A “Ocupação Paulo Freire”, inaugurada neste sábado (18) no Itaú Cultural, em São Paulo, passa em revista a trajetória do intelectual brasileiro mais lido no mundo: da infância em Recife à bem-sucedida aplicação de seu método de alfabetização em Angicos, no Rio Grande do Norte, do exílio nos tempos da ditadura ao retorno ao Brasil dias antes da Anistia, em 1979. Além da exposição, o Itaú Cultural lança uma compilação de textos sobre o educador e, em outubro, o podcast “Diálogos com Paulo Freire”.
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A “Ocupação” apresenta 140 itens, entre fotografias, vídeos, documentos, cartas e manuscritos. Freire aparece irreconhecível nos retratos pré-exílio, de rosto limpo ou adornado com um discreto bigode. Ele só deixou a barba de guerrilheiro crescer em 1969, quando foi dar aula nos Estados Unidos, para se proteger do frio.
Quem chega à exposição, dá de cara com um vídeo no qual se formam as seguintes palavras, como se estivessem sendo escritas em tempo real: “Aos esfarrapados do mundo e que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”. É a dedicatória de “Pedagogia do oprimido”, principal livro de Freire. O vídeo segue mostrando os manuscritos da obra até a frase final, que sonha com “um mundo onde seja menos difícil amar”.
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Escrito no Chile, onde o educador se exilou após o golpe de 1964, o livro foi publicado em inglês e espanhol em 1970, ano em que ele começou a trabalhar para o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), sediado na Suíça, e a rodar o mundo pregando a palavra da educação libertadora. “Pedagogia do oprimido” critica a “educação bancária”, caracterizada por um professor, dono de todo o saber, que deposita conhecimentos em um aluno-cofre. Segundo o biógrafo Sergio Haddad, a obra “caiu como uma luva” no contexto da Guerra Fria.
— As ditaduras predominavam na América Latina e os movimentos sociais buscavam instrumentos para reconstruir o tecido social. “Pedagogia do oprimido” forneceu um arcabouço teórico para quem fazia trabalho de base para além da educação — explica Haddad, autor de “O educador: um perfil de Paulo Freire”, livro lançado pela Todavia e que será publicado em Cuba, Argentina e Uruguai. — A maioria das críticas a Freire é estapafúrdia. Ele era contra qualquer doutrinação, de esquerda ou de direita. Mas quem escreve um livro intitulado “Pedagogia do oprimido” tem lado.
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Ainda hoje a obra de Freire inspira educadores e militantes dos direitos humanos em todo o mundo. A pedagoga peruana Gladys Ayllón Yares colocou em prática a pedagogia freiriana ao trabalhar com vítimas dos guerrilheiros do Sendero Luminoso. Gladys é colaboradora do Instituto Paulo Freire de Berlim, que recorreu ao método criado pelo pernambucano para ensinar alemão a refugiados do Oriente Médio.
— As ideias de Freire continuam vigentes e nos ajudam a enfrentar até problemas sobre os quais ele não escreveu. Ele nos ensinou como romper a opressão: localizamos as pessoas em seus contextos e lhes damos voz e, sejam eles sobreviventes de conflitos armados, refugiados ou vítimas de violência de gênero — explica Gladys. — Debaixo do guarda-chuva de Freire, temos esperança.
Freire foi traduzido para mais de 20 idiomas, recebeu 41 títulos honoris causa e dá nome a 102 centros de pesquisa e mais de 400 escolas no Brasil e nove em outros países, além de uma universidade na Nicarágua. Uma pesquisa realizada em 2016 pela London School of Economics revelou que “A pedagogia do oprimido” é a terceira obra de ciências humanas mais citada em artigos acadêmicos publicados em inglês. Professor da Universidade Yale, nos EUA, Jason Stanley trabalha a obra de Freire em seu curso de Filosofia da Educação. O pai de Stanley, Manfred, foi um dos primeiros interlocutores americanos do educador brasileiro, que foi recebido em um jantar no final dos anos 1970. Stanley, aliás, se comportou mal na frente da visita e foi mandado para o quarto de castigo.
— Freire define a produção intelectual brasileira para o mundo. Poucos povos produziram um pensador com uma obra tão influente e que não foi instrumentalizada pelo autoritarismo — diz Stanley, autor de “Como o fascismo funciona” (L&PM). — Ele é uma ameaça aos Bolsonaros do mundo porque defende a formação de cidadãos comprometidos com a transformação social, a democracia e a liberdade.
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Redação iBahia
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