A frase do empresário de automóveis Henry Ford (1863-1947) de que “clientes podem escolher qualquer cor, desde que seja preto” ganha uma adaptação etílica em Salvador. O “preto” da vez são as cervejarias que para conquistar o mercado consumidor baiano têm optado por estratégias de monopolização de espaços públicos. É o caso do Mercado do Rio Vermelho (Ceasinha) que teve as chaves entregues, anteontem, aos permissionários (oficialmente, o local só funciona a partir do próximo mês).
Com a reforma, o espaço passa a ter 139 boxes comerciais e terá autorização para vender apenas um tipo de cerveja: Itaipava. Segundo o vice-presidente da Associação de Permissionários da Ceasinha, João dos Santos, a Itaipava assumiu um valor que seria cobrado aos comerciantes para utilização do mercado e por isso ganhou o direito de exclusividade nas vendas.
De acordo com ele, após a reforma, os permissionários teriam que pagar uma taxa de instalação de R$ 1.100 por m² de cada boxe, o que inviabilizaria a permanência de quase todos os permissionários. “No caso do meu boxe específico, que tem 22 m², o valor ultrapassaria R$ 24 mil. Eu, com certeza, não teria condições de pagar com esse valor”, disse João, que tem uma peixaria no local. “A Itaipava assumiu esse custo para todos os beneficiários”, completou. Segundo cálculos da associação, 19 espaços, entre bares e lanchonetes, comercializam cervejas na Ceasinha. Após o acordo com a cervejaria e governo do estado, responsável pelo local, os feirantes pagarão apenas pelo aluguel a R$ 30 por m² e condomínio a R$ 80 por m².
Fidelidade
Decano no mercado, Edson Alípio de Lima, conhecido como Edinho, ou “Sócio”, acredita que a mudança de marca não afastará os fregueses. “Tudo é a maneira como você vai servir a bebida. O segredo é que ela esteja bem gelada”, confidenciou ele, que já está no local há 39 anos. “As pessoas tendem a se acostumar com o novo e, além do mais, foi benefício para gente porque ficamos livre da taxa”, justificou. Edinho vendia todas as marcas de cerveja no local. “Já comecei a explicar aos clientes essa mudança. Alguns não gostam, mas explico o contexto para que eles entendam”, completou.
Outros espaços tradicionais da Ceasinha podem ter uma perda maior. Caso do Boxe do Alemão, que vendia apenas Heineken para acompanhar o tradicional sanduíche de salsichão com chucrute, típico da culinária germânica e referência no local. Já o Le Petit, que disponibilizava aos clientes diversas marcas de cervejas importadas terá que se adaptar ao novo modelo de comercialização.
Frequentador diário da Ceasinha, o empresário Elmo Sampaio se mostrou surpreso com a nova determinação. “Faz parte da minha rotina: venho aqui, peço almoço para levar para casa e enquanto espero, tomo uma Heineken. Agora vou ter que trazer no bolso”, disse. “Quem gosta de uma cerveja diferenciada se sente cerceado porque essa é minha primeira opção de bebida. Em casa, eu tenho um barril de cinco litros de chope Heineken”, revelou. “É como comparar um vinho italiano com um Sangue de Boi”, exemplificou.
Expansão De acordo com a Itaipava, ações como essa têm o intuito de expandir a marca em todo país. “Na Bahia, especificamente, estado nordestino com maior consumo de cerveja, depois da inauguração da fábrica em novembro de 2013, na cidade de Alagoinhas, o objetivo é crescer ainda mais ”, explicou o diretor de mercado do Grupo Petrópolis, que comercializa a Itaipava, Douglas Costa. Atualmente, segundo a empresa, a Itaipava tem participação de 6,73% no mercado de Salvador. O número era de 0,71% antes da inauguração da unidade produtora na Bahia.Depois de reinaugurada, a Fonte Nova ganhou uma alcunha: Itaipava Arena Fonte Nova. O motivo: venda exclusiva dos produtos da marca no estádio – exceto durante o período da Copa do Mundo, em que será comercializada Budweiser, cerveja oficial do evento. Para vender a cerveja e ainda ostentar a marca no nome do estádio, a empresa vai ter que tirar do bolso R$ 100 milhões nos próximos dez anos, o que equivale a R$ 10 milhões ao ano, referente a naming rights, que permite acrescentar Itaipava ao nome da Arena. Em 2010, a reforma do Mercado do Peixe, no Rio Vermelho, também foi resultado de uma parceria público-privada (PPP) com a cervejaria Nova Schin, da Brasil Kirin, que detém o monopólio do comércio de cerveja no local. O contrato foi firmado durante dez anos. Comerciante no local, Meire Souza, do Boteco Salvador, afirma que considera justa a “imposição da marca”. “Eles fazem a reforma, dão mesas, cadeiras e freezer então não seria correto utilizar outra marca”, apontou ela, fiel consumidora da cerveja. “Eu gosto de Schin. É uma cerveja muito boa. O problema é que tem muita gente que bebe pelo rótulo, mas se você colocar no copo nem vai saber qual é a diferença”, brincou. A mesma teoria é defendida pela garçonete