Quem passa pelo Rio Vermelho, nas proximidades do Largo da Mariquita, pode não saber que nos anos 80 o local foi sede de um belo teatro de Salvador, chamado de Cine Teatro Maria Bethânia. O espaço foi palco para diversos espetáculos teatrais e shows importantes da cidade, como o "Armandinho em Concerto", de 1981. Anos depois, o local foi fechado para dar lugar a um bingo, depois a uma churrascaria, até que se tornou uma clínica. Em 2023, esse movimento de fechamento de teatros para dar lugar a novos empreendimentos parece não ter mudado, já que, produtores têm reclamado da escassez de espaços para realizar eventos culturais na capital baiana.
Diante da situação, o setor tem tentado regulamentar a Lei Municipal nº 7.848/2010, que determina aos shoppings centers e espaços comerciais a criação de teatros e casas de espetáculos em suas instalações. Uma audiência acontece nesta terça-feira (30), às 9h, no auditório do Edifício da Bahia Center na Rua Rui Barbosa.
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"A lei é de 2010, já são 13 anos, 13 anos que essa lei foi sancionada e até hoje essa não foi regulamentada. Infelizmente essa lei só vai valer para novos shoppings, ou shoppings atuais, quando sofrerem ampliações. A lei não vai obrigar necessariamente os shoppings já construídos a abrigarem um teatro internamente, mas pelo menos a gente fica na esperança de que os novos shoppings ou os já existentes que ampliarem passem abrigar esses espaços", declarou o presidente da Associação Baiana das Produtoras de Eventos (Abape), Moacyr Villas Boas.
Com intermédio do vereador Sílvio Humberto, presidente da Comissão de Cultura Municipal de Salvador, será discutida a situação dos teatros e casas de espetáculos da capital baiana, e como regulamentar a lei.
"A demanda chegou por meio de duas produtoras, que conversou conosco e apresentou a lei, que desde 2010 existe, e até então tinha um prazo de regulamentação de 60 dias e não foi regulamentada", explica o vereador. "É obrigatório que a prefeitura regulamente, uma vez que ela foi sancionada, promulgada e caberia ter sido feito nesse prazo", frisa.
Queixas
Desde que o incêndio atingiu uma parte da estrutura do Teatro Castro Alves (TCA), em janeiro desta ano, o número de teatros fechados total ou parcialmente cresceu em Salvador. Além do TCA, também estão fechados o Teatro Sesc, previsto para retornar no segundo semestre após reforma; o Teatro ICBA; o Teatro Isba, ainda sem previsão de retorno.
Também foram encerradas as atividades do Teatro XVIII, que fica no Pelourinho, enquanto o Teatro ACBEU foi demolido para a construção do empreendimento de luxo do Grupo Alive, no Corredor da Vitória. O Teatro Diplomata, em Patamares, foi readequado para realizar apenas formaturas, fora alguns espaços fechados há anos por problemas estruturais, como é o caso do Cine Teatro do ICEIA, no Barbalho.
Estão abertos, até então, oito espaços pela Prefeitura de Salvador, segundo informações da Fundação Gregório de Mattos, e outros sob a gestão do Governo do Estado. Mas a questão vai mais fundo. Além da escassez, a quantidade de lugares dos locais em funcionamento é limitante para a realização de certos eventos, segundo os produtores, principalmente se comparado ao Teatro Castro Alves, que tem capacidade para 1.500 pessoas. O Jorge Amado, atualmente o teatro com mais espaço, 418 cadeiras, não chega nem na metade do tamanho do TCA.
Para Moacyr Villas Boas, presidente da Associação Baiana das Produtoras de Eventos (Abape), esse cenário é negativo para o setor, tanto do ponto de vista financeiro quanto cultural.
"O impacto é grande, sem precedentes porque a medida que a gente não tem espaço pra cultura, pra apresentação de espetáculos culturais na cidade, sejam eles peças de teatros, espetáculos musicais, shows, etc, Salvador acaba ficando fora do circuito. Os espetáculos, os artistas que costumam sair em turnê acabam, infelizmente, não tendo como se apresentar em Salvador. Então, tanto perde os profissionais da cultura, que vivem disso, como perdem a população, que fica sem ter esse acesso, de ver esses espetáculos", explica.
É o que também pensa a produtora cultural e gestora de projetos Marlucia Sie. Ela destaca que a quantidade atual não supre as necessidades, especialmente para produtores que trazem espetáculos de fora de Salvador.
"Não supre, até porque são vários produtores. Isso hoje é o maior problema que nós temos", conta.
Para a gestora, que trabalha mais com eventos realizados no TCA, o impacto do fechamento do espaço para reforma é sentido no bolso. Ela afirma que está tendo que desembolsar cerca de R$40 mil do orçamento para viabilizar as pautas. A saída inicial foi migrar os eventos para o Centro de Convenções, mas com custos.
"Eu vou ter que montar palco, eu vou ter que botar cadeiras, montar luz, som. [...] No TCA eu tenho um custo, mas fazer isso aqui eu tenho um custo duas vezes maior, em torno de 40k. E o que eu to fazendo é parceria com os produtores nacionais e a gente está tentando viabilizar um meio termo", relata.
O efeito também é sentido na cadeia de trabalho. Se antes ela contratava cerca de 15 pessoas para auxiliar nos eventos realizados no TCA, hoje o número reduziu para 4 pessoas, com a diminuição do espaço.
