Quando falamos em humor no Brasil, não há dúvidas de que este gênero na Bahia tem uma identidade e um estilo muito próprios. Nesse aspecto, a cultura popular e as características regionais são uma fonte inesgotável de inspiração e criação de personagens, esquetes, cenas e espetáculos, que ganham os palcos e as telas do país inteiro. E um desses cases de sucesso nasceu justamente no ambiente universitário, em 2010, no curso de Rádio e TV da Unijorge, em Salvador.
A produtora Mais 1 Filmes, criada por Deo Uelter, Moara Rocha, Camila Loureiro e Fabiano Passos, se tornou uma escola genuína de comédia e um nascedouro intenso de atores que fazem comédia, que logo inaugurou um canal no youtube, conquistando lugar no ranking dos 13 principais canais do youtube e o maior canal de humor do Nordeste, durante o Creators Camp, em 2014.
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Com mais de 130 milhões de visualizações no youtube, a Mais 1 Filmes foi criada antes mesmo que o coletivo Porta dos Fundos, que data de 2012. Embora a Mais 1 seja pioneira nesse estilo de fazer comédia nas redes sociais, acabou sendo chamada pelos fãs de outros estados e países como o Porta dos Fundos da Bahia. Mas a comparação está longe de ser uma cópia um do outro. Não é. Há um modo muito peculiar de criação da Mais 1 Filmes que tem como principal pilar a improvisação temática. As esquetes são desenvolvidas através de uma situação dada e a partir de personagens distribuídas pela direção de cada esquete. É nesse processo criativo de experimentação que a história, a formação, o estilo e o repertório cultural de cada ator constroem uma estética singular de atuação que permanece até os dias de hoje.
Com artistas oriundos tanto da Escola de Teatro da UFBA quanto de outros cursos e instituições, a plataforma se tornou uma incubadora de talentos de diversos bairros populares e periféricos de Salvador, gerando uma poética com um sotaque inigualável. Nomes como Marco Calil (bairro de Periperi), Rivisson Zurc (bairro da Lapinha), Alan Miranda (Ribeira), Paulo Papel (Camaçari), Psit Mota (Canavieiras), entre outros atores, que vem ganhando o público e ocupando espaço na tv, no teatro, no cinema e em diversos festivais nacionais e internacionais.
Atualmente, parte desse elenco está em cartaz com o espetáculo “Galera da + 1 Comedy Show”, às sextas-feiras, 20h, no Teatro Módulo. E pra saber mais dessa história tive um papo muito massa com dois atores do elenco, Marco Calil (33), primeiro ator da Mais 1 Filmes, e Rivisson Zurc (34), que está em 11 de cada 10 vídeos da produtora (risos).
Confira entrevista
ARLON SOUZA - Marco, como é que começou tudo isso? Qual foi o embrião?
MARCO CALIL - Tudo na verdade teve início com o projeto de um vídeo chamado “24 mil beijos” feito para a TV Pelourinho, através de um edital. Na história, um casal está prestes a terminar um relacionamento, porém o parceiro não quer. A partir daí, o personagem faz um retrospectiva do relacionamento, listando todos os beijos até atingir os 24 mil, que é justamente o último que marca a separação.
ARLON SOUZA - E os outros atores? Como é que o grupo foi se formando?
MARCO CALIL - Alan Miranda, Psit Mota e Janaína Nunes entraram depois, através do projeto “Oxe, se fosse na Bahia”, Rivisson Zurc foi convidado por Moara Rocha, uma das sócias-fundadoras, em 2012, e a cada produção outros atores iam sendo convidados.
ARLON SOUZA - Ao que vocês atribuem tamanho sucesso? Como é que é o processo criativo de vocês?
MARCO CALIL - Essa identificação do público com a gente eu entendo como uma identificação do público por conta de serem baianos fazendo baianos. A minha história por exemplo começa a partir do estereótipo do rasta, com um certo exagero, que foi se aperfeiçoando e a partir dele foram nascendo naturalmente outras personagens. Fomos pegando esses elementos que os atores já traziam de forma genuína e construindo nossas personagens. A nossa formação na Escola de Teatro da UFBA também foi essencial. Inclusive, parte do elenco são alunos egressos de lá. O nosso processo de criação sempre foi muito imprevisível, muitas vezes nem sabíamos qual seria a locação nem tampouco o tema ou a personagem que iríamos interpretar, mas essa prática de improvisação constante nos preparava ppra tudo. Estávamos sempre prontos para as surpresas e testes que fazíamos para outros trabalhos.
RIVISSON ZURC - “Esse processo intuitivo do improviso é como qualquer atividade humana, com o passar do tempo a gente vai entendendo melhor a nossa prática, as nossas experiências, a nossa poética do improviso, assimilando as situações e os papéis que nos foram dados, vivendo um resumo de cada situação e personagem, da forma como nós percebemos. Cada um trazendo a sua especificidade. A gente traz assim um recorte dessa baianidade. Essa diversidade da gente que nos dá esse colorido. A gente se sente muito à vontade nesse terreno. A Mais 1 Filmes foi também pra mim uma grande escola, onde eu também pude pôr em prática os fundamentos da universidade.
