De repente, a água brotou do solo e abriu uma imensa cratera. A vazão foi tão grande que parte da BR-324 ficou completamente alagada. A origem do problema, todos conheciam. Uma adutora havia se rompido debaixo da terra. A questão era conhecer o local. Onde estava essa tubulação? Ninguém sabia ao certo. O motivo é simples. O subsolo de Salvador é um “balaio de gato”. A falta de mapeamento por parte das empresas, órgãos públicos e concessionárias que têm redes, dutos e tubulações debaixo da terra dificulta a manutenção, atrasam obras de infraestrutura e, pior, trazem riscos para a população. No caso do rompimento da adutora na BR, que deixou parte da cidade sem água, as consequências poderiam ser muito piores. “Só não foi pior porque a adutora estava enterrada. Se estivesse livre poderia ser uma tragédia. O fato é que, na hora de consertar o problema, não se sabia onde ela estava. Alguns diziam que a quatro metros da superfície, outros diziam que a 11 metros”, afirma o engenheiro Alessandro Machado, coordenador da Câmara de Engenharia Agrimensora do Conselho Regional de Engenharia Arquitetura e Agronomia da Bahia (Crea-BA). Além das redes de água e esgoto, de responsabilidade da Embasa, as redes de drenagem (prefeitura), gás (Bahiagás), energia elétrica (Coelba) e telecomunicações (concessionárias como a Oi) não possuem um cadastro topográfico. Mesmo as empresas que dispõem de algum mapeamento, como a Bahiagás, têm dificuldades em realizar intervenções, porque não conhecem a rede das demais. “Normalmente só nos preocupamos com o que está visível, acima do solo. Abaixo dele deveria haver uma infraestrutura organizada. Senão vira um campo minado”, observa Machado. Os riscos, de fato, existem. Uma escavação pode causar um enorme estrago. No escuro “Sabemos da limitação de órgãos e concessionárias em relação a isso”, admite Marcílio Bastos, secretário municipal de Manutenção (Seman). “A prefeitura deveria ter esse cadastro, nós também, todo mundo”, concorda o superintendente de esgotamento sanitário da Embasa, Júlio Mota. “Temos um sistema de georeferenciamento. Mas, quando vamos fazer qualquer obra, não encontramos cadastros atualizados”, diz o gerente de engenharia da Bahiagás, Luiz Carlos Nogueira. Em Salvador, muitas vezes, o histórico das redes de drenagem está na cabeça de antigos funcionários. “Temos que recorrer a funcionários antigos da prefeitura. Essa é a pura verdade”, diz Bastos. Um deles é Jarilson Paim, arquiteto que trabalha no município há mais de 30 anos.
“As áreas do Centro e da Cidade Baixa exigem muita atenção. Volta e meia alguém ‘pega’ uma rede. Na prática não existe uma superposição de cadastros”, confirma Jarilson. Na capital, não há galerias exclusivas para redes subterrâneas. O subsolo só aparece quando se abre buraco ou cratera. “O exemplo da (avenida) San Martin resume tudo. Apareceu o buraco. Abrimos e tentamos identificar visualmente o que passava por ali”, recorda Bastos, sobre o buraco que interditou a avenida no dia 30 de abril. “Sabíamos que a Embasa também tinha uma rede ali. Inicialmente, estava a 7 m, depois 13 m. Esse tipo de contrainformação nos obriga a cavar e chamar as concessionárias”, continua Bastos.No caso de obras de infraestrutura é a mesma coisa. Como exemplo, a construção da passarela que fica na Madeireira Brotas, ano passado. “Elaboramos o projeto depois de um longo processo de sondagem com a participação de todas as concessionárias. Mesmo assim, estouramos uma tubulação de drenagem. Tivemos que escavar mais para consertar e fazer um desvio”, conta Bastos. PilarO desconhecimento do solo interrompe obras e atrasa sua execução. Isso quando o projeto não tem que ser modificado, o que aumenta os custos. Foi o que aconteceu em um dos pilares do Metrô, na Avenida Bonocô, segundo Bastos. “Ali embaixo passa uma adutora e não se sabia a localização. Aí mudou a obra, mudaram os custos, mudou tudo”, afirma Bastos. Numa obra planejada, até se encontra tempo para “adivinhar” onde estão as redes e fazer sondagens. “Mas imagine no caso de uma obra de emergência, quando há a interrupção de um serviço. Muitas vezes a população não entende”, observa Jarilson. “Teve uma rede elétrica que parou a avenida Tancredo Neves há poucos anos. Uma rede enterrada que foi atingida em uma escavação. Uma rede de fibra óptica da Oi deixou 60 mil residências sem telefone”, lembra Machado.Só existe uma maneira de resolver o problema. Um cadastro único, com dados e localização de todas as redes que passam sob ruas e calçadas. Prefeitura, Crea-BA e especialistas concordam, porém, que estamos distantes disso. “Isso chama-se cadastro multifinalitário. Nos países desenvolvidos as cidades são dotadas de um sistema de controle cadastral das redes”, observa Machado. “Começar do zero é caro. A prefeitura deveria exigir projetos adequados que se integrassem”, afirma. O secretário de Infraestrutura e Defesa Civil (Sindec), Paulo Fontana, disse que esse trabalho será iniciado, mas leva tempo. “É um trabalho para dezenas de décadas, mas tem que ser iniciado”, diz o secretário.
Tubos expostos em cratera aberta no bairro de Cidade Jardim, após chuva em 9 de abril(Foto: Marina Silva/ CORREIO) |
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