"A gente trabalhando também gera emprego. Tem o baleiro que tá lá na porta do teatro, não é emprego, mas é serviço. O cara que vende cerveja, o cara que vende amendoim está lá na porta [do teatro]. Tem as pessoas que nós contratamos para trabalhar... eu contrato, no mínimo, 15 pessoas diretamente comigo, fora todas as empresas de som, luz, equipes de incêndio, uma ambulância. Em torno são mais de 50 pessoas".
Um dos questionamentos levantados por Moacyr Villas Boas é sobre a falta de um Teatro Municipal na cidade. Segundo ele, a associação está pleiteando essa possibilidade com o secretário do município, Pedro Tourinho.
"A gente está insistindo muito para que tenhamos um teatro municipal. Uma cidade da importância cultural, do tamanho cultural e da representatividade de Salvador e que a Bahia tem, como movimento cultural, artístico, que serve como espelho para o Brasil e para o mundo, é vergonhoso a gente ter apenas um grande teatro na cidade, que no caso é o Teatro Castro Alves. A gente precisa ter outros espaços para eventos de pequenos, de médio e grande porte", afirmou.
Possibilidades
Para enfrentar as dificuldades, assim como os produtores, os atores também buscam possibilidades e tentam não esmorecer perante o momento. Enquanto parte traz para cidade o acesso a espetáculos nacionais, outros produzem aqui mesmo, dentro do que é possível de realizar.
"Mesmo com esse caos, sim, é possível realizar espetáculos porque esse é, inclusive, um diferencial nessa profissão. O artista de teatro, ele tem como parte do trabalho dele lidar com o problema, lidar com a situação vigente, a gente tem o exercício natural de se adaptar e a gente se adapta", diz a atriz e diretora de teatro Fernanda Paquelet.
Já para Eva Mayara Cruz, atriz, produtora, pesquisadora e estudante de licenciatura em teatro, é preciso conciliar com outras funções para se manter.
"A gente que é ator atriz precisa trabalhar em inúmeras outras coisas para sustentar o nosso sonho de atuação. A sua profissão e o que você gostaria de fazer é o que você faz nas horas vagas. Salvador não financia o trabalho do ator, não é rentável pra gente", lamenta.
Há também diferenças entres os tipos de produções, nos que são produzidos aqui e aqueles que são trazidos de fora.
"Existe muita diferença entre os eventos que a gente produz aqui e os eventos que a gente produz de fora. Geralmente os que vem de fora vem patrocinado, contrata. A gente aqui não tem esses patrocínios de verba de empresa privada, quando tem aqui é algum serviço feito por editais. E a gente disputa os mesmo espaços, que são pouquíssimos. Então, por exemplo, agora o Teatro Castro Alves está fechado, não tem um teatro de grande porte, equipado como o TCA. Salvador deveria ter cinco, pelo menos, do tamanho do Castro Alves. Fora todos os os outros", afirma Paquelet.
Respostas
Em nota enviada ao iBahia, a Secretaria de Cultura da Bahia (Secult-Ba) informou que o Complexo do TCA segue em funcionamento, com a Concha Acústica. Ainda segundo o órgão, a sala do Coro será reaberta em junho, com retomada dos projetos selecionados na "Convocatória para Ocupação de Pauta da Sala do Coro do TCA – 1º Semestre de 2023", e realocação dos eventos que aconteceriam neste semestre.
Ainda de acordo com a Secult, nos próximos dias, "será divulgado um cronograma com todo o processo de reforma" da sala principal do TCA, que "vai passar por um processo de reforma e requalificação acústica, normativa, técnica e tecnológica, e teremos o teatro mais moderno do Brasil".
Sobre o fechamento de outros espaços e as demandas solicitadas pelos produtores, o órgão respondeu que "tem dialogado com o governo federal e com a iniciativa privada sobre parcerias para qualificar a rede de equipamentos culturais já existente e vislumbrar novos espaços para a cultura", assim como um programa de requalificação para reformar espaços culturais da cidade que estão sem funcionar.
A Prefeitura de Salvador, por meio da Fundação Gregório de Mattos, informou que é responsável pela administração de oito espaços culturais e que "articula parceria com o SESI para dinamização de um espaço cultural na Cidade Baixa". Além disso, que "compreende que espaços culturais são pontos que ressoam nos âmbitos da produção criativa, intercâmbio, formação, qualificação, difusão e circulação da produção cultural de Salvador".
Lei de regulamentação
A Comissão de Cultura da Câmara Municipal que acompanha o processo da lei de regulamentação foi instituída em 2017 e desde então tem como função monitorar a execução do plano municipal de cultura ouvindo os seguimentos da sociedade. O objetivo é que o pleito chegue ao executivo, a quem cabe fazer a regulamentação da lei.
"A cidade não tem por onde expressar o seu potencial criativo, você tem que ter espaço, tem que ter condições. Você tem agora a Lei Paulo Gustavo, você tem a Lei Aldir Blanc. São leis que vão canalizar recursos para a cultura e você precisa movimentar a cena, você precisa de espaço com confortos", afirma o vereador Sílvio Humberto, presidente da Comissão.
Estão convidados para compor a mesa a Associação Baiana de Produções de Eventos (Abape), o Núcleo de Ações Culturais Estratégicas (Nace), a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult), o Conselho Municipal de Políticas Culturais (CMPC) e a Fundação Gregório de Mattos (FGM).
A audiência é aberta ao público, sendo também transmitida pela TV Câmara (canal aberto 12.3), pelo portal da Casa (www.cms.ba.gov.br) e através da rede social facebook.com/@tveradiocam.
*Com supervisão do repórter Alan Oliveira
Nathália Amorim
Nathália Amorim
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