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SALVADOR

Centro recebe 300 mil euros do Vaticano

Papa Francisco atende a pedido feito ao antecessor, Bento XVI, e envia quase R$ 1 milhão para centro que cuida dos filhos dos presidiários na Bahia

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25/12/2013 às 12:40 • Atualizada em 30/08/2022 às 10:53 - há XX semanas
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Já faz dois meses que João*, 13 anos, não fala com a mãe. O último contato foi no dia de seu aniversário. Hoje, ela está internada em uma clínica de reabilitação para usuários de drogas. Mas o convívio diário de João com a mãe foi interrompido há nove anos, quando ela foi presa e o garoto foi para o Centro Nova Semente, em Mata Escura.Junto com outras 29 crianças, ele vive no espaço mantido pela Arquidiocese de Salvador que abriga filhos de presidiários ou ex-detentos da Penitenciária Lemos Brito, por meio da Pastoral Carcerária. Em breve, o Nova Semente deve acolher mais crianças. Em novembro, a instituição recebeu uma doação direto do Vaticano.

Cercada pelas crianças que abriga, irmã Adele Pezzoni dedica todo seu tempo ao Nova Semente

O papa Francisco enviou 300 mil euros, quase R$ 1 milhão, que deverão ser utilizados para ampliação e melhoria na infraestrutura do espaço. “Essa oferta vai para a construção de uma nova casa, porque todos juntos não podem ficar. As crianças pequenas precisam de uma atenção particular”, explica irmã Adele Pezzoni, diretora do centro. As doações do Vaticano acontecem permanentemente para dioceses espalhadas por todo o mundo. “Agora chegou a vez de Salvador receber”, explica o padre Manoel Filho, da Arquidiocese da capital baiana. O recurso seria destinado para a construção de uma nova instituição de caridade. Mas o arcebispo primaz do Brasil, dom Murilo Krieger, e o cardeal Geraldo Majella pediram a Bento XVI, que estava no pontificado à época do acerto da doação, que a verba fosse destinada ao Centro Nova Semente. “Não bastava construir, precisaria ter toda uma estrutura para funcionar, o que poderia ser inviável”, explica padre Manoel Filho. Dom Murilo Krieger ressalta que o Nova Semente desenvolve um trabalho que merece apoio. “O centro atende a um dos grupos mais desprotegidos e fragilizados da sociedade, as crianças que não podem contar com a presença do pai e, especialmente, da mãe, ao seu lado. É quando elas mais necessitam de atenção”. Obras Com a verba, será erguido um anexo com oito apartamentos para os jovens que cresceram no centro e que ainda não têm condições de se estabelecer em uma nova família. Além disso, uma nova sede da Pastoral Carcerária será implantada na área. Também devem ser construídos um salão multiuso, uma quadra de esportes e um auditório. Segundo o padre Manoel, os arquitetos da Arquidiocese já estão realizando estudos para projetar os anexos. “A nossa perspectiva é que as obras comecem em breve, para que possamos dar melhores condições aos nossos jovens”. Irmã Adele conta que, no ano passado, o centro chegou a abrigar 40 crianças, mas a estrutura não suportou. “As exigências atuais da 1ª Vara da Infância e da Promotoria são muitas, então, para ser perfeito, o que importa é qualidade e não a quantidade. Eu preferi, em alguns casos, pagar o aluguel de uma casa para as famílias das crianças”, explica.