Márcia Araújo. “Eu acabei me adaptando à Nova Schin de tanto a gente encontrar, e agora só tomo ela. Não faço questão de nenhuma outra”, assumiu. No Carnaval desse ano, duas cervejarias assumiram asprincipais cotas de patrocínio da festa. A Itaipava e Nova Schin desembolsaram R$ 10 milhões cada para a folia. Em compensação ganharam exclusividade na venda dos seus produtos nos circuitos. Na Barra (Dodô), apenas Itaipava podia ser consumida e, na Avenida (Osmar) e Carnaval nos bairros, somente Nova Schin. Para 2015, segundo o diretor regional do Brasil Kirin para Bahia, Aurélio Leiro, a intenção é que a Schin também patrocine a festa. “Acreditamos em uma parceria de longo prazo”, disse. No caso da Itaipava, a empresa disse que a renovação do patrocínio ainda está sendo estudada. Preterida do Carnaval destse ano, a gerente de Marketing da Ambev, Gabriela Esper, afirmou que “já existe uma relação de mais de 40 anos com o Carnaval da Bahia e tudo que foi feito em Salvador foi decorrente desse período de aproximação com o povo baiano”, afirmou. Consumidores criam estratégias para beber sua marca favoritaSe no âmbito mercadológico, as parcerias com as empresas de cerveja são importantes, a equação para quem bebe a loirinha, não é tão vantajosa assim. Caso do pintor Carlos Alberto Pereira. Este ano, ele conta que chegou a voltar mais cedo para casa no Carnaval por conta da dificuldade de encontrar sua cerveja favorita no circuito Osmar. “Eu bebo apenas Skol e tinha que sair o tempo inteiro do circuito pra comprar minha cerveja”, lembra. “Como estratégia usava um saco grande com gelo, enchia de latinha e levava para o circuito”, conta. “Acho que tiveram umas mudanças boas no Carnaval, mas nesse aspecto não foi legal”, pontua.Amigos há 12 anos, Fernanda Félix e Arthur Daltro, cada um com sua preferência de cerveja, criaram uma metodologia própria para convivência etílica. Bebedora oficial de Antártica, a produtora cultural justifica sua preferência. “Ela é mais amarga que uma Skol ou Itaipava, e tem um gosto tipicamente brasileiro, que não é muito forte”, detalha. No caso do advogado, sua favorita é a Brahma. “Acho que é a cerveja mais saborosa entre as ditas comerciais. Tem mais teor alcoólico, é encorpada e amarga na medida certa”, teoriza.A monogamia dos amigos à marca favorita chega a extremos. “Em festas particulares, por diversas vezes, já cumprimentei o anfitrião, fiquei um tempo e fui embora sem beber”, conta Arthur. “Rola com muita frequência estar em um local que não venda Antártica, então, quando não tem jeito peço um gim com tônica ou Marguerita”, conta Fernanda. No Carnaval desse ano, Fernanda conseguiu driblar a imposição porque mora perto do circuito Dodô. “Faço meu estoque de Antártica e todos os meus amigos que frequentam minha casa sabem dessa regra”, conta. Para Arthur, o fato da sua cerveja favorita ter sido preterida da festa foi um “duro golpe”. “Foi como separar duas paixões: a festa predileta da cerveja predileta”, explica. Baianos são os que mais combinam cerveja com pratos brasileirosO Ibope Inteligência (unidade de negócios do Grupo Ibobe) divulgou este mês uma pesquisa mostrando que 69% dos baianos apontam a cerveja como a bebida que melhor harmoniza com as receitas tipicamente brasileiras. No âmbito nacional, o percentual de pessoas que preferem a bebida é de 45%, à frente dos refrigerantes (28%), de vinho (5%) e suco de fruta (5%).Depois da Bahia, os estados que apontam a cerveja como melhor acompanhamento de pratos típicos são o Rio de Janeiro (com 48%), Minas Gerais (46%) e São Paulo (46%). O estudo foi encomendado pela Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), formada pelas fabricantes Ambev, Brasil Kirin, Grupo Petrópolis e Heineken, responsáveis por cerca de 96% de toda a produção de cerveja no mercado nacional.
Foram ouvidos 1.958 homens e mulheres de 18 anos ou mais, das classes A, B, C, D e E de todas as capitais do país, entre 7 e 11 de novembro do ano passado. A margem de erro do estudo é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, para a leitura do resultado nacional.classes sociais Entre as classes sociais, o destaque vai para as de maior poder financeiro, as A e B, nas quais 49% dos entrevistados apontam a cerveja como ideal para acompanhar os pratos de nossa culinária. A classe C vem logo em seguida, com 44%. Entre os integrantes das classes D e E, 41% mencionam a bebida.Homens registram número ligeiramente superior ao das mulheres nesse tipo de indicação. Entre os entrevistados do sexo masculino, 49% destacam a cerveja como a melhor bebida para acompanhar as comidas típicas do país, ao passo que as entrevistadas respondem por 42% das menções à cerveja.Matéria original: Correio Cervejarias ‘compram’ espaço público para aumentar vendas
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