ARLON SOUZA - Incomoda ser chamado de o Porta dos Fundos da Bahia
RIVISSON ZURC - De modo algum. O trabalho do Porta dos Fundos é uma referência e é uma honra essa comparação, de nos chamarem de o Porta dos Fundos da Bahia. A diferença é que o Porta tem um quê muito carioca e nós temos a nossa essência soteropolitana, baiana... Essas experiências do cotidiano de diversos lugares e classes sociais da nossa cidade é que foram formando a nossa identidade.
ARLON SOUZA - Vocês acham que o humor de vocês tem uma aceitação apenas local ou ganhou outros públicos?
RIVISSON ZURC - Eu acredito que furamos a bolha regional. Furamos a bolha com o vídeo “Tatuagem”, com Alan Miranda e Moara Rocha, que foi o nosso primeiro vídeo a bater 1 milhão de visualizações muito rápido, em apenas três dias. Viralizou no Brasil inteiro. Por isso, hoje em dia a gente recebe mensagens de pessoas de outros estados e países... E já fomos reconhecidos até em Portugal... A gente tem até um grupo de fãs no Rio Grande do Norte... Muita gente passou a dublar nas redes sociais as personagens da Mais 1 . E nosso público sempre pergunta quando é que vamos fazer temporada em outros estados, no Rio, em Aracaju, São Paulo...
ARLON SOUZA - Como é que se deu essa transposição do audiovisual para o teatro?
MARCO CALIL - Foi através de um projeto de TCC de alunos da Unifacs, que era produzir um espetáculo para o Teatro com o elenco e partir do trabalho da Mais 1 Filmes, em 2013. A apresentação lotou o antigo Teatro ISBA, e a mesma quantidade de gente acabou ficando na fila e não conseguindo assistir. Devido a esse sucesso, começamos a montar mais trabalhos como esse para os palcos.
ARLON SOUZA - Como é que tem sido o reconhecimento ao longo desses 13 anos de trabalho?
MARCO CALIL - Primeiramente, essa matemática ainda não está equilibrada, o retorno financeiro ainda não chegou na mesma medida da repercussão do nosso trabalho. A fama veio, mas ainda não à altura do reconhecimento econômico, embora a Mais 1 seja um peso como referência em nosso currículo.
ARLON SOUZA - Esse reconhecimento tem vindo também por parte da universidade, da academia?
RIVISSON ZURC - A gente ainda não recebeu o abraço da academia, embora a gente tenha muito orgulho do lugar onde nos formamos, a Escola de Teatro da UFBA. Mesmo dentro da nossa classe a gente não se sente ainda tão abraçado... Até mesmo a Imprensa teve um delay em relação ao que a gente estava construindo. Somos comediantes, mas antes de tudo somos atores. Somos atores que fazem comédia.
ARLON SOUZA - Pra vocês, quais são os limites do humor? Existe alguma preocupação com o conteúdo das piadas?
RIVISSON ZURC - Eu acho que humor é pra todo mundo rir, sem se sentir ofendido. A gente faz o tempo inteiro essa reflexão de que a piada tem que produzir um efeito coletivo.
MARCO CALIL - Eu como venho de uma escola de palhaçaria, eu parto da concepção de que a graça tem que ser eu e não o outro. Por exemplo, hoje a gente fica muito ligado em abordagens que possam ter conotação racista ou discriminatória.. Um exemplo disso é uma personagem de Alan Miranda, um ladrão, onde encontramos uma outra forma de conduzir, que esteja mais de acordo com com a construção de uma sociedade menos racista.
ARLON SOUZA - Qual a grande motivação de vocês para seguir em frente?
RIVISSON ZURC - Um dia, assistindo a uma entrevista com Fernanda Montenegro, perguntaram a ela o que ela diria para um ator que quer seguir a carreira… Ao que ela respondeu: desista! Mas se isso te fizer tanta falta ao ponto de fazer você se sentir mal, insista. É isso. A gente tem que insistir em fazer o que gosta, o que a gente ama fazer, enquanto tiver vida fazer o que a gente ama.
MARCO CALIL - Essa volta aos palcos é justamente por isso. A gente fazer o que a gente mais gosta, do lado de quem a gente gosta, o que a gente acredita, viver nossa vida como ator, viver esse recomeço, replantar essa semente…
ARLON SOUZA - Para encerrar, por que é que público não pode deixar de ver o “Galera da + 1 Comedy Show?
RIVISSON ZURC - Porque realmente está muito divertido. E para aproveitar esse momento do retorno de um trabalho que genuinamente marca uma geração baiana. A oportunidade de retornar à experiência presencial, comungar e celebrar a vida.
MARCO CALIL - Eu costumo dizer que essa experiência do teatro é muito viva, é epidérmica… Poder ver e encontrar com o artista, ali, cara a cara, e reviver personagens marcantes da época da Mais 1 Filmes, mas com uma nova roupagem. Isso faz do nosso espetáculo atraente e divertido. Venham!
Espetáculo “Galera da + 1 Comedy Show”
- Quando: às sextas-feiras
- Horário: 20h
- Onde: Teatro Módulo - Endereço: Av. Prof. Magalhães Neto, 1177 - Pituba, Salvador/BA.
- Valor: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia) Os ingressos podem ser adquiridos no site SYMPLA https://bit.ly/3ZNtaFN ou na bilheteria do teatro
- Informações: (71) 2102-1392
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Arlon Souza
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