Irmã Adele diz que, no início, não esperava cuidar de tantas crianças

O Nova Semente fica ao lado do presídio para manter uma proximidade com os pais. “Como membro da Pastoral Carcerária, as mães me conheciam e nós prometemos que tomaríamos conta das crianças e que, no final da pena, elas seriam devolvidas. Mas eu não sabia como ia ser. Pensava em acolher quatro ou cinco crianças, mas os casos vieram, um após o outro”, diz Adele Pezzoni. O irmão de João, Marcos*, de 9 anos, e outras duas irmãs, mais novas, que nasceram no presídio, também estão no Nova Semente. Extrovertido, João lembra que chegou ao centro com 6 anos e lá aprendeu a ler e escrever e começou a gostar de futebol. “O que eu mais gosto na escola é educação física”, diz, animado. Apesar de não saber onde está a mãe e de ter apenas os irmãos como parentes mais próximos, ele diz que gosta de morar no centro. “Gosto sim, é legal ficar aqui”. O centro é mantido pela Arquidiocese de Salvador desde 1999, quando a Vara da Infância proibiu que as crianças fossem mantidas com os pais no presídio durante o cumprimento das penas. Estrutura Atualmente, o Nova Semente conta com dormitórios, quartos, suítes, berçário, sala de recreação, refeitório, recepção. Além disso, tem parque, bicicletas, skates e patinetes para as crianças. Junto com irmã Adele, atuam mais 14 profissionais, psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, pediatra e fonoaudióloga. Alguns voluntários também colaboram, principalmente nos finais de semana. “Eu saio com minha madrinha, ela me leva para o cinema, para o parque. É muito legal”, conta João. Essa é uma das contribuições que mais interessam aos gestores do Centro Nova Semente. “As pessoas têm a oportunidade de fazer tudo com as crianças, atividades recreativas. Eles gostam muito de sair sábado e domingo para passear com famílias. É o desejo que eles têm dentro si”, conclui irmã Adele. *nomes fictícios Última grande doação do Vaticano havia sido em 1991 Antes dessa doação para o Nova Semente, a última grande doação que a Bahia recebeu do Vaticano foi em 1991, quando o papa João Paulo II visitou o Brasil. O padre Manoel Filho conta que o pontífice havia recebido o Prêmio Artesão da Paz, no Vaticano, e doou todo o dinheiro, US$ 180 mil, à Arquidiocese de Salvador. Com a verba, foi criada a Associação das Comunidades Paroquiais de Mata Escura e Calabetão (Acopamec), no bairro da Mata Escura, com o intuito de promover atividades para crianças e evitar que elas fossem expostas a situações de risco. “João Paulo II era muito preocupado com essa questão da prostituição infantil, e por isso ele doou todo o dinheiro às crianças da Bahia”, lembra Manoel Filho. As crianças já eram atendidas pela Pastoral da Criança na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, mas com o recurso foi possível ampliar o projeto. Hoje a associação conta com biblioteca, teatro, aulas de dança, dramaturgia, capoeira, cursos profissionalizantes, casas- lares, creches e escolas. Segundo a Arquidiocese, desde que foi criada, mais de 25 mil crianças já foram atendidas na Acopamec. Outras doações do Vaticano também são destinadas a obras de caridade em Salvador, coordenadas pelas pastorais católicas. “A Igreja da Europa ajuda muito as Igrejas no Terceiro Mundo”, ressalta o padre Manoel Filho. A Paróquia dos Alagados é outro legado do pontificado de João Paulo II. A paróquia foi fundada em 1980, em outra visita do papa ao Brasil. A igreja fica em uma colina no bairro do Uruguai. Hoje, a instituição desenvolve diversas atividades para a comunidade da região, como reforço escolar e também cursos de formação profissional para as mães que moram na comunidade. As pessoas interessadas podem escolher entre os cursos de culinária, beleza e corte e costura. Crianças têm rotina de um lar e realizam atividades fora do centro Jéssica*, de 11 anos, chegou ao Nova Semente aos 8. Ela não gosta muito de falar sobre os pais e prefere contar sobre a sua rotina. “Aqui, a gente brinca, vai para a escola. Eu também faço ginástica fora daqui”, diz a garota. As atividades extras são uma maneira de interagir com o mundo, diz a irmã Adele. “Os meninos escolhem música, futebol, capoeira, informática, estética, e o que ele sente vontade de fazer, ele faz. Todas as atividades são desenvolvidas fora. Tem que sair. Fazer tudo aqui dentro massacra. Tem que sair e enfrentar a chuva, o vento. É mais uma inserção na sociedade”, diz. No centro, a rotina é de uma casa como qualquer outra. As crianças aprendem a cuidar de seus bens e ajudam nas tarefas domésticas, como limpar os quartos e arrumar suas camas. E assim, como numa família estruturada, quem cumpre tudo direito é premiado.

Além do Parque infantil, centro oferece bicicletas, skates e patinetes

Quem é negligente acaba recebendo uma ‘sentença’. “Como prêmio, eles têm passeios, cinema, o que eles amam mais. Se é negligente na escola ou nas tarefas, tem a sentença, que é um castigo normal, deixar de fazer algo, nada de grave”, explica Adele Pezzoni. Manoel*, 9 anos, sonha em ser jogador de futebol, por isso não hesitou em pedir para fazer aulas de futsal nas horas livres. “Gosto muito de jogar bola, é muito legal, porque tem outras crianças também, faço novos amigos”, conta o menino que chegou ao Nova Semente com 3 anos. Um dos traços do centro para a formação em família é a presença marcante da religião. “Todo homem é de alma, corpo e social. Tentamos passar isso para as crianças, formar cidadãos e que se importem com a religião”, diz irmã Adele. E essa formação religiosa já vem mudando a vida de Pedro, de 8 anos. Ele diz que gosta muito do que ouve dos padres durante a missa e, baseado nisso, decidiu o que quer fazer da vida. “Eu quero ser padre”, afirma. Pedro tem quatro irmãos, mas não sabe onde eles estão. Muito menos a mãe. “Tem muito tempo que não falo com ela, não sei onde ela está, mas aqui eu tenho amigos e me sinto bem”. E esses vínculos construídos no Nova Semente perduram depois que as crianças deixam o Centro, segundo irmã Adele. “A maioria dos que saíram, nós temos algum contato. Tem um na Espanha, outro na França, que sempre nos ligam, dizem que sentem saudades. Os que estão em Salvador às vezes aparecem e tem um em Feira de Santana que sempre vem visitar”. Matéria original: Correio 24h Centro que abriga filhos de detentos recebe 300 mil euros do Vaticano

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