A engenheira petropolitana Maria Fernanda Bastos, de 33 anos, confessa que entrou para o Tinder, o popular aplicativo de encontros, por preguiça; não estava disposta a sair para uma balada atrás de um flerte. Era muita função para achar alguém que valesse a pena no meio de “tanta gente uó”, como ela diz. No conforto de seu lar, o ato da paquera parecia bem mais promissor e empolgante. Acabou conhecendo uma publicitária de Brasília que estava de passagem pelo Rio. Foi um mês de conversa antes de darem o passo seguinte, o contato físico. Só que existia uma questão: apesar de viver num longo relacionamento aberto, Maria Fernanda tinha um acordo com sua mulher, a também publicitária Isabela Abreu, de nunca se envolver emocionalmente com a terceira pessoa. E foi justamente o que aconteceu.
— Depois de eu ir um punhado de vezes a Brasília, a Val, a menina do Tinder, veio conhecer minha esposa e elas ficaram, nisso começamos um relacionamento a três. No nosso caso, o aplicativo foi um grande facilitador. Estamos nessa aventura há mais de um ano — comenta a engenheira.
Fenômeno da contemporaneidade, os aplicativos de encontros são um caminho sem volta, mas com muitas encruzilhadas. A antropóloga Hilaine Yaccoub diz que a falta de tempo, o grande dilema dos dias de hoje, impulsionou o sucesso do serviço. Para ela, a internet é a nova rua, onde todas as relações ocorrem.
— As pessoas usam os aplicativos como ponto de encontro mesmo. É um atalho para conhecermos gente e conseguirmos aquele sexo casual, sem muito compromisso. Para os recém-separados, é um caminho que funciona como uma pré-ida à boate. Afinal, eles estão fora de forma no campo da sedução — explica Hilanie. — A maneira como nos comunicamos foi alterada. Criamos proximidades e somos mais transparentes na web do que num tête-à-tête. Estamos vivendo numa era em que os aparelhos eletrônicos nos protegem em todas as esferas; construímos vínculos a partir deles.
As motivações que levam um indivíduo a ingressar nessa rede são variadas. O empresário paulistano Daniel Constantino, de 34 anos, baixou o Tinder porque não levava jeito para paquera olho no olho. Costumava voltar para casa sempre no zero a zero, enquanto os amigos contavam a maior vantagem. Decidido a virar o jogo e ser promovido à categoria de “pegador”, criou um perfil no aplicativo, no finalzinho de 2013, e viu sua popularidade saltar: dava uns “matches” aqui, recebia outros dali. Em janeiro de 2014, engatou um papo firme com uma moça. O primeiro date foi animador e abriu as portas para o segundo, o terceiro, o quarto... e a coisa foi ganhando outras nuances, ficando séria. Moral da história: eles se casaram (de papel passado), têm um filho de 1 aninho e esperam uma menina para novembro.
— Para mim, a tecnologia foi uma mão na roda. Sou tímido, nunca soube chegar direito numa menina. Mas, como me apaixonei, não consegui atingir o status de pegador — diverte-se o empresário. — Mas reconheço que esse tipo de serviço deixa tudo menos espontâneo, com pouco espaço para o acaso. E, por um momento, é como se estivéssemos num mercado de carne, selecionando as pessoas pela aparência.
Durante as pesquisas para o livro “Amores eternos de um dia — Jogando a real sobre aplicativos e relacionamentos efêmeros”, com lançamento previsto para a segunda quinzena de agosto, a jornalista paulista Michele Contel, de 26 anos, concluiu que o êxito de Tinder, Happn e afins está diretamente ligado ao medo da rejeição, especialmente na sua geração. — Não estamos prontos para lidar com essa situação. Um “toco” presencial não é fácil de digerir — afirma ela, que mergulhou de cabeça no assunto depois de um casinho relâmpago, via aplicativo, mexer com sua estrutura. — Ter sido curta não torna a relação irrelevante. É só mais um jeito de amar.
