Tem sido intensa e frequente a discussão sobre o impacto do tempo que as crianças passam à frente de uma tela — de TV, computador ou celular — em seu desenvolvimento psicológico e escolar. O assunto é motivo de muitas opiniões e intuições, mas poucas evidências científicas qualificadas, especialmente para crianças pequenas.
Na busca por dados obtidos com metodologias rigorosas, encontrei um trabalho importante realizado no Canadá por um grupo de psicólogos e pediatras. A questão colocada pelos autores foi simples e direta: é possível atribuir a tempos excessivos de uso de dispositivos digitais uma eventual queda no desempenho psicológico das crianças?
Os pesquisadores realizaram um estudo longitudinal com mais de 2.400 mães e crianças aos 2, 3 e 5 anos de idade, e publicaram os resultados no início deste ano. Estudos longitudinais são considerados padrão-ouro para esse tipo de pergunta, pois permitem acompanhar as mesmas crianças ao longo do tempo, e comparar grupos com e sem prolongada exposição às telas e telinhas.
Nos EUA, as mídias com telas digitais estão disponíveis a 98% das famílias com crianças entre 0 e 8 anos, que interagem com essas telas mais de 2 horas por dia, o dobro do tempo recomendado pelas associações profissionais de Pediatria.
Os pesquisadores aplicaram testes quantitativos do desenvolvimento infantil respondidos pelas mães, abrangendo habilidades de comunicação, capacidade motora fina, resolução de problemas e competências socioemocionais. Os tempos de tela somavam TVs, DVDs, computadores e celulares. A influência de outras variáveis foi também avaliada: sexo, idade, uso de livros, atividade física, nível educacional das mães, renda familiar, horas de sono das crianças, e frequência à escola. A finalidade foi isolar o efeito do tempo de tela de outras possíveis variáveis.
Já adivinhou o resultado? Altos níveis de exposição a telas digitais mostraram-se fortemente associados aos piores desempenhos das crianças nos indicadores de desenvolvimento. Assim: maiores tempos aos 2 anos de idade levaram a desempenho pior aos 3 anos, e maiores tempos aos 3 anos determinaram pior desempenho aos 5.
A boa notícia é que os tempos de tela caíam à metade entre 3 e 5 anos. A razão foi atribuída à entrada em cena da escola. No entanto, os pesquisadores não checaram se as crianças tinham acesso a telas digitais na escola, algo que se pretende implementar em vários países, inclusive o Brasil.
O grupo canadense concluiu que o tempo de tela tira a criança de outras ricas atividades, tanto cognitivas quanto físicas. A tela é distratora e sedentária! Tira também tempo de interação com pares (irmãos, amigos) e cuidadores (os pais, principalmente).
Pode-se dizer que os resultados eram previsíveis. É possível que sim. Mas agora, não se trata mais de uma previsão, uma intuição. Trata-se de dados obtidos em pesquisa longitudinal com grande número de crianças e metodologia rigorosa.
Senhores pais: avaliem se seus filhos pequenos ficam mais que 2 horas por dia na frente de uma tela. Senhores professores: rediscutam se é desejável introduzir celulares e TVs na sala de aula, sem um rigoroso protocolo para o seu uso educativo.
*Roberto Lent é professor titular da UFRJ e Pesquisador do Instituto D’Or
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Redação iBahia
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