Próxima à entrada principal do parque, a Cachoeira de Oxum forma bela paisagem com a mata que a cerca... |
Localizada em uma região pobre da capital, a maior riqueza natural de Salvador não faz questão de se esconder. Exuberante, a mata do Parque São Bartolomeu — cuja área compreende quatro bairros do Subúrbio Ferroviário — se mostra resistente em meio a muitos planos de requalificação e poucas execuções.
A maior área de Mata Atlântica de Salvador já foi campo de batalha, mata dos índios Tupinambás, área quilombola, é considerada um espaço sagrado e respira a esperança da conclusão de uma série de medidas do governo do estado, que promete recuperação do local.
... mas vista de mais perto revela indícios do descaso como espaço |
Guia da área desde 1999 e líder comunitário, Carlos Alberto Almeida, o Bimbau, 59, garante que potencial o parque tem. “Só no ano passado, consegui trazer uns 50 turistas estrangeiros. Eles ficam tristes com a poluição, mas é impressionante como saem maravilhados com o tanto que resta de beleza. As duas primeiras cachoeiras (para quem acessa por São Bartolomeu), batizadas de Oxum e Nanã, estão mais poluídas, mas a mata em si já é uma riqueza e tem outras duas cachoeiras ainda preservadas”, conta Bimbau, que conduz trilhas longas, de cerca de três horas.
A obra
Morador da região desde a infância, Antônio Cândido Oliveira, 63 anos, tem na memória um parque exuberante. “Era pé de jambo, de abacate, jaqueira tem de fartura. Quando eu era criança, corria isso aí tudo, tomava banho de cachoeira...”, recorda. Porém, a imagem que ficou mais recente do parque, antes de perder a visão, 14 anos atrás, não é a das melhores. “Virou uma vergonha, as pessoas invadiram, está tudo poluído, as cachoeiras uma sujeira só, não tem segurança, tem é que revitalizar, cercar tudo”.
Não contaram a seu Antônio, mas todo o parque recebeu, no último ano, 7 quilômetros de grades que o cercaram completamente. Além disso, há uma série de ações de requalificação. As mudanças integram o Projeto de Requalificação Urbana e Ambiental da Bacia do Cobre, desenvolvido pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder).
Com previsão para ser concluída ainda neste semestre, grande parte da obra é no entorno do parque, mas com consequência direta na preservação do local. Quatro bairros (Rio Sena, Ilha Amarela, Pirajá, além de São Bartolomeu) recebem obras de pavimentação, drenagem e complementação de rede de esgoto. Um Centro de Referência para atividades culturais e um museu com a história do parque estão em construção. “Não estamos só fazendo um parque de visitação, mas equipamentos importantes que vão atender aquela comunidade pobre”, explica José Ubiratan Cardoso Matos, presidente da Conder.
A promessa é que todo o parque seja entregue, já com retorno das visitações, até o fim deste semestre. “Até lá, vamos fazendo entregas parciais. Este mês, entregamos a creche que atenderá 130 crianças da comunidade. Em abril, mais um conjunto habitacional que atende a pessoas que moravam dentro do parque e, em maio, grande parte das obras deve estar pronta. Está tudo dentro do cronograma”, afirma Ubiratan.
Apesar da afirmação do presidente, o Banco Mundial, principal financiador da revitalização, orçada em R$ 93 milhões, divulga em seu site que a expectativa era que toda a obra estivesse pronta no final de 2013. O banco estima que 201 mil pessoas devam ser beneficiadas com as obras.
casas Das 500 unidades habitacionais previstas, 186 já foram entregues. As casas estão sendo construídas para assentamento das famílias que tiveram casas demolidas em maio de 2012 por estarem em áreas que ameaçavam o equilíbrio ambiental.
A escolha do local para as moradias levou em conta manter os antigos habitantes da mata próximo dela. Um dos conjuntos habitacionais fica no Campo do Irecê, que tem uma das vistas mais belas da capital. Do alto, é possível ver todo o parque, a barragem do Rio Cobre e a orla do Subúrbio.
No entorno, três praças esportivas foram erguidas. Uma creche de alto padrão deve receber alunos de uma creche comunitária que funciona em prédio improvisado.
Creche está passando pelos últimos ajustes para ser entregue |
Segurança
O principal desafio de tornar o parque um atrativo turístico é a segurança, segundo o titular da Secretaria da Cidade Sustentável, Ivanilson Gomes. “É algo que precisa ser discutido e empregar força para solucionar”, comenta.
