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SALVADOR

Gil Vicente fala de seus projetos, a exemplo da peça Sargento Getúlio

Jovem talento do teatro baiano adapta para o teatro Sargento Getúlio, romance de seu padrinho, o escritor João Ubaldo Ribeiro

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27/06/2011 às 10:00 • Atualizada em 29/08/2022 às 12:44 - há XX semanas
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Gil Vicente Tavares em sua biblioteca: diretor e dramaturgo estreia em agosto a adaptação do romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro
No sobrado em que mora, no Garcia, o diretor, dramaturgo e compositor baiano Gil Vicente Tavares, 33 anos, passa boa parte do seu tempo enfurnado em uma verdadeira trincheira criativa. No seu escritório-biblioteca está a maior parte dos livros e discos que servem de munição para as suas múltiplas criações. É nesse espaço que ele recebe o CORREIO para um papo sobre a carreira e os novos projetos. Como a peça Sargento Getúlio, que estreia dia 3 de agosto, no Teatro SESC Casa do Comércio, como parte do Festival Bahia em Cena. Dirigida por ele e estrelada por Carlos Betão, a montagem é baseada no romance homônimo escrito por seu padrinho João Ubaldo Ribeiro. Projeto antigo - A ideia de fazer essa adaptação surgiu em 1998, numa noite em que foi dormir na casa do seu pai, o escritor e compositor Ildásio Tavares, morto no ano passado aos 70 anos. “Não tinha jogo do Flamengo na TV, então procurei um livro pra ler na biblioteca dele e achei o Sargento Getúlio”, recorda. Referindo-se em tom de brincadeira a Ubaldo como um padrinho ingrato - “tenho pouquíssima relação com ele, que nunca me deu um livro sequer!” - Gil, de pirraça, tinha ficado aquele tempo todo sem ler os romances dele. Até que, naquela noite, antes do sol raiar, deu cabo daquela intrincada narrativa sobre um retado sargento sergipano. “De cara eu pensei: dá pra fazer um monólogo com isso aqui!”. Desde então, tentou diversas vezes levar o projeto adiante, mas sem sucesso. “Até que agora a Vivo se interessou em patrocinar. Bem no ano em que Ubaldo completou 70 anos, o livro fez 40 e o meu grupo Teatro Nu fez 5”. Ao mesmo tempo em que quebra a cabeça para estruturar a peça, em processo de ensaio, ele hoje divide o seu tempo com teorias teatrais, como denunciam algumas pilhas de livros sobre o teatro do absurdo. O material é usado para a tese que está escrevendo: A Herança do Absurdo - Vestígios no Drama Contemporâneo. Mesmo ocupado com um doutorado em Artes Cênicas na Ufba, Gil se orgulha de arranjar tempo para compor músicas e inventar moda pelo Facebook. “Tem gente que reclama, dizendo que eu faço coisas demais, mas sempre fui assim. Não paro de criar”. Na rede social ele se diverte bolando chistes filosóficos como “Melhor morrer Empédocles do que viver de joelhos”, citando esse antigo filósofo grego. “Adoro falar besteira e isso herdei do meu pai. As melhores piadas que sei aprendi com ele, que criava frases como: ou vai ou Reich”.
No violão já tocado por João Bosco, Gil compõe as suas músicas
Compositor - A conversa segue ao som de sinfonias de Beethoven que brotam do computador de Gil. Fã do compositor alemão desde a adolescência, ele engata com prazer um papo sobre música. Para quem apenas o conhece por seus trabalhos teatrais, Gil lembra como está envolvido com música desde moleque. “Muito jovem estudei violão clássico e até piano, que larguei por burrice. Mas já aos 17 anos compunha músicas razoáveis”.Essa paixão o fez tentar vestibular para a área, simultaneamente ao teatro. “A Escola de música achou que eu não tinha aptidão e a de teatro, sim”. Depois de ter composições cantadas por artistas como Roberto Mendes, Rebeca Matta e Cláudia Cunha, em 2005 Gil venceu o III Festival da Educadora FM com a canção A viagem de Firmino. “Sou péssimo cantor, mas adoro tocar, dançar e fazer farra!”, diz ele, que recentemente fez o hino do bar Casa da Mãe, no Rio Vermelho, onde costuma dar canjas.Ao fim do doutorado, Gil planeja estudar harmonia, para refinar ainda mais as composições. “Essa ainda é uma carreira um pouco secundária, mas que já atingi um certo respeito”, afirma. Palco nu - Em sua carreira principal tampouco faltam projetos. Em setembro, seu novo texto Alugo Minha Língua deve ser montado por Fernando Guerreiro, com