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SALVADOR

Caps criado para funcionar 24 horas está em situação precária

Em Salvador, usuários de álcool e outras drogas que precisem de internamento gratuito não vão achar. A unidade inaugurada para funcionar 24 horas e ser referência em tratamento só abre pela manhã

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23/04/2012 às 8:27 • Atualizada em 29/08/2022 às 9:19 - há XX semanas
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Inaugurado com pompas em 2010, o Centro de Atenção Psicossocial Gey Espinheira (Caps AD III), em Campinas de Pirajá, prometia ser o mais avançado centro de tratamento de usuários de álcool e outras drogas de Salvador. Menos de dois anos depois, a unidade planejada para atender 24 horas funciona de forma precária. O Caps que, segundo funcionários, trata 279 usuários regulares, só funciona pela manhã, não consegue dar conta da alta demanda e sofre com a falta de equipes. Pior: sem a Guarda Municipal ou a PM para fazer a segurança, tem sido alvo também de arrombamentos, invasões e roubos. O Gey Espinheira, que tinha a missão de receber apenas crianças e adolescentes, foi projetado para ser a única unidade que, além do serviço médico-ambulatorial e de oficinas, oferecesse internamento. Como não funciona 24 horas, Salvador está sem o serviço de internamento. O próprio homem escalado para coordenar a unidade não suportou mais trabalhar nas condições oferecidas. O psicólogo João Martins, que administrava o Gey Espinheira desde que foi criado, em agosto de 2010, garante que atingiu o seu limite. Cansado de não contar com apoio para realizar sua função, pediu demissão no dia 29 de março. João Martins aponta diversos problemas, principalmente estruturais, que o fizeram tomar a decisão de sair. Ele diz que, apesar de feita para funcionar 24 horas, a unidade só respeitou esse princípio por dois ou três meses. “Mas aí não existia um local para lavar os lençóis e roupas dos pacientes. A alimentação também ficou suspensa por um bom tempo. Tivemos que parar de funcionar à noite”, conta. Era só o início das dificuldades. Em novembro passado, a Guarda Municipal deixou de atuar no local. Desde então, já foram registrados seis arrombamentos. O único meio de comunicação funcional da unidade, um celular com 200 minutos de ligações por mês, foi roubado. “Não tínhamos sequer telefone fixo. Como fazer uma ligação para encaminhar um paciente?”, questiona Martins. Segundo ele, havia também um ajuste de carga elétrica do prédio que levou seis meses para ser feito. O único carro disponível recebe apenas 35 litros de gasolina para rodar a semana inteira. “Como fazer as buscas ativas e visitas domiciliares?”. Não é só o coordenador, mas os próprios pacientes e seus familiares que denunciam as consequências da falta de estrutura. Eles afirmam que, no Caps Pirajá, praticamente não há mais a realização de oficinas, palestras ou quaisquer outras atividades. “Nesse momento, só venho aqui buscar medicamentos”, revela Francisco de Assis dos Santos, pai de um usuário de crack. UsuáriosO filho de seu Assis, que tinha 8 meses de tratamento, chegou a dar aulas de boxe para os outros pacientes. “Os funcionários são nota 10, mas a estrutura está precária. Quando meu filho entra em crise é difícil. Se precisar internar, não tenho onde”. Até os funcionários começaram a deixar a unidade. Eram 67 e agora são 45. Os que ficaram escreveram uma carta aberta denunciando a situação. Em oito tópicos, apontam problemas como falta de segurança e recursos, péssimas condições de trabalho e alta demanda de pacientes.
Caps criado para funcionar 24 horas está em situação precária|
“Seguimos atendendo de forma ética aos usuários por acreditarmos na relevância social do trabalho. Mas tem se tornado cada vez mais insustentável”, diz a carta. “Minha equipe era altamente comprometida”, confirma Martins. Para evitar que a unidade piore, membros de diversos setores da sociedade criaram um grupo de apoio ao Gey Espinheira, que tem se reunido para discutir soluções. Para o psiquiatra Antônio Nery Filho, do Cetad, não se trata de problema de demanda ou capacidade das unidades. “Vivemos uma grande crise na saúde municipal. Falta principalmente infraestrutura material”, conclui. Rede precisa evoluirNão há uma estimativa da quantidade de viciados em álcool e outras drogas em Salvador. Por isso, é impossível ter uma ideia de quantos precisam de tratamento. Mas, uma coisa é certa: o número de Caps AD não consegue dar conta da demanda. Pensados para atuar em territórios específicos, os Caps de álcool e drogas deveriam atender as comunidades próximas à sua sede. Hoje, há apenas três unidades AD em toda Salvador. Duas do tipo II (sem internamento) e uma do tipo III (com internamento - que não funciona). “Uma cidade como Salvador precisaria hoje de mais três Caps tipo II e mais dois Caps tipo III”, diz o psiquiatra e professor da Ufba Antônio Nery Filho, que aponta, inclusive, as áreas mais carentes. “Colocaria no Subúrbio, em Itapuã, na Cidade Baixa e em Cajazeiras”. Segundo Nery, cada Caps pode lidar com uma população de 300 mil pessoas e, bem estruturado, pode atender mais de 500 pacientes ao mês. Mas, apenas aumentar o número de unidades não resolve o problema, dizem os especialistas. A ideia é de que o atendimento a portadores de transtornos mentais (incluindo usuários de álcool e outras drogas) deve ser feito em rede. Ou seja, o bom funcionamento dos Caps depende de outros serviços, como a disponibilidade de leitos de emergência em hospitais gerais, atendimentos ambulatoriais na atenção básica (postos de saúde) e atendimento do Samu para pacientes em crise. “A atenção básica precisa atender esses pacientes. Tem que abrir Caps e melhorar a rede”, afirma Antônio Nery. Pacientes migram para atendimento no Caps do Centro HistóricoCom o Caps Gey Espinheira funcionando de forma precária, novos pacientes não são admitidos. Esses já começam a ser encaminhados para o Caps Gregório de Mattos, que funciona na antiga Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus. A unidade, inaugurada em fevereiro, absorve principalmente a população de rua do Centro Histórico. “Recebemos pacientes de diversos outros locais e não vamos recusar os de Pirajá”, diz o coordenador da unidade, o psicanalista Tarcísio Andrade. Assim, o Gregório de Mattos bate recordes de atendimento. Se a meta inicial prevista era atender 197 pacientes no mês de março, o número chegou a 537. Apesar da demanda, o Gregório de Mattos consegue realizar um bom trabalho, diz o coordenador. Segundo ele, os recursos, da ordem de R$ 193 mil mensais, têm sido suficientes. “Posso dizer que começamos bem”, garantiu. A equipe de trabalho, com médicos clínicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e agentes de saúde, é considerada satisfatória. Mas há problemas na implementação de alguns serviços. Pacientes reclamam, por exemplo, da falta de alimentação, de escassez de água e da demora do início das aulas de alfabetização. “A gente não tem almoço e é muita gente para tomar banho. Falta água. Algumas atividades também não funcionam”, reclama uma paciente, de 39 anos, que diz usar crack há mais de 18. De acordo com funcionários da unidade, todos esses problemas estão relacionados com questões burocráticas de liberação de verbas em um serviço iniciado há apenas dois meses. “O orçamento da alimentação já foi liberado e está em fase de licitação. Nossos problemas não são de financiamento, mas de implementação dos serviços”, afirma o psicólogo Rogério Barros. “Vamos começar a alfabetização a partir de terça-feira (amanhã)”, emenda o agente de saúde Benimário Silva. Por se tratar de um Caps docente, ou seja, que capacita estudantes, o Gregório de Mattos é gerido pelo governo do estado e não pela prefeitura. A unidade é um dos projetos da chamada Aliança Para Redução de Danos da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Já o Caps II de Pernambués é o mais antigo. Criado em 2005, funciona 12 horas por dia. Tem problemas estruturais, mas, no geral, agrada. “Não tenho o que dizer daqui. Tem medicação, médico e almoço”, diz um paciente alcoólatra que há sete anos não coloca uma gota de álcool na boca. “Temos nossos problemas, mas, dos três, somos o que funciona melhor”, disse um funcionário que preferiu não se identificar.

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