Quando o CORREIO esteve no local, no meio da semana, alguns moradores e até funcionários das obras da Conder alertaram quanto à segurança para o acesso do parque. Os relatos são de que no local há uma intensa atividade do tráfico de drogas.
A limitação do acesso com o cerco de grades é um empenho para mudar esse cenário. “O cercamento visa restringir o acesso ao parque, que já teve grande área ocupada desordenadamente. Além disso, é garantia de mais segurança, já que o acesso será apenas por três portais”, explica Ubiratan.
Os acessos ao parque serão por Pirajá, onde funciona um Centro de Cultura; São Bartolomeu, o mais próximo à Avenida Suburbana; e Rio Sena. No entanto, em São Bartolomeu, já é visível que algumas grades já foram tiradas. Em nota, a Polícia Militar da Bahia informou que as Companhias Independentes responsáveis pela região - 14ª CIPM ( Lobato), 9ª CIPM (Pirajá) e 18ª CIPM (Periperi) – fazem rondas preventivas e incursões no local para prevenir o tráfico.
A PM diz ainda que, com a reinauguração do parque, está previsto “o emprego de uma guarnição da PM com viatura para atender a área, bem como de um posto (estrutura física) para dar suporte ao policiamento ordinário e o especializado de proteção ambiental (Companhia de Polícia de Proteção Ambiental - Copa)”.
Obras preveem 500 novas unidades habitacionais para famílias que tiveram casas demolidas há dois anos |
Parque abriga maior área contínua de Mata Atlântica da cidade
Com 155 hectares, o Parque São Bartolomeu é a maior área de Mata Atlântica contínua da capital. “É uma mata remanescente importante pela biodiversidade. Temos ali mata primária, mata secundária e belas cachoeiras, algumas poluídas. A área carece de uma gestão efetiva e de um conselho gestor”, explica Renato Cunha, coordenador do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá).
A área é de gestão compartilhada entre a Secretaria Cidade Sustentável, da prefeitura, e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), do governo estadual. No momento, os órgãos discutem a criação de um Fórum de Gestão dos Parques de Salvador. Em janeiro de 2013, o parque sofreu um incêndio, considerado de pequena proporção, mas que durou pelo menos quatro dias para ter os focos controlados.
O Corpo de Bombeiros alegou não ter sido acionado até o terceiro dia de incêndio. O parque tem uma reserva de água potável que já abasteceu a comunidade da região —mas foi desativada há três anos pela Embasa, por causa da baixa vazão.
Projeto prevê recuperação de praça de cultos afro-brasileiros
“A singularidade do Parque São Bartolomeu é a de ser, sobretudo, um santuário, um lugar-monumento da memória negro-indígena e, ao mesmo tempo, do civismo popular da luta pela independência da Bahia”, resumiu, em um artigo, o sociólogo baiano Gey Espinheira, falecido em 2009. Criado por decreto municipal em 1978, o parque, considerado sagrado para adeptos do candomblé e da umbanda, já abrigou comunidades negras de escravos — com destaque para o Quilombo dos Urubus, que ficava à margem da Lagoa do Urubu.
Dentro do projeto de requalificação está sendo construída, próxima à Cachoeira de Oxum, uma praça destinada a cultos religiosos de matriz afro-brasileira, dos quais se tem registros no local antes mesmo dos anos 40. A área vai receber projeto paisagístico, que delimitará o caminho em concreto e ponte de acesso à cachoeira. Próximo à praça, viviam 18 famílias, que, como as demais que moravam dentro do parque, tiveram que sair. Pensando na prevenção de novas invasões, todo o parque foi cercado com grade.
Tendo como exemplo o Parque São Bartolomeu, Espinheira escreveu, em 1998: “Os lugares significativos para a religiosidade afro-brasileira foram esquecidos e abandonados pelo urbanismo da cultura hegemônica ou, no sentido inverso, transformados em espaço de visitação turística, mas destituídos de seus significados culturais básicos”. O texto integra o livro História, Natureza e Cultura – Parque Metropolitano de Pirajá, do Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao), da Ufba, e reúne artigos sobre o parque de professores de diferentes áreas
da universidade. Matéria original Correio 24h Obras do Parque São Bartolomeu têm previsão de entrega em maio
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