E se a terra fictícia do filme "Pantera Negra" fosse real e ficasse localizada em Salvador? E se, assim como na sequência da franquia, o protagonismo fosse feminino? Sim, tudo isso existe, e a responsável é a empresária Karine Oliveira, de 29 anos. A baiana uniu a inspiração no longa ao desejo de ajudar empreendedores negros a desenvolver seu negócios e ativou a Wakanda Educação Empreendedora.
Criada em 2018, a empresa traduz o conteúdo de empreendedorismo ensinado por teóricos para a linguagem popular e aproximada da realidade dos alunos, para facilitar o entendimento deles. "Eu uso o baianês, o minerês, o pajubá, o carioquês. Eu pego todas essas linguagens informais, que são identitárias, e o que a gente tem de resultado são conteúdos mais dinâmicos, mais reais à realidade. A galera, quando se vê no conteúdo, tem menos resistência a aprender", explica Karine.
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Em entrevista ao Preta Bahia desta semana, a empresária contou que a ideia surgiu em um ônibus, depois de observar um vendedor que entrou no coletivo e comparar a um dos assuntos que tinha dificuldade em aprender, por causa da linguagem dos professores. Então, ela percebeu que poderia compreender outras coisas, reformular as ideias e passar para mais pessoas.
"Eu voltei para casa com essa ânsia, de que se eu consegui traduzir isso, tem várias outras coisas que eu posso conseguir traduzir, e aí comecei a escrever a metodologia da Wakanda. Não dá para aceitar que aquele lugar maravilhoso é fictício. E aí eu falei: 'Poxa, será que eu não posso criar Wakanda aqui em Salvador?'. E aí, nessa ideia, que eu me permiti pensar em como seria uma sala de aula do jeito de Karine".
Na época, a empresária já atuava com a mãe há sete anos, dando aulas de economia solidária na comunidade do Engenho Velho da Federação, onde nasceu, foi criada e ainda mora. Mas não foi fácil. Além de não encontrar suporte financeiro de investidores, a empresa demorou pouco mais de um ano para começar a gerar um bom lucro.
Karine lembra que passou os doze primeiros meses com apenas mil reais de retorno. Atualmente, o valor se multiplicou por 700, chegando a alcançar o rendimento de R$ 700 mil. "Hoje eu aprendi a liderar e gerir o meu negócio. Hoje eu ganho muito mais, trabalhando muito menos".
E o resultado a baiana conquistou não somente com o lucro, mas com o reconhecimento. No ano passado, Karine foi eleita uma das mentes brilhantes abaixo dos 30 anos pela revista americana Forbes, na lista anual Forbes Under 30.
O principal apoio para o desenvolvimento, a baiana encontrou na família. Tanto nos pais, que a incentivaram, quanto no irmão, que embarcou com ela no sonho e hoje integra a equipe da Wakanda. "Eles foram os melhores pais que eu precisava. Meu pai sempre me dando apoio psicológico, incentivo, dizendo para eu me amar, para acreditar em mim. E minha mãe sempre me deu exemplo. Sempre foi minha principal referência".
Karine contou ainda que até pouco tempo atrás tinha dificuldades de enxergar os lugares que alcançou com a ideia e que precisou trabalhar isso nela. "Uma das minhas maiores dificuldades que eu enfrentei não foi nem esse ecossistema branco daqui [Salvador] me aceitar, foi eu me aceitar no lugar de empresária, foi eu me visualizar nesse lugar".
Agora, a baiana busca conquistar mais coisas. "Eu quero me tornar a referência em empreendedorismo periférico. Eu quero que quando você falar que vai estudar sobre empreendedorismo periférico, você ouvir que tem que estudar sobre Karine, você tem que falar dela".
Representatividade
Representatividade é algo que Karine leva muito a sério no que ensina na empresa. Ela critica que pequenos empreendedores tenham grandes empresas como exemplos de gestão durante o aprendizado para os negócios que desenvolvem.
"Não tem como você se ver nessas pessoas. São grandes demais para a minha realidade. Fica difícil eu entender que sou empreendedor de sucesso, da forma como retratam, se todo dia eu volto de ônibus para casa. Wakanda faz esse empreendedorismo real, esse empreendedorismo criativo. A gente tem que aprender com os brancos, mas não esquecer como é o nosso jeito de empreender".
Um dos pontos principais para exemplificar isso, de acordo com Karine, é a necessidade que essas pessoas têm em que as coisas prosperem o quanto antes. "Imagine você criar uma empresa que você não tem tempo de esperar ela dