Quem vê o homem da foto ao lado de óculos escuros e câmera fotográfica em mãos, à vontade na balaustrada do Porto da Barra às 10h30 de uma terça-feira, pode imaginar que se trata de um baiano de bem com a vida. Mas o personagem bem integrado ao ambiente é na verdade o fotorepórter Mario Porzioli, italiano de 58 anos que tem Salvador como segunda casa.
Trânsito caótico, falta de educação, buracos nas ruas, violência, sujeira. Apesar de todo o esforço que Salvador parece ter feito nos últimos anos para espantar os turistas, muitos deles insistem em voltar. Por que será? No caso de Mario, que frequenta a cidade há 20 anos e diz passar quatro meses por ano na capital baiana, o que atrai é o clima e a leveza e simpatia do povo. Já se considerando um conhecedor da cidade, ele diz saber dos problemas, mas não “provoca”. “Li no jornal que a criminalidade aumentou muito em Salvador, mas eu não tenho medo, não ando em lugares perigosos à noite. A criminalidade eu temo pelos que vivem aqui”, declara Mario. Em seguida, emenda uma comparação para mostrar que está pro dentro do que acontece na cidade. “O Rio não tem esse fedor na orla, essa sujeira na praia. Fiquei feliz quando disseram que Salvador ia ter um metrô, mas está há 12 anos parado, é inacreditável”. Por outro lado, o italiano descreve com entusiasmo os motivos do seu amor pela Bahia. Na sua opinião, Salvador “precisa ser conquistada aos poucos”. “Você precisa passar um tempo a mais pra conhecer os recantos, os lugares, as pessoas. É assim que você se apaixona pela cidade. Salvador é uma cidade mística, é misteriosa”, define Mario. Já para o espanhol Pedro Bunol, 49, que veio a Salvador seis vezes nos últimos 12 anos, o imã desta terra é a receptividade das pessoas e a beleza das praias. Além disso, Pedro fez amigos aqui e mantém a relação até hoje. Apaixonado pela cidade, ele direciona suas queixas para o tratamento dado ao patrimônio histórico. “No Brasil, eu acho que vocês não sabem mexer com as cidades históricas. Não deixam as pessoas morarem. Pessoas com dinheiro que gostariam de morar no Pelourinho, por exemplo, não podem, porque não têm a comodidade”, diz Pedro. Na avaliação do espanhol, deveria haver incentivo para o Centro Histórico ser ocupado como moradias, o que evitaria o descaso. “Só quem mora lá é quem não tem outra opção. Isso gera sujeira, insegurança. Ninguém cuida das calçadas, não pintam. É falta de cuidado com o lugar” . AmorO italiano Tommaso Quattrini, 32, foi apresentado a Salvador em 2005. Desde então, já voltou nove vezes. Em janeiro, virá pela décima vez. Além da paixão pela cidade, arranjou por aqui uma outra paixão. Ele namora uma soteropolitana, que conheceu na primeira viagem. Enquanto já planeja o casamento com a baiana, Tommaso não permite que o amor por Salvador o cegue. Ele diz que, com tantas vindas, observou o crescimento dos problemas, entre eles a insegurança. “Isso me surpreendeu. Achava que quanto mais o país se desenvolvia, mais a violência ia diminuindo”, comenta Tommaso, que, por causa da violênica, não ficaa de vez. “O que existe aí que não consigo aceitar é a violência, e a falta de liberdade que ela provoca. Não poder sair qualquer hora na rua, passear com cachorro sem medo, se tiver vontade ir na praia de madrugada, ou simplesmente pegar um ônibus sem preocupações. Como criar um filho assim?”, questiona. Para Tommaso, o crescimento da cidade vem sufocando alguns fatores que lhe encantaram. “Algumas coisas se perderam, coisas típicas que faziam Salvador especial, mágica. Lembro do antigo Mercado do Peixe, dos pagodes mais escondidos que acabaram, das festas no Beco do Gal, as barracas na praia”, lembra. O casal de italianos Daniela Barci-Cinti e Enrico Lorusso volta à Bahia todos os anos, principalmente porque aqui podem dispensar as formalidades, inclusive nos trajes. “Sempre gostei muito do clima, da simplicidade. Cada vez que volto me sinto fisicamente bem. Gosto muito da cidade antiga, da arte, das festas populares, da música, da alegria das pessoas”, aponta Daniela. Para Enrico, o encantamento cé tanto que Salvador já é mais que uma cidade. “Não volto pra São Paulo, Rio, Manaus, mas volto pra Salvador. Pra mim o Brasil é Salvador, é Bahia”, resume. Apesar disso, um cuidado com a cidade não faria mal a ninguém, na opinião dos dois. Eles reclamam da piora no trânsito, bem diferente do que conheceram há 30 anos. Os dois moram em Roma