"É com imenso prazer que convidamos você para tomar um café em nossa casa, entre nossos sapos e orquídeas. Venha passar um dia conosco. Estaremos aqui, te esperando. Saudações, Jorge Amado e Zélia Gattai". Parece loucura? Não, não é. Ainda este ano, isso vai ser possível. No segundo semestre, a casa onde o casal de escritores viveu por 47 anos, lá no número 33 da Rua Alagoinhas, no Rio Vermelho, já terá se transformado no memorial que homenageia a família, a Casa do Rio Vermelho. E sem feitiçaria, mas com muita tecnologia, até eles vão estar lá para te receber. "Esse museu não vai ficar atrás do museu de Pablo Neruda (no Chile) ou da Casa de Anne Frank (na Holanda) nem de outros grandes memoriais pelo mundo", garantiu o secretário municipal de Desenvolvimento, Turismo e Cultura, Guilherme Bellintani. A ideia é que o visitante tenha um gostinho do que era a casa dos Amado, com direito a uma viagem pela obra de Jorge.
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O quarto onde Jorge Amado e Zélia Gattai dormiam continua exatamente como eles deixaram. Os móveis foram construídos em alvenaria, assim como o da maioria dos cômodos da casa - como detalhe para os azulejos feitos por Carybé. |
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Quando o memorial for inaugurado, o visitante vai ver uma projeção de como era o quarto, quando o casal vivia lá. Além disso, uma projeção alternada com desenhos vai fazer referência aos amores nas obras de Jorge Amado. |
"O museu, na verdade, vai ser a casa original, com os móveis e objetos originais, somados a um amplo trabalho de pesquisa sobre a vida de Jorge e de Zélia", explica Bellintani. A casa foi cedida à prefeitura, no início do ano, e vai continuar assim por dez anos. Desde então, o imóvel passa por reformas, antes de começar a receber o acervo do memorial. Mas de acordo com o secretário, essa fase deve ser finalizada até o final de julho. Embora no mês passado a prefeitura tenha informado que a casa seria inaugurada em agosto, desta vez Bellintani preferiu não especificar quando o museu será inaugurado. "A reforma é uma obra de cirurgias na casa, para resolver problemas de infiltração e infraestrutura. Estamos revendo a parte elétrica, hidráulica e de acessibilidade".
ESPAÇOS Ao todo, serão 14 espaços temáticos, nos cômodos originais do imóvel, segundo o projeto idealizado pelo arquiteto Gringo Cardia, que participou da reforma do Museu Internacional da Cruz Vermelha, em Genebra, na Suíça, no ano passado. Cada um dos espaços faz referência ao uso que tinha quando a família morava lá. "Não é um espaço que ganhou um tema qualquer. Buscamos temas que tivessem uma relação com a história", diz o secretário.
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Uma parte a cozinha do imóvel vai recriar a cozinha da personagem Dona Flor. O visitante vai assistir ao preparo das delícias da ficção de Jorge, na televisão, e até sentir o cheiro da canela e dos bolos que forem preparados por lá. |
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No cômodo onde antes ficava o closet de Jorge e Zélia, vai dar até para encontrar os dois - e entrar na intimidade do casal. Através de uma projeção em dois espelhos, serão recriadas as conversas do escritor e sua companheira. |
É o caso da sala que será chamada de A infância de Jorge/Memórias de dona Lalú. Lá, ficava o quarto onde os netos do casal dormiam, quando iam visitá-los, além de ter sido o quarto da mãe dele, dona Lalú, que morreu em 1972. "Depois que ela morreu, virou o netário, como eles chamavam", lembra a neta do escritor, Maria João Amado, que também participa do projeto. Nesse quarto ficará um espaço com projeções na parede e uma maquete do vilarejo onde Jorge cresceu, em Ilhéus. Em meio a cada cômodo, os visitantes terão acesso a um acervo de seis mil peças – incluindo itens de arte popular, roupas, discos de vinil, livros e até a coleção imensurável de sapos de cerâmica do casal. "Temos um leque amplo de opções. Vamos focar, de tempos em tempos, numa exposição, além da permanente. Podemos fazer uma exposição só das roupas, só dos sapos, por exemplo", diz Maria João Amado, que tem feito a seleção do acervo. No cômodo que homenageia Zélia, por exemplo, estarão à mostra vestidos e objetos dela, como a máquina de costura da artista. Em todos os ambientes do museu, o visitante também vai assistir a vídeos e escutar áudios com informações sobre a vida e a obra de Jorge. "A pessoa pode ficar 5, 10, 15 minutos em cada lugar, ouvindo e assistindo. Temos 19 vídeos que foram feitos especialmente para a casa, com entrevistas e pequenos documentários", adianta Bellintani. Além disso, vai ter até uma espécie de cinema, que é a sala As Criaturas de Jorge Amado. Mas nenhuma tela de touchscreen provavelmente superará o ambiente de Trocando Cartas como Comunista Jorge Amado.
