Do crente ao ateu, ninguém explica Caetano Veloso. Filho de Dona Canô, de seu José, e também do Recôncavo baiano, mais precisamente, Santo Amaro da Purificação, o artista chega aos 80 anos no próximo domingo (7), atravessando milhões de almas que se encantam pela sua arte atemporal.
Músico, intelectual e também ativista, Caetano é um homem que faz o que quer com as palavras. Ele navegou em águas contrárias ao que o mercado fonográfico impunha, para que outros, da nova geração, pudessem seguir em busca de terra com propriedade e solidez.
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"A obra dele é muito vasta, ampla e até mesmo irregular. A obra de Caetano mantém a regularidade em ser irregular. Desde o início, a gente identifica um estilo Caetano de fazer música, mas uma parte desse estilo está em não ter nenhum estilo. Ele próprio teve o interesse em não se fixar como uma linguagem única e se expressar também como unidade na diversidade. Nele [Caetano], a variedade é que é a unidade", disse James Martins, poeta, pesquisador e amigo de Caetano Veloso, em entrevista exclusiva ao iBahia.
Caetano construiu a carreira da maneira que bem entendeu. Embora o mercado fonográfico impusesse que o som feito por ele não era o melhor para aquele momento, o cantor entendeu que ele poderia trazer o que era sucesso na época para a própria vibe.
"A capacidade de se comunicar, a pressa que todas as modas incitam e ao mesmo tempo se manter íntegro e fiel a si mesmo, ao seu próprio programa, ou seja, aderir, mas também recusar, acho que essa é a fórmula que Caetano esteja sempre atualizando. Não é apenas uma questão de entender o que está acontecendo e surfar numa onda, é dialogar intensamente com as coisas que estão acontecendo e nesse diálogo tem uma parte que é adesão e outra que é negação. Tem uma parte que é fazer o que está na onda do mercado, mas outra parte é negar ao mercado e fazer o que quer fazer. Ou até mesmo aperfeiçoar o que o mercado trouxe”.
James Martins
Ao lado de Gilberto Gil e outros grandes artistas como Gal Costa, Nara Leão, Rita Lee e outros, Caetano revoluciona a música no Brasil ao apresentar para o mundo o movimento da Tropicália, que foi de suma importância para lutar contra a ditadura no Brasil.
“Quando ele vem com a questão do tropicalismo, num diálogo com o rock and roll, com as guitarras, tampouco aquilo era o uso que se dava comumente no ambiente do Brasil. Ele tem sempre uma coisa de adesão e de negação, de filtro, tem uma coisa antropofágica na obra de Caetano que eu acho que esse que é o segredo para ela estar sempre atualizada. A gente está sempre tendo que voltar a ela, é como uma fonte de informação vivíssima”.
Caetano é massa!
A Música Popular Brasileira se consolidou até os tempos modernos graças há uma turma nascida em 1942. Caetano é um deles. O octogenário esteve - e está - sempre em movimento. E toda essa sagacidade foi fundamental não só para a MPB, mas para que outros estilos conversassem com o público em pé de igualdade.
"Ele é um divisor de águas muito grande, porque ele foi quem revelou que a MPB tem que estar em consonância com a identidade brasileira, em ser do Brasil, que é justamente a ausência de identidade. Caetano mostrou que não há um elemento em essência que caracterize o ser brasileiro e nem a música brasileira".
"O lance que ele traz de mais profundo é a quebra dos paradigmas e dos preconceitos. Depois de Caetano é possível ouvir todas as manifestações em pé de igualdade. Esse papel deflagrador de uma visão mais aberta, mais ampla, que não significa acolher tudo de forma negligente ou passiva, sem preconceitos apriorístico. Ele fez essa abertura de uma forma como ninguém fez”.
Caetanear...
Embora tenha tentado, James não conseguiu elencar uma letra favorita de Caetano Veloso, mas pontuou algumas dentre as 631 gravações do artista, segundo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD).