e dizem que o tráfego em Salvador está quase como o da capital da Itália, famosa pela completa confusão das vias. Mas a lista de problemas do casal não para no engarrafamento. Enrico fala da desigualdade social “de longa data e de difícil resolução”. Já Daniela reclama da sujeira e do cheiro de xixi nas ruas. Para ela, houve até uma mudança no perfil da população. “As pessoas estão mais indiferentes e preocupadas, mais parecidas com as pessoas das grandes metrópoles”, opina. O americano Robert Goldberg é um caso especial. De tanto gostar de Salvador, ele volta a cada semestre desde 2008. Além disso, faz questão de indicar a cidade para os conterrâneos, sempre mais inclinados a viajar para o Rio de Janeiro. Frescura?“Eu digo que Salvador tem um carnaval de verdade e mil vezes menos frescura, com o povo mais tranquilo e simpático. E que também os custos são mais baratos” argumenta Robert, que hoje mora em Porto Seguro. Mas, para ele, se não ter frescura é uma qualidade da cidade, é preciso que o viajante chegue com o mesmo espírito. “Pra gostar de Salvador, não pode ser fresco nem se importar com buracos, mendigos, desordem total”. Para quem se encaixa nesta descrição, Robert conclui: “Vá fundo e se divirta. Apesar dos pesares, Salvador é muito massa!”. Pesquisa: Bahia é indicada por 95% dos turistasDe acordo com um estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em 2011, do fluxo de 11 milhões de pessoas que visitaram a Bahia em 2011, 64% dos visitantes brasileiros já conheciam o destino e retornaram. Entre os estrangeiros, o percentual dos que retornaram em 2011 foi de 36%. Segundo a pesquisa, turistas brasileiros e estrangeiros tiveram o mesmo percentual na questão da recomendação: 95% dos turistas disseram que indicariam a Bahia para parentes e amigos. O levantamento foi encomendado pela Secretaria de Turismo do Estado da Bahia. Entre os brasileiros que visitaram a Bahia, 90% disseram que tinham vontade de retornar para cá. Entre os estrangeiros, o índice cai, mas ainda é considerado bom: 80%. No levantamento, os aspectos positivos do estado indicados pelos turistas foram hospitalidade, patrimônio histórico-cultural, praias e belezas naturais. Já os negativos foram serviços médicos, preços, limpeza pública e serviços de bares e restaurantes. Bom tratamento é essencial, dizem profissionaisFlávia Taiano, proprietário do Hotel do Carmo, no Santo Antônio, diz que é boa parte dos seus hóspedes, principalmente os estrangeiros, vão embora apaixonados por Salvador, pesar de todos perceberem os problemas da cidade. Para Flávia, um fator importante para os turistas é a forma como são recebidos. Segundo ela, uma forma de ajudar os visitantes a terem uma boa experiência é indicar lugares onde se deve e onde não se deve ir, além de indicar passeios, horários e cuidados a tomar. A estratégia é tentar contornar os problemas da cidade com um atendimento acolhedor. “Muitos dos que vêm, voltam, porque são muito bem acolhidos. Eles também mandam muita gente pro hotel. Eu sento com cada um, explico pra onde ir, o que fazer e não fazer. Já que não dá pra mudar a situação da cidade, a gente tenta se cobrir”, diz Flávia. Para o gerente executivo da Associação Brasileira de Indústrias e Hoteis da Bahia (ABIH-Bahia), Luís Blanc, a satisfação do cliente está ligada à experiência da viagem como um todo. Ele exemplifica dizendo que, no caso de um hotel, se o estabelecimento tiver um bom serviço de recepção, mas um quarto ruim, o cliente vai sair insatisfeito. A mesma coisa acontece, por exemplo, se ele for bem atendido em um restaurante, mas tiver dificuldade em outro serviço, como o transporte. “Aspectos importantes hoje são a segurança, o transporte público, a organização. A Bahia tem uma magia grande no mundo, como o Brasil. Isso ajuda bastante, mas também acomoda. Então é preciso que a gente comece a aliar esse lado espontâneo com o fator profissional”, defende Blanc. Ele também diz que o cidadão deve se sentir responsável pela cidade e pelo visitante. “Acho que todo mundo tem uma corresponsabilidade com a imagem que nós temos. Se a cidade for boa pra nós, vai ser melhor para o visitante”. Matéria original: Correio 24h Viajantes contam por que voltam a Salvador, mesmo com degradação
Mario passa quatro meses por ano em Salvador e ama o mar da Bahia, mas até ele já reclama da obra do metrô |
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