'Pessoas vão procurar pessoas'
De fato, existem mil maneiras de amar, que foram potencializadas no século XXI com um empurrãozinho da tecnologia. A relações-públicas goiana Jordanna Ribeiro, de 26 anos, começou a usar aplicativos em busca de diversão e novas experiências. No início, procurava apenas parceiros do sexo masculino na rede, mas quis abrir o leque de opções e passou a flertar também com mulheres.
— Nisso, acabei deparando com um casal que tinha a mesma ideia que eu sobre relacionamentos. Ficamos juntos por três meses e vivemos algumas aventuras — recorda ela.
Hoje fora do universo de troca de “matches” (“Queria passar um tempo sozinha, colocando questões pessoais em ordem”, justifica), Jordanna afirma que é preciso estar pronto para encontrar todo tipo de gente quando se toma a decisão de fazer parte deste mundo virtual, o que inclui encarar de frente o sumiço repentino do crush, sem maiores explicações. Michele Contel, aliás, passou por isso:
— Nas primeiras vezes, o término repentino doía, sabe? Existia um ritmo de conversa e, de repente, o cara desaparecia. Achava que o problema estava comigo. Pior ainda é aquele “ex” que segue na órbita, acompanhando tudo que você faz no Instagram ou no Facebook.
O estudante carioca Deyvison Teixeira, de 23 anos, tinha um perfil no Grindr até outro dia e nunca se abalou quando sua paquerinha parava de responder às mensagens do nada.
— Quem usa Apps tem de estar ciente de que isso é algo extremamente possível de acontecer, faz parte do pacote — aponta o estudante, que abandou o Grindr (exclusivo para homens gays) após encontrar o amor. — Era para ser somente sexo casual, mas rolou química.
Atento ao fenômeno, o psicólogo Claudio Paixão alerta para o que ele chama de “tinderização” da vida. É necessário cuidado para que os aplicativos não banalizem as relações e transformem as pessoas numa “confeitaria permanente”, cheias de coberturas:
— O parceiro precisa se manter interessante e estimulante com muito mais intensidade, porque hoje existem milhões de opções. É uma luta contra todos. Não basta só ser, temos que aparentar. É impossível fugir disso, a não ser que ocorra a Terceira Guerra Mundial, que exploda todas as tecnologias.
Hilaine Yaccoub destaca que a banalização do “amor” vai de quem usa as ferramentas:
— Você pode enxergá-las de um modo trivial, como um grande cardápio, ou de um jeito sério e cogitar ter algo para valer. No fundo, todo mundo quer ser amado e aceito.
Claudio Paixão acrescenta:
— Antes de tudo, pessoas vão procurar pessoas.
Glossário dos APPs
Crush
Para começo de conversa, nesse universo de aplicativos de encontro, a pessoa que nos atrai, nossa paixonite, tem um apelido carinhoso, crush. A palavra inglesa já caiu no gosto popular e é comumente usada na internet.
Ghosting
O papo estava bom, parecia que a relação teria algum futuro, mas, de repente, sem aviso prévio, a pessoa some do mapa, fica completamente off, desaparece como se fosse um fantasma (nem um pouco camarada). Ghosting, como ficou conhecida essa prática, é mais comum do que se imagina.
Orbiting
Pior do que o crush desaparecer sem mais explicações é continuar sentindo a “presença” da pessoa após o fim do relacionamento. Geralmente, esse alguém continua seguindo o ex nas redes sociais, acompanhando todos os seus passos. O perigo é criar a ilusão de uma possível reconciliação.
Quem avisa...
Uma das desvantagens dos aplicativos, segundo os entrevistados desta reportagem, é a exposição. Caso esbarre com um colega de trabalho, a dica da relações-públicas Jordanna Ribeiro é fazer a “egípcia”, fingir que não viu e pular para o próximo usuário.
Foco na imagem
Os usuários de redes sociais costumam fantasiar muito a vida, que não é muito diferente no Tinder e demais aplicativos. Sempre buscamos a nossa melhor versão. A dica é caprichar nas fotos, mas sem esquecer a realidade.
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Redação iBahia
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