Diferente do protesto da última segunda-feira (17), o segundo ato do Movimento Passe Livre foi marcado por confrontos entre policiais e manifestantes. Também foram registrados atos de violência e vandalismo, como aconteceu em outras capitais em dias de jogos da Copa das Confederações, que traz consequências negativas para o movimento.
Em entrevista ao iBahia, o professor e pesquisador de Comunicação e Política da Ufba, Wilson Gomes, analisou a importância do movimento com a proposta do Passe Livre na capital baiana, falou sobre os atos de violência e vandalismo que aconteceram nesta quinta-feira (20) e sobre a diferença em relação ao protesto de segunda-feira. Confira: Portal iBahia - Qual a importância de um movimento com a proposta do Passe Livre em Salvador? Wilson Gomes - Mas você acha que a pauta do MPL [Movimento Passe Livre] é o que mobilizou as pessoas aqui? Bem, o prefeito anunciou esta semana, numa frase cheia de "eu isso, eu aquilo", que não vai permitir aumentos de passagens. E, pelo que eu entendi, embora tenha a meta da “tarifa zero” no transporte público, o gatilho das mobilizações convocadas pelo MPL foi a revogação dos aumentos dados em Porto Alegre, São Paulo e, se não me engano, o Rio. Como em Salvador não houve aumento nem vai haver, acho que não há uma "provocação" real relacionada a preço de passagens para a reação popular. Ademais, já deve ter entrado no calendário turístico de Salvador os fechamentos de rua e as greves anuais relacionadas aos aumentos de tarifas de ônibus... uma coisa tão nossa que nem precisaria ser "importada". Ou será que estão ajustando o nosso calendário de manifestações ao calendário nacional, como o governo sempre quis fazer com o horário de verão? Portal iBahia - Como você explica os atos de violência e vandalismo que acontecem no protesto desta quinta-feira (20)? Qual foi a diferença fundamental em relação ao protesto de segunda-feira (17)? WG - Explico nada, no máximo eu arrisco umas hipóteses. Estes protestos de rua são compostos, no varejo, por pautas extremamente diversificadas, algumas até contraditórias. No atacado, há no ar um descontentamento com o status quo da política e do governo (que afinal, é uma razão genérica para qualquer mobilização de massa) como aglutinador geral. Do ponto de vista dos tipos humanos e políticos que compõem as manifestações, dá-se o mesmo - no varejo há “de um tudo”, inclusive a galera mais pit-bull, que acha que passeata pacífica é procissão religiosa e que em política há que ter “mais fricção”. Tudo depende de qual é a predominância: se da menina da Graça, cartaz de cartolina no alto, onde se lê, em guache verde e amarelo, "Eu saí do Facebook"; se do tiozinho politicamente romântico que acha lindo "o povo ocupando as ruas"; se do manifestante Ferrabrás, combinação de fé política e testosterona, que ruge, picha, invade e quebra, porque "todos os poderes são do povo". De tudo há um pouco, e todos têm o direito de estar lá. Manifestações de massa são homogêneas apenas porque as nossas fantasias políticas se encarregam de dar um jeitinho nos fatos e nas nossas memórias. Na realidade, elas são pura aglutinação de agendas, grupos de interesses e tipos humanos. A diferença com relação a segunda-feira é que aquele primeiro ato foi do tipo mais básico de protesto, que eu chamo de "manifestação de obstrução" - fecha-se uma via pública num horário de pico, cria-se o transtorno para quem precisa se deslocar, com o propósito de se comunicar ao público e às autoridades uma pauta qualquer. Neste caso, o propósito da comunicação política (toda manifestação é uma forma de comunicação política) passa por incomodar e hostilizar, por isso mesmo recolhem tanta antipatia social. Mas o conjunto das manifestações do Brasil já havia passado desse nível desde a quinta anterior, graças à insana reação da polícia de choque de Alckmin já havia se transformado em "manifestação de massa". Este segundo tipo é cercado de amor, compreensão, porque mexe com fantasias do nosso romantismo político: tem a ver com nossas crenças profundas em democracia direta, em autogoverno, em soberania popular, em generosidade coletiva, sonhos de transformação mundo, coisas assim. E chegam a este volume porque é capaz de somar aos hipermobilizados e hiperengajados, que são os manifestantes semi-profissionais, muitas e muitas camadas de outras tribos, agendas e interesses. Os manifestantes de Salvador acharam que podiam dar um passo além, aproveitando a simpatia geral e a agregação que daí resultou de muitos manifestantes não-profissionais. Mas em vez de fazer uma grande marcha pela cidade, para que os meninos de cartazes de cartolina pudessem fazer suas fotos para o Instagram e sustentar pautas sem adversários pela educação ou contra os políticos; em vez de promover um Happening para mostrar volume e oferecer takes para a TV e fotos para os jornais do dia seguinte sobre “a volta do povo baiano às ruas para protestar contra a política”; em vez disso, resolveu apostar em outra agenda de confronto, das 5.467 disponíveis: confrontar a Copa das Confederações e, naturalmente, tudo o que ela representa, que vai desde uma cruel inversão de prioridades nos gastos públicos, até a excessiva intromissão da FIFA na vida de uma cidade orgulhosa. Sabia que o governo teria que reagir a qualquer risco de obstrução dos acessos à Fonte Nova. Os dois atores (manifestantes e governo), em virtude de uma decisão tática dos primeiros, colocaram-se em uma situação de impasse muito precária. Assim que a ponta de lança da galera mais feroz acendeu o pavio, a ponta de lança da bruta polícia baiana reagiu. Se a polícia baiana, em geral, tem pouca compreensão de cidadania e direitos, imagine a tropa de choque, que é uma polícia de confronto. Tudo aconteceu conforme o previsível, para a satisfação do hoolingan de passeata que, enfim, recebeu da polícia o seu batismo de heroísmo e resistência, para o contentamento das autoridades que mostraram que nesta cidade há governo (lembro que isso foi uma pauta das últimas eleições), para o susto e o pavor de todos os outros envolvidos.
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