quem já trabalhou no sucesso Vixe Maria, Deus e o Diabo na Bahia!. “A peça fala sobre perversão e é diferente de tudo do que já escrevi. Não tem personagens e se passa num cabaré ero-tragicômico”.Já com o seu grupo Teatro Nu, Gil segue inquieto, investigando as potencialidades dos atores. “Para mim é uma delícia ver o ator em cena. Eu mesmo não tenho essa coragem de atuar. Sem falar que sou muito canastrão”, diz Gil, que lembra que quando criança, morando no Rio, fez figuração em especiais e seriados da Globo, como Sítio do Pica-Pau Amarelo e Pirlimpimpim 2.Expandindo o papo sobre atuação, ele adianta que, em Sargento Getúlio, quer que Carlos Betão absorva internamente “um molejo típico da marujada e do maculelê”. Só que, externamente, o público não verá signos que remetam ao folclore nordestino. Disso ele quer “distância”.A preocupação em fugir dos clichês é uma característica do artista, que em 1999 venceu um prêmio Braskem como diretor revelação pela peça Quartett, de Heiner Müller. Recebido logo após a formatura na Escola de Teatro da Ufba, o prêmio, porém, não é motivo de grande celebração.“Fiquei foi chateado de ganhar como diretor. Até brinco que isso é uma mancha no meu currículo. Afinal, com a equipe que eu tinha, queria é que meus atores Harildo Déda e Joana Schnitman fossem premiados!”. Desiludido com a resolução do prêmio, Gil não vai a uma cerimônia do Braskem há 10 anos. Esse jeito meio rabugento, para o amigo Harildo Déda, 71, só dá mais charme ao ‘personagem’ Gil Vicente Tavares. “Ele tem essa coisa ranzinza e fala mal de todo mundo, mas é uma pessoa adorável”, brinca Harildo, que considera Quarttet uma das peças que mais amou ter feito em 50 anos de carreira.Segundo o ator, Gil ainda está à procura de um estilo, o que é uma grande qualidade. “Suas peças são sempre uma surpresa. Ele é uma das pessoas mais criativas desse meio”.Virginiano teimoso - Conhecido por se manifestar sobre várias questões de Salvador, Gil garante que não pensa em deixar a cidade em que nasceu. Mesmo que ela por vezes o desagrade e que outras paragens se abram sedutoras.O artista, que em 2000 passou um tempo em Portugal, participando do intercâmbio teatral Cena Lusófona, e que em 2006 foi a Roma assistir à leitura de suas peças, diz que a “covardia e o romantismo” lhe fazem ficar bem plantado no Garcia. “Sou um virginiano teimoso, que sempre senta no mesmo lugar do restaurante e não gosta de trocar de lugar”, brinca. “No fundo, amo a minha terra, e sei que meus textos, eventualmente, podem contribuir para mudar certas coisas aqui”.
Criança, Gil Vicente posa com seu pai, o poeta Ildásio Tavares
Gil e a herança de ildásio Tavares - Um dos grandes intelectuais da Bahia, Ildásio Tavares deu a um de seus seis filhos o nome de um importante dramaturgo português, acompanhado de um sobrenome que lhe traria um peso ainda maior. “Eu seria o maior fã de meu pai se ele não fosse o meu pai”, diz Gil Vicente Tavares. Ele lembra como o comportamento impulsivo de Ildásio, por vezes, gerava brigas entre eles. “Se ele não gostava de um concerto, levantava, esculhambava os músicos e ia embora. Isso tudo é muito legal, mas sendo filho dele, depois muitos artistas viravam a cara pra mim”. Apesar de ter um temperamento diverso do pai, Gil recebeu dele apoio em tudo o que fez. Especialmente no teatro, arte pela qual Ildásio transitou menos. “O forte dele era a poesia e eu jamais serei o poeta que ele é. Meu pai é um dos melhores sonetistas que conheço e um dos maiores poetas do século XX”. Graças a ele, Gil maneja versos desde pequeno. “Fiz um poema aos 7 anos e ele me deu uma aula de metrificação. Isso abriu uma porta pra mim”.
Grande amigo de Ildásio, João Ubaldo apadrinhou Gil Vicente
Ele só lamenta que Ildásio não tenha tido um reconhecimento maior. Em breve, Gil quer lançar um documentário que transmita a dimensão artística do pai. “Como compositor ele foi parceiro de Baden, de Antônio Carlos e Jocafi, foi Gravado por Bethânia, Vinícius... Mas não havia repercussão sobre o seu nome”. Também pela combatividade, Gil sente que o pai faz muita falta à Bahia e ao país. “Ele dizia tudo o que pensava e estou certo de que teria esculhambado a Academia Brasileira de Letras, que escolheu como imortal o Merval Pereira em vez do Antônio Torres”.

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