Não foram poucas as vezes em que, nas últimas semanas, a administradora Mayane Torres, 31 anos, acordou de um mesmo sonho: que os primos Emanuel e Emanuelle Dias estavam vivos. “Desde o dia que me toquei que estávamos entrando em dezembro, estou tendo crises de estresse e ansiedade”, conta. Os irmãos morreram em um acidente de trânsito no dia 11 de outubro de 2013 no bairro de Ondina.
Agora, exatos 1.517 dias depois do acidente, a família dos dois aguarda com expectativa o julgamento da médica Kátia Vargas, acusada de ter provocado o acidente que culminou nas mortes. Amanhã, no Fórum Ruy Barbosa, em Salvador, ela será submetida a júri popular. Este dia, para a família dos irmãos, vai ser mais do que um momento cercado de expectativa: vai ser o fechamento de um ciclo após quatro anos.
A mãe de Emanuel e Emanuelle, a enfermeira Marinúbia Gomes, está sendo medicada com ansiolíticos. Por um período, chegou até a cogitar não ir ao fórum onde acontecerá o júri, mas foi convencida pela sobrinha.
“Eu disse que, se ela passar mal, a gente segura, mas a gente tem que ir. A gente já chegou até aqui. Nós vamos porque é nossa família, nosso sangue, nosso direito”, desabafou Mayane.
Na sexta-feira (1º), Marinúbia chegou a ir ao fórum onde estavam sendo entregues as 220 senhas para o público interessado em assistir ao julgamento. Ela chegou por volta das 2h30, acompanhada de amigos e um advogado, cumprimentou as pessoas que estava na fila mas permaneceu dentro do carro da família, estacionado na mesma rua. Ela, assim como a família de Kátia, tem direito a senhas reservadas.
Desempregada há pouco mais de um ano, Marinúbia não consegue trabalho. Nas últimas entrevistas de emprego, foi descartada pela repercussão do caso, segundo Mayane. Abalada, preferiu não falar com a reportagem. Procuramos a enfermeira ao longo da última semana, mas a família relatou que ela está sem condições de falar sobre o assunto. Mesmo quando informamos que na edição de ontem do CORREIO publicaríamos uma entrevista com a médica, ela optou não falar.
Nomeou a sobrinha, Mayane, para responder pela família. Juntas, as duas foram as principais porta-vozes da família de Emanuel e Emanuelle nos últimos quatro anos. Foram as vozes de uma dor que não desejavam ter conhecido.
“Ela vai para o júri com muito pesar. Ela vai reviver uma dor que ela já vive todos os dias. Ela não viu as fotos dos menino atropelados, esmagados. Ela nunca quis ver mas vai acabar vendo no tribunal”, relata a sobrinha.
Mesmo hoje, a própria Mayane tem tido dificuldades em seguir a vida. Não tem conseguido comparecer às aulas de uma pós-graduação nas últimas semanas. “O júri parou nossa vida totalmente”, explica ela, que administra uma página no Facebook que publica atualizações sobre o caso desde o acidente.
Descrença
Tanta proximidade faz com que ela conheça bem o universo do processo. Está por dentro de laudos, declarações de advogados e decisões judiciais. Agora, a poucas horas da conclusão, Mayane ainda está descrente com tudo.
“O final está chegando. A gente está anestesiada e ansiosa. A gente fica com medo das manobras da defesa dela. Só vamos acreditar mesmo quando estivermos lá sentados e o júri ocorrendo”.
O medo de que o julgamento nunca acontecesse sempre assustou a família de Emanuel e Emanuelle. “Só vou sossegar quando essa história tiver um desfecho”, disse dona Marinúbia, ao CORREIO, em 11 de outubro de 2014 – exatamente um ano após a morte dos filhos. Ela costumava repetir sobre a ansiedade para que Kátia Vargas fosse a júri popular. Só após a decisão do júri, Marinúbia esperava que fosse condenada.
Mesmo se o júri condenar a médica ela não será presa ao fim do julgamento. A prisão só aconteceria se o processo após um eventual trânsito em julgado – ou seja, quando não houver mais recursos.
Em maio deste ano, quando o laudo da reconstituição do acidente foi divulgado, Marinúbia reforçou seu desejo por justiça. “Não era novidade para mim, nem pra o Ministério Público, nem para a população, mas não deixa de ser uma satisfação e uma vitória e mais uma esperança, que essa espera angustiante da data (do julgamento) acabe. Estou confiante que a justiça dê seu parecer. Essas coisas mexem muito com a gente, revive muito, não consigo viver em paz com isso”, disse a enfermeira ao CORREIO.
O laudo concluiu que a médica Kátia Vargas perseguia os dois irmãos em alta velocidade. O carro de Kátia bateu na moto em que os irmãos estavam, projetando-os contra um poste.
Perdas
O pai de Emanuel e Emanuelle, por sua vez, nunca saberá o desfecho da tragédia que envolveu sua família. O projetista Waldemir de Sousa Dias, 59 anos, morreu em setembro deste ano, após sofrer uma parada cardíaca na casa onde morava sozinho, no Barbalho. Waldemir e Marinúbia eram separados, mas continuaram amigos após o fim do casamento.
Antes disso, a mãe de Waldemir faleceu em dezembro de 2015, aos 89 anos, sem saber da morte dos netos. A ela, sempre era dito que os dois estavam no exterior. “Destruiu nossa família. Um dia, questionei a Deus porque nenhum deles sobreviveu, nem que fosse para um ficar acamado, para a mãe pelo menos se sentir amparada, ter alguém para cuidar. Nem isso tivemos oportunidade. Somos uma família completamente destroçada”, diz Mayane.
Para ela, Kátia Vargas e sua defesa tentam fugir de uma condenação. O julgamento vai acontecer quase quatro anos após a decisão – chamada pronúncia – de que a médica iria a júri popular, que foi de 16 de dezembro de 2013. Mas houve um recurso em Sentido Estrito - uma impugnação da decisão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) em primeira instância e a nova decisão só saiu em 22 de abril de 2014.
Espera
Depois, houve recursos para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e para o Supremo Tribunal Federal (STF). O Ministério Público do Estado (MP-BA) solicitou uma reprodução simulada dos fatos e, segundo o TJ-BA, “em razão da complexidade da diligência requerida pelo MP”, a reconstituição só aconteceu em 11 de dezembro de 2016. O laudo da nova reconstituição, por sua vez, só ficou pronto cinco meses depois, em maio deste ano. A defesa e a acusação ainda se manifestaram após o laudo.
Mesmo com a demora, Mayane diz que acredita que tudo foi feito dentro da lei. Por várias vezes, ela reitera que espera que Kátia seja condenada. “Se tivesse um gênio da lâmpada e perguntasse: ‘você quer um de seus primos vivos agora, com sequelas, ou quer punir uma pessoa com a cadeia por ter matado os dois, eu preferia ter um deles com sequelas, porque é um desgaste muito grande”, desabafa.
Ela diz que, nesse momento, a família vai continuar se resguardando. Um grupo de apoiadores deve fazer uma mobilização do lado de fora do fórum, durante o julgamento, enquanto a família acompanha no Salão do Júri. Dentro, não será permitida nenhum tipo de manifestação.
Nem mesmo será autorizada a entrada de pessoas usando camisas com fotos ou frases que façam referência aos envolvidos. Mayane concorda com o procedimento.
“Em momento algum a gente quer influenciar em nada. A gente quer que ela seja condenada sim, não por ódio, mas pelo que ela fez”.
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Redação iBahia
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