"As pessoas gostam de perguntar assim, 'qual é a melhor?' e eu até gosto desse tipo de lista, mas em relação à obra de Caetano, eu não sei. Qual é a melhor para mim? Qual é a minha preferida? Não sei dizer, mas algumas, sim. Eu acho 'Como Dois e Dois' uma grande canção, 'Sampa' é uma canção incrível, 'Coração Vagabundo' [...] Tem uma música chamada "Mãe" que ele não canta muito, mas que é maravilhosa".
"Tem uma chamada "Louco por Você" que é um lado B do disco 'Cinema Transcendental' e também uma música que ele nunca cantou em show, eu nunca vejo, mas é uma das que eu mais amo. E eu já falei para ele que adoro essa música, e ele me respondeu: 'eu também'. Eu gosto demais de "Alegria Alegria" [primeiro grande sucesso do cantor]. Até hoje aquela gravação original, lá mesmo quando começa, eu me emociono".
"A música "O Estrangeiro" também, pelo lugar que ela ocupa na minha vida". Foi com essa canção que James se conectou com Caetano Veloso pela primeira vez de forma audaz.
...o que há de bom
“Eu e meu pai estávamos vendo televisão, em preto e branco ainda, e de repente começou a passar um videoclipe da canção 'Estrangeiro', que era o lançamento de Caetano aquele ano (1989). Na época, não tinha MTV e os clipes eram estreados no 'Fantástico'. E eu fiquei muito impressionado com o clipe, onde Caetano aparece andando com um velho atrás que depois eu viria saber que é José Celso Martinez, e uma jovem que a certa altura retira a roupa e fica com os seios à mostra [...] a letra da música muito enigmática, tudo na canção me chamou a atenção de forma intensa. Eu fiquei impressionado, querendo saber mais, ouvir mais”.
Caetano, inclusive, possui 1.953 gravações registradas no ECAD. De acordo com um levantamento do escritório cedido ao g1 Bahia, a música "Sampa" foi a canção mais tocada do cantor nos últimos 10 anos. "Você é Linda" e "Você não entende nada" ocupam os outros dois lugares no pódio, respectivamente.
Caetano sempre foi como um farol
Caetano é multi-presença, espalhada em diferentes linguagens e discursos. Na vida de James Martins, ele sempre esteve no horizonte, como um farol, que o guiava nas ações e pensamentos. Os dois, hoje, são amigos, divergem de opiniões, conversam sobre tudo e, para além disso, existe um respeito mútuo dentro da relação de "mestre e aprendiz".
“Arto Lindsay falou de mim para ele, algo assim. Nós nos encontramos e conversamos e nos identificamos rápido. Primeiro porque ele é naturalmente para mim uma referência, né? Ele é uma figura muito formadora da minha personalidade, do meu pensamento, eu cresci pensando com Caetano: 'Como Caetano encararia tal questão?'. Ele é um farol mesmo, um guia, ele sempre esteve ali conduzindo o meu pensamento para várias direções, e mesmo quando meu pensamento vai numa direção oposta à dele, ainda é por uma energia que eu acumulei aprendendo com ele”.
“A gente foi sempre conversando, discutindo, é até meio ilusório. É fascinante que às vezes eu também posso ter influenciado o pensamento dele como ele já me disse. Na última eleição, quando ele aderiu à campanha de Ciro Gomes, foi por minha causa e ele dedicou até uma entrevista para mim e falou que foi influenciado por mim... e a gente discute esses assuntos. Questões de raça, poesia que é um assunto muito comum a nós dois. Às vezes eu tenho que me beliscar, para mim, aquele cara que eu vi no ‘Fantástico’, que eu vi com meu pai e que me ajudou, me ensinou tanta coisa, e que eu vi esse tempo assim num horizonte como um exemplo de mente aberta, sagaz, é meu amigo e eu converso, às vezes discordo e digo: 'Por**, Caetano'”.
James Martins.
Podcast em homenagem
Com a proximidade do aniversário de Caetano Veloso, que completa 80 anos no domingo (7), o iBahia preparou um especial para comemorar a vida e a obra de um dos maiores artistas da música brasileira.
Mergulhe nas histórias, relatos e curiosidades, e não perca o lançamento do podcast que reúne tudo sobre o cantor, apresentado por Juliana Rodrigues. Veja ao teaser abaixo:
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Lucas Sales
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