu fiz vários espetáculos: “Relato de Uma Guerra que Não Acabou”, “Ó Paí ó”, “Áfricas” e participei de uma leitura dramática no aniversário de 25 anos do Bando de Teatro Olodum.
ARLON SOUZA - Você também caiu nas graças do canal Multishow, né?
SULIVÃ BISPO - Ah, sim! Em 2017 eu participei do Prêmio Multishow de Humor e no ano seguinte fui convidado para levar minha personagem Mainha para o Programa Treme-Treme, de Gustavo Mendes. Em 2019, fiz a personagem Duda, na série “Férias em Família”. E mais recentemente a série “Humor Negro”.
ARLON SOUZA - Você se considera uma referência para jovens negros de sua geração?
SULIVÃ BISPO - Uma vez, Val Benvindo, minha amiga, me disse: você sabia que você é uma referência para muitos meninos e meninas pretas? E é isso... Quando você entende o seu trabalho como referência, você começa a ter uma consciência maior sobre essa resposabilidade.
ARLON SOUZA - O candomblé tem influência em suas personagens? E todas essas personagens femininas?
SULIVÃ BISPO - Todo personagem que eu faço tem um signo do orixã. Mercutio que eu fazia em Romeu e Julieta, mesmo, era Ogã de Oxóssi. Além disso, eu tive muitas mulheres que me amadrinharam e inspiraram como artista, em casa com minha mãe artesã e a minha avó ialorixá. Essas mulheres também foram financiadoras da minha arte. É por isso que essa devolutiva de personagens femininas não é à toa. E sendo um um menino preto esse trabalho precisa ser ainda mais cuidadoso.
ARLON SOUZA - Como é que nasce Koanza?
SULIVÃ BISPO - Koanza nasce no espetáculo “Rebola”, em 2016. Daí, ela fez uma média de 5 temporadas no teatro. Depois, em “Anoitecidas”, onde ela aparece como drag... E na sequência no “Cabaré Drag King”, na “Noite da Beleza Negra” e com a pandemia ela ganha outra dimensão, com maior intensidade na internet, mostrando uma outra faceta humorística, fazendo eventos e hoje um espetáculo, com texto autoral, que recentemente ganhou espaço no especial Humor Negro, do canal Multishow e para o globoplay.
ARLON SOUZA - Como é que foi o processo criativo de Koanza?
SULIVÃ BISPO - No início, ela nasceu sendo composta pelas roupas da minha mãe. Já a voz e o gestual, eu me apropriei de minha tia Arany Santana, até por ser uma mulher muito cênica, muito exuberante, além de atriz... Isso está no nosso jeito preto de interpretar. E Koanza é uma mãe de santo, que fala bantu e yorubá... Hoje em dia, o povo pede até a bença e ebó à Koanza. Minha tia Arany Santana me disse uma vez que o que proponho com Koanza e isso me emociona muito.
ARLON SOUZA - De onde vem as histórias e cenas de Koanza?
SULIVÃ BISPO - Muitas coisas são vivência, coisas que eu já sofri, como uma situação que passei no aeroporto de Recife, quando um agente passou um detector de metais no meu cabelo, onde me senti invadido e discriminado. Tem o porteiro racista, a vizinha racista.... A maioria das histórias são verdadeiras. São coisas que a gente passa no nosso dia a dia.
ARLON SOUZA - Quais as reflexões do espetáculo “Koanza – do Senegal ao Curuzu”?
SULIVÃ BISPO - Koanza nesse espetáculo retorna da África pra tentar salvar essa nação. É um espetáculo que reflete sobre como é que a gente tá abordando e tratando o candombl e sobre a ocupação do poder por pessoas pretas. Ela nos faz entender o candomblé como uma religião ancestral. Traz também esse arquétipo da indumentária e da estética do bloco afro, como o Ilê Aiyê. Assim como o racismo tem se sofisticado, Koanza também tem se sofitisticado. É o humor contando uma história, que conscientiza e combate o racismo.
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