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Na varanda da casa será exposto o acervo de arte popular do casal. "Além disso, vai ter uma bancada de livros, não só de Jorge, mas que falem sobre a Bahia. As pessoas poderão sentar e ler", adianta o secretário Guilherme Bellintani. |
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Ao lado da biblioteca do escritor, deve ficar um cinema. Esse é o cômodo que mais deve mudar, já que, no local, havia um banheiro e um quarto de hóspedes. No total, 19 vídeos sobre a obra de Jorge foram produzidos para o memorial. |
O local onde antes era o closet do casal, e que também já foi o quarto da filha Paloma Amado, vai continuar com os armários e as gavetas originais. "Essas gavetas vão ficar fechadas, mas cada uma delas vai ter algo para os visitantes. Quando eles abrirem, podem encontrar uma carta ou uma coleção de óculos, por exemplo", conta o secretário.
BATE-PAPO Daí, basta dar mais alguns passos dentro da mesma sala para a maior surpresa. Zélia e Jorge estarão lá, conversando - e você vai poder dar aquela espiadinha na intimidade do casal. "Atrás dos dois espelhos (que ficam um de frente para o outro) vai ficar uma televisão por trás, com a imagem dos dois", diz Maria João. Tudo isso vai ser possível porque, no acervo, também há muitos áudios de Jorge e Zélia que serão usados para compor os diálogos. "É quase como se eles estivessem perguntando uma coisa ao outro e respondendo. É uma conversa que faz sentido", explica Bellintani.
VARANDA E JARDIM Ao sair do lugar onde já foi o closet, o visitante vai precisar de atenção redobrada - pelo menos, se ele tiver fobia de sapos. Onde era a piscina, ficará uma espécie de casa dos anfíbios."Vai ser um ranário, com rãs e sapos de verdade, porque meu avô adorava sapos", diz Maria João. No jardim, serão construídos gazebos. Mas no meio de tanto verde, para fechar o passeio com chave de ouro, não deixe de passar no lugar onde ficam as cinzas do casal, entre dois mosaicos de azulejo.
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Hoje, a piscina da casa está vazia e tem servido até para guardar os tijolos usados na construção - a ideia, inclusive, é manter os tijolos da construção original. Por conta das obras, a maioria dos sapos de cerâmica de Jorge foi retirada. |
"Vamos colocar uma escultura de Oscar Niemeyer, que minha avó pediu depois que meu avô morreu. Ela nunca quis nada fúnebre, então, ele fez uma flor vermelha, que também parece uma pomba", conta Maria João. Quando o museu for aberto, será cobrada uma taxa de entrada, provavelmente, no valor de R$ 20.
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Quando o memorial ficar pronto, além dos sapos de cerâmica da coleção original, também vão ficar por lá bichinhos reais: o projeto prevê a construção de um ranário - um criatório de sapos e rãs de verdade. |