Na manhã de hoje, estudantes do 3º ano do ensino médio do Colégio Estadual Manoel Novaes, no Canela, têm que entregar um trabalho com peso 7: um jornal sobre greve. A tarefa foi passada pelo professor de Filosofia Carlos Magno Pessoa, que teve sua aula assistida pela reportagem do CORREIO nesta segunda (9). Já no Colégio Estadual Davi Mendes Pereira, em Colinas de Pituaçu, na sexta-feira passada, o tema da aula de Filosofia ministrada pelo professor Paulo Roberto também foi greve. Assim como no Canela, o CORREIO acompanhou a aula dentro da sala. As duas unidades de ensino estão entre os 19 colégios-polo criados pela Secretaria Estadual da Educação (SEC) para que as aulas do 3º ano fossem retomadas mesmo sem o fim da greve dos professores, que completa 91 dias hoje. O objetivo era tentar diminuir o prejuízo dos estudantes que vão prestar vestibular e fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Mas, ao que parece, a greve continua em pauta na sala de aula. “O que é a greve, quais as razões, o que os professores querem, os prejuízos aos alunos, a postura do governo... Tudo isso tem que estar no jornal”, enumera o estudante Thiago da Silva, 18, que nesta segunda (9) passou a tarde finalizando o trabalho que vai entregar hoje no Manoel Novaes. Enem Já com a produção do jornal em andamento, ontem o aluno perguntou ao professor qual seria a relação entre o Enem e a greve. “Tem a ver com a redação dos exames. A Filosofia exercita o pensamento e ajuda a avaliar os fatos. Quando o aluno estiver redigindo o jornal, vai trabalhar exatamente essas questões”, respondeu Pessoa.
A argumentação, porém, não convenceu Thiago. “Procurei até a direção da escola para reclamar. Não entendi o motivo de fazer um trabalho com esse peso todo sobre esse assunto, se estou aqui nessas aulas para me preparar para o Enem”, diz. Tentando recuperar o tempo perdido com a greve, o jovem tem participado de grupos de estudo na Biblioteca Pública com alunos de diversas escolas. “A própria direção mandou que eu estudasse em casa, porque o Enem já está na porta e, do jeito que vai, não tem como preparar os alunos a tempo”, lamenta. Na presença do CORREIO, o professor Carlos Magno explicou que o jornal sobre a greve deveria ser entregue até hoje porque ele ficará fora da escola por duas semanas, participando de um congresso no exterior. “Só aceito até amanhã (hoje). Na minha ausência, vocês farão outros trabalhos e o horário da minha aula não poderá ser cedido a outros professores”, disse o professor, enquanto entregava aos líderes das turmas duas pastas contendo as orientações do próximo trabalho, que terá peso 5. DebateEnquanto os alunos do Manoel Novaes preparavam seus trabalhos, no Colégio Davi Mendes Pereira a temática ‘greve’ foi debatida em sala de aula. Divididos em grupos, os alunos foram orientados pelo professor Paulo Roberto a elaborar questões relacionadas a uma apostila que ele distribuiu, com conceitos de greve, direitos e deveres, histórico e garantias dos grevistas. Ao propor o debate, o professor afirmou que seria uma aula com noções gerais, sob a justificativa de se tratar de um tema “do cotidiano, atual”. Mas a discussão não demorou a se ater na paralisação atual na Bahia. Na apostila, trechos destacados recordam, por exemplo, a relação do Partido dos Trabalhadores (PT) com conquistas trabalhistas e ressaltam que o empregador não pode “adotar meios que forcem o empregado a comparecer ao trabalho”. Para exemplificar este trecho, o docente falou da convocação dos professores do Regime Especial de Direito Administrativo (Reda) e estágio probatório para dar as aulas emergenciais do 3º ano. “Os professores têm três níveis: efetivo, Reda e probatório. (O governo) Colocou para trabalhar a categoria que não tem vínculo e pode ser demitida. Foi chantagem e, de certa forma, forçado para a maioria dos professores. A gente veio de um dia pro outro, sem nenhum planejamento. Por isso, está essa bagunça. Ou você atende, ou parte a mil”, afirmou Paulo Roberto diante dos alunos. DesesperoNa mesma página da apostila, há a menção de que “os grevistas não podem proibir o acesso ao trabalho daqueles que quiserem fazê-lo”, o que chamou atenção de um estudante. “Então, os professores grevistas que tentaram convencer os alunos e os convocados a não entrar nas escolas no primeiro dia estavam errados?”, questionou. Em tom informal, o professor de Filosofia respondeu: “Véi, aquilo ali foi desespero, tá ligado? Cada um tem que defender o seu lado”. O aluno insistiu: “Mas não é ferir um dever por causa de um direito?”. Frente aos estudantes, Paulo Roberto limitou-se a concluir: “Foi desespero”. Estudantes reclamam e reposiçãoA professora de Química entra em uma das salas do 3º ano do Colégio Davi Mendes e pergunta aos alunos em qual assunto eles pararam. Então, inicia a aula sobre a Classificação dos Carbonos. Por sua vez, quem precisa do conteúdo queixa-se que não está avançando nas aulas emergenciais. “Não tem quase nada de novo. Fora isso, os professores são de 8ª, 7ª série”, afirma o estudante Alleph Reis, que pretende cursar Medicina. Na volta das atividades, ele ainda não teve aulas de Língua Portuguesa e Inglês. Já Ícaro Nascimento, 18, só tem aula de Filosofia, Química, Biologia e Inglês. “Os professores de Matemática e Português até agora não apareceram”, diz. Em nota, a SEC informa que os professores convocados têm licenciatura plena na área de atuação. “Portanto, estão habilitados a abordar assuntos do 3º ano”, afirma o documento. Sindicato apoia o uso do tema em salas de aulaDepois de assistir duas aulas em colégios diferentes em que a greve foi o tema principal, a reportagem questionou o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Bahia (APLB) sobre a situação. Marilene Betros, coordenadora da entidade, disse não saber de que professores estejam trabalhando tal tema durante as aulas. Betros, porém, afirmou não ver problema nas aulas e trabalho sobre greve. “É um tema de cidadania e nada impede que seja tratado em todas as disciplinas. O assunto pode, sim, ser moldado para trabalhar História, Matemática, Física, Filosofia ou qualquer outra. Não vemos problema nenhum nisso”. A Secretaria da Educação (SEC), por sua vez, emitiu uma nota oficial informando que não tem conhecimento do uso em sala de aula de outros conteúdos fora do programa pedagógico estabelecido. “Inicialmente, os professores realizaram uma revisão dos conteúdos já trabalhados para dar continuidade aos assuntos do ponto em que eles foram interrompidos. A Secretaria da Educação também realizou encontro de orientação aos professores”, diz a nota. Por fim, a secretaria afirma que cada uma das escolas-polo conta com uma equipe de técnicos da secretaria para auxiliar nas atividades. Na manhã de hoje, os professores realizam mais uma assembleia em frente à SEC. A greve foi considerada ilegal pela desembargadora Dayse Coelho, do Tribunal de Justiça da Bahia, que determinou o fim imediato da paralisação e estabeleceu multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
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