O zigue-zague que você vai precisar fazer para ler esta reportagem desviando dos buracos nem de longe vai ser tão trabalhoso quanto andar de carro (ou pior, de ônibus, ou caminhão) pelas ruas do Subúrbio Ferroviário. A região que já não era nenhum tapete antes das últimas chuvas, agora está mais pra pista de rali. São buracos de todos os formatos e tamanhos, espalhados por quase todas as ruas do Subúrbio, que causam transtornos e prejuízos para os motoristas que trafegam no local. Que o diga Tiago da Silva Matos, morador de Paripe. "Esse já é o terceiro pneu que troco em um mês", disse, revoltado com as condições do asfalto, o jovem de 26 anos na manhã de ontem, enquanto perdia mais algumas horas numa borracharia na Estrada Velha de Periperi. O estabelecimento fica bem em frente a uma das várias crateras espalhadas pela região. Sorte do proprietário da borracharia, José Alves, que tem seu ganha-pão bem garantido: "Costumo trocar uma média de oito a 10 pneus por dia aqui na borracharia. Todos por causa desses buracos", contabilizou, sorridente, o microempresário. Por pouco, o carro de reportagem da equipe do CORREIO não engrossou as estatísticas e o orçamento de seu José, ao passar em cheio por um dos buracos, que estava escondido atrás de um quebra-mola. Apesar do baque, milagrosamente o pneu saiu ileso do choque. AcidentesPerto dali, na ladeira que dá acesso ao Mirante de Periperi, furar pneu é fichinha perto da gravidade dos acidentes que os moradores relatam que vêm acontecendo por causa da buraqueira. "Batidas aqui têm acontecido com frequência. Tudo porque quem vem subindo tem que desviar dos buracos e acaba batendo de frente com quem desce na mão certa", descreve o borracheiro Adelmário Santos de Jesus. Apesar do relato meio trágico, ele não esconde a felicidade de quem também vem faturando com tanto buraco na área. A situação descrita por Adelmário foi exatamente o que aconteceu há cerca de um mês com o auxiliar de produção Gilliard Pereira, 29 anos. "Eu estava dando socorro à minha filha, que estava doente, e quando cheguei no meio da ladeira bati de frente com um outro carro que vinha subindo e tentou desviar do buraco", contou a vítima, mostrando na testa a cicatriz que o acidente lhe deixou como lembrança. Além de Gilliard, outras três pessoas que estavam no carro ficaram feridas na batida e, segundo ele o Fiat Uno "não prestou mais para nada".
PlataformaComerciante da Estrada Velha do Cabrito, Nadjane Grimalde não tem carro, mas nem por isso deixa de ter prejuízo com os buracos que se estendem por toda a via. "Como aqui vive sempre com água empoçada, fico impossibilitada de expor meus manequins. Se coloco eles do lado de fora, quando os carros passam, caem nos buracos e espirram água com lama em toda mercadoria", lamenta a empreendedora. A pista larga era inicialmente planejada para ser de mão dupla, mas acabou virando mão única. Isso porque um lado da rua está inutilizado pelos buracos. "Para um motorista passar tem que aguardar quem está na sua frente passar primeiro", conta Nadjane. E assim segue toda extensão da pista principal que liga Pirajá à Avenida Suburbana. "Estão pipocando buracos na Estrada Velha do Cabrito. Num deles a gente chegou a colocar um cabo de vassoura há uma semana, para não ter acidentes. Mas o buraco já tem um mês e a prefeitura não faz nada", reclamou o pedreiro Reinaldo Bispo, que mora com a esposa e dois filhos, no bairro. A Sucop, órgão responsável pelos reparos, foi procurada, mas não deu informações precisas sobre possíveis providências (veja acima). "Na porta da minha casa, tem um que já tem quase dois anos. Eu jogo entulho para tapar, mas sempre que chove o buraco aparece de novo", complementou Reinaldo. PerigoOntem de manhã, algumas crianças brincavam nas calçadas à beira da estrada, com a supervisão dos pais. "Meus filhos brincam na rua, mas a gente tem medo que eles sejam atropelados por carros que sobem o passeio para fugir dos buracos", disse. Morador de Plataforma há 25 anos, o segurança Dilton Nascimento diz que sempre que começa a chover os moradores já sabem o que vão enfrentar. "A situação aqui está periclitante. Estava até pior, mas a gente