De mortalha branca e detalhes azuis, os Filhos de Gandhy saíram às ruas do centro histórico de Salvador, na tarde de hoje (26), levando mensagens de paz e de resistência do povo negro. Esta é a 68ª vez que o Afoxé Filhos de Gandhy desfila no carnaval de Salvador e estende, pelas ruas do Pelourinho, o tapete da paz com as cores das vestimentas.
O tema deste ano – “Diáspora Africana: A travessia não me abateu, Tornou-me forte!” – é uma forma de ressaltar as conquistas do povo negro, mesmo diante das dificuldades enfrentadas. Para o guru espiritual do Afoxé, Valdemar José de Souza, conhecido por Tio Souza, a homenagem é uma forma de reforçar a resistência das pessoas negras, sobretudo as trazidas da África em navios negreiros.
“Estamos homenageando as nações africanas, com a diáspora. Essa é a nossa responsabilidade, de representar bem uma entidade mundialmente conhecida, nos esforçarmos para fazer do sacrifício o exercício. Nossa roupa tem uma representatividade forte e com muito sentido espiritual, até porque tudo que fazemos é com cunho espiritual. Não denominamos como alegoria, mas é tudo voltado para a espiritualidade e a individualidade de cada pessoa”, explica Tio Souza.
Ritual pela paz
Antes da saída dos integrantes pelas ruas do Pelourinho, os participantes fizeram o tradicional Padê, cerimônia religiosa do Candomblé, seguido pela soltura de milho branco sobre os presentes. Segundo Tio Souza, as oferendas [são feitas] ao Orixá Escravo, o guardião da casa.
Após a cerimônia, centenas de homens vestidos em tecidos que lembram vestes indianas começaram o desfile, enquanto borrifavam alfazema na multidão. O músico e compositor baiano Gilberto Gil participou do cortejo.
Um grupo de músicos seguiu o cortejo, tocando agogôs e outros instrumentos que compõem o ritmo Ijexá, tocado por 80 percussionistas. Com vestimenta em cor diferente da dos demais, Marcos Lopes, da ala de canto do Afoxé, conta que o preparo não é só espiritual, mas vocal e físico para aguentar três desfiles no carnaval.
“Compensa muito ver a alegria dos associados. É uma coisa que não tem preço, esse amor e essa dedicação fazendo o povo feliz e pedindo pela paz”, declara.
A procura pela fantasia dos Filhos de Gandhy intensificou o comércio do centro histórico de Salvador. Até para a colocação da toalha branca na cabeça dos integrantes, é preciso experiência para manter o padrão.
Melhoria de renda
Há 14 carnavais, a dona de casa Lúcia Araújo aproveita os desfiles do Afoxé Filhos de Gandhy para melhorar a renda. Segundo ela, um ex-dirigente do bloco a incentivou a fazer o curso de costura da toalha branca na cabeça. O processo envolve a costura, à mão, com a presença do participante, já que é tudo feito sob medida, na hora do desfile.
“O pessoal me procura muito para fazer o serviço e isso me ajuda muito a melhorar a renda, durante o carnaval. Eu agradeço muito a ele [ex-dirigente], por ter me dado a ideia do curso que durou cinco meses. Desde então, sempre venho no carnaval fazer a costura das toalhas”, relatou a autônoma, que tem um pequeno bar em casa.
A indumentária, que lembra túnicas indianas, assemelha-se a vestidos. Esse foi um motivo que a produtora de eventos Sueli Souza encontrou para desconstruir o machismo e o sexismo no filho Jonatan Salvador, de 5 anos. Segundo ela, a criança sempre questionou o uso das roupas em homens por entender que vestidos são para mulheres. Para acabar com a ideia, ela resolveu vestir o filho este ano para ensinar, segundo ela, que roupa não têm gênero.
“Eu resolvi vesti-lo assim, porque ele tem a ideia de que é um vestido, e ele disse que homem não usa isso. Agora eu o trouxe para mostrar que não há roupa exclusiva de homem ou mulher. Apesar de ter resistido, ele está aceitando por ver outros homens assim também”, diz a mãe de Jonatan.
Após a concentração, no Pelourinho, o bloco composto somente por homens seguiu para as ruas do Campo Grande, onde foi puxado por um trio. Amanhã (27), o bloco de 3 mil associados volta às ruas, mas no circuito Barra–Ondina, às 15h. Na terça-feira (28), último dia de carnaval, será a última saída do Afoxé, no contrafluxo no Circuito Osmar–Campo Grande.
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Redação iBahia
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