O rio das Tripas corre a cidade pelo subterrâneo, da hora que nasce, na Barroquinha, até desaguar no igualmente poluído rio Camurujipe, na altura da Rótula do Abacaxi. O apelido foi dado porque ficava ao lado do antigo matadouro da cidade e, a contragosto, recebia as carcaças e vísceras dos animais abatidos. Fedia tanto que há quase 200 anos foi canalizado para dar lugar à Baixa dos Sapateiros. Até hoje, quando resolve dar lembrança, na época das cheias da chuva, é possível sentir o mau cheiro. O destino do rio das Tripas é o mesmo de boa parte dos rios de Salvador. Como em muitas metrópoles, os rios da capital baiana foram contaminados e poluídos em função do crescimento desordenado e do processo de industrialização cada vez mais acentuado. Ligações clandestinas de esgoto e lixo são os grandes vilões. Sem condições mais de uso por conta do grau elevado de poluição, os rios foram sendo transformados em canais para o escoamento do esgoto da cidade. “Esta é uma forma perversa da cidade cuidar de suas águas, sejam elas vindas do rio, chuva ou do mar”, defende a socióloga Maria Elisabete Santos. A pesquisadora é uma das organizadoras do livro O Caminho das Águas em Salvador, que faz um levantamento histórico de como a cidade passou a tratar os rios como um obstáculo ao seu crescimento. Na próxima terça-feira, o seminário de Sustentabilidade do Fórum Agenda Bahia terá como tema O Valor da Água. Especialistas vão debater soluções para melhor aproveitamento dos recursos hídricos e os efeitos do clima no estado da Bahia. Em Salvador, a falta de preocupação ambiental tornou popular obras de canalização dos rios, como as executadas na Avenida Centenário, quando foi tapado o rio dos Seixos, e a atual obra no Rio Lucaia, na avenida Vasco da Gama, ambas em Salvador. “É preciso acabar com essa ideia de que ali passa um canal de esgoto. Não, passa um rio vivo. O fato de encapsular o rio pode fazer parecer que se está resolvendo o problema, mas está apenas tirando de vista da população. Esse esgoto vai correr, mesmo debaixo da terra, e vai chegar em alguma praia da orla da cidade”, afirma o pesquisador e engenheiro ambiental Luis Roberto Moraes. A solução nem precisa vir do outro lado do globo, como Seul, na Coreia do Sul, onde pontes e estradas foram inteiramente destruídas para fazer brotar de novo o córrego Cheong-Gye, que era canalizado. “No futuro, nossos netos e filhos vão fazer o mesmo. Irão gastar bilhões para destamparem os rios”, prevê Moraes. Mais para cá do oriente, cidades como Londres e São Paulo têm demonstrado que a revitalização dos rios exige menos investimento do que boa vontade. CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR
Recuperação Na capital inglesa, o rio Tâmisa foi completamente despoluído. Já o rio paulista segue em um intenso processo de limpeza. Estações de tratamento foram instaladas e, atualmente, 82% do esgoto doméstico de São Paulo que antes era despejado no rio, hoje é coletado por tubos. Apesar disso, apenas 290 km após passar pela capital paulista, o Tietê corre limpo outra vez. O Rio de Janeiro corre contra o tempo para purificar as poluídas águas da Baía de Guanabara. Com a Olimpíada de 2016, o estado terá de purificar a baía para as competições de vela. O projeto de limpeza, que já gastou mais de R$ 1 bilhão, vem se arrastando desde a Eco-92. A importância de se preservar a saúde dos rios e de se cuidar da rede de esgoto tem seus afluentes na economia. “As empresas hoje estão preocupadas em cuidar dos seus afluentes e querem saber, antes de se instalarem, o que será feito do lixo que elas produzem. Nesse sentido, ter uma rede de esgoto que proteja os mananciais de água é determinante para o fechamento de um negócio”, explica o prefeito de Camaçari e presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB), Luiz Caetano. O município recebeu R$ 163 milhões para recuperação da Bacia do Rio Camaçari, como parte da segunda etapa do Programa de Acelaração do Crescimento (PAC). O maior problema para a preservação dos rios,porém, ainda margeia a falta de educação ambiental da população. Salvador conta hoje com 83% de cobertura de rede de esgoto, os 17% restante são ligações clandestinas que vão parar nos rios e nas praias da cidade. “Nem todo mundo entende a importância de se ligar à rede coletora de esgoto para a saúde dos rios e da qualidade de vida”, alerta o superintendente de Esgotamento Sanitário da Embasa, Cantídio Duarte. Do lixo jogado nos rios, 35% é jogado por moradores da cidadeEm torno de 35% do lixo dos rios é jogado diretamente pela população da cidade. A prova disso pode ser vista durante a observação da passagem do rio Camarajipe pela frente do Terminal Rodoviário de Salvador. Embalagens de salgadinho, sacos plásticos, potes de iogurte e muitos fios de cabelo lisos e crespos descem unidos junto com a água escura. Parte do lixo fica agarrada à vegetação das margens enquanto a outra parte evolui descendo o rio até chegar ao mar na altura do Costa Azul. Receptor dos esgotos sanitários de parte das casas dos bairros vizinhos, o rio Camarajipe apresenta um dos piores índices de poluição. Os rios menos poluídos são Cobre e Ipitanga, este último é afluente do rio Joanes, um dos abastecedores da água potável que será consumida pelos habitantes da capital. O motivo? Estão mais afastados do bolo de gente do centro da cidade e, por isso, mais intactos. Rio Tâmisa: de poluído a uma das joias da Rainha da InglaterraRio Tâmisa, em Londres, já foi chamado carinhosamente de ‘Grande Fedor’. No Verão de 1858 - dez anos depois do início da canalização do Rio das Tripas, na Barroquinha -, o mau cheiro vindo do Tâmisa era tão forte que as sessões do Parlamento inglês tiveram que ser encerradas. Desvio do curso do esgoto que antes era jogado nele e instalação de estações de tratamento transformaram o rio em uma das muitas joias da Rainha. Quando a tocha olímpica cruzou o Tâmisa para dar início às Olimpíadas de Londres, em julho, ele já era um rio limpo. Para reduzir a poluição dos rios e mares em Salvador, o esgoto é levado até as estações de tratamento pela rede coletora e, em seguida, é lançado no mar a 2.350 metros da costa, através do emissário submarino do Rio Vermelho, ou disperso a 45 metros de profundidade pelo emissário do Costa Azul. Seminário: confira a programaçãoO segundo seminário do Fórum Agenda Bahia será aberto, às 9h, com um dos mais influentes ambientalistas do país, Sergio Besserman. Terá também como palestrantes o diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem, Jorge Soto, o gerente executivo de Responsabilidade Social da Petrobras, Armando Tripodi, e o diretor do Instituto Futura, José Luiz Orrico. Mais informações sobre o seminário e inscrições no site agendabahiacorreio.com.br.
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