vem jogando entulho em cima", lamenta. Sucop diz que operação não paraEm ponto facultativo por causa do feriado da Proclamação da República, a assessoria da Superintendência de Conservação e Obras Públicas do Salvador (Sucop) conseguiu apenas informar que a operação tapa-buracos acontece ininterruptamente durante o ano inteiro. As excessões, acrescentou, são durante a noite, por causa da Lei do Silêncio, e durante as chuvas, porque o asfalto precisa ser colocado com o solo seco. Quanto ao conserto de apenas algumas ruas da cidade, o órgão tem por prática cuidar primeiro das vias que considera de maior movimento, caso da orla, Paralela e ACM. Na tarde de ontem, quatro funcionários da prefeitura tapavam um buraco na Rua Boquira, em São Cristóvão. A via, nas proximidades do Salvador Norte Shopping, dá acesso ao Fazendão, campo de treinamento do Esporte Clube Bahia. No mesmo bairro, outras dezenas de crateras esperavam sua vez, algumas na mesma via, outras na rua Maria Luiza Alves e mais outras tantas na avenida São Cristóvão, em frente à loja Le Biscuit. Bairros populares sofrem maisVocê sabe qual é a diferença entre a pavimentação da avenida Paralela e a das ruas do Subúrbio? Quem responde é o professor de Urbanismo da União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime), Armando Branco. "Em vias como a avenida Paralela, que considero um projeto muito bem executado, você tem uma camada de 30 centímetros de brita comum e mais 30 de um tipo mais fino. Depois isso é compactado com um material arenoso, para regularizar o solo, e só então é colocado cerca de oito a dez centímetros de asfalto", descreve. Achou complicado? Então não se preocupe, porque a próxima explicação é bem mais fácil. "Nos bairros populares, normalmente eles colocam 3 ou 4 centímetros de asfalto em cima do barro mesmo, sem nenhum serviço de drenagem nem nada", afirma o especialista. A diferença no tratamento, segundo o professor, é calculada pelo número de veículos que trafegam em cada via. "Um maior volume de tráfego tem uma camada maior de pavimentação", destaca, para criticar em seguida. "Mas em toda rua passa carro e caminhão. Não tem jeito". Branco acrescenta ainda que, apesar de não percebermos, o asfalto se movimenta quando os veículos passam. "E se não estiver firme, acaba cedendo", alerta. Além da má qualidade da pavimentação, ele enumera outros vilões da buraqueira em Salvador: "O óleo diesel que vaza dos ônibus e caminhões é altamente corrosivo para a pavimentação. Mas isso só é percebido quando chove, porque a água penetra no asfalto que já está desagregado por conta do óleo e abre os buracos. Aí os veículos ainda passam por cima e piora a situação", descreve. Quanto ao vazamento de óleo diesel, opina, a prefeitura tem pouco a fazer. "A única solução é aumentar a fiscalização no licenciamento de caminhões e ônibus". Orla, ACM e Paralela estão melhores; Imbuí nãoEnquanto em muitos lugares do Subúrbio o asfalto parece um ralador, na orla a coisa é um pouco diferente. Pelo menos no trecho Barra - Itapuã dá para transitar com certa tranquilidade, pois os buracos são raros. As avenidas ACM e Paralela estão lisinhas e parte da Dorival Caymmi, em Itapuã, e da Jorge Amado, no Imbuí também. Parte, porque, não se sabe como, algumas crateras no asfalto passaram despercebidas pelas equipes da Superintendência de Conservação e Obras Públicas (Sucop). Foi o caso de dois buracos gêmeos, no início da Jorge Amado. "Isso já tem uns dois meses e ninguém conserta, toda hora cai carro aí", conta Clenice Chagas de Jesus, comerciante do local. Já na Dorival, a pista começa a piorar à medida que vai se aproximando de São Cristóvão, onde há muitas falhas no asfalto. Mas se você arrumou um jipão e quer sentir a emoção de se fazer uma trilha, pode ir dar um rolé na avenida Pinto de Aguiar, em Patamares. Apesar de a via não ter atualmente nenhum buraco grande que ameace o seu pneu, o asfalto irregular e cheio de falhas confere à pista a emocionante impressão de se estar transitando numa estrada de terra .
Com as chuvas dos últimos dias os buracos se multiplicaram por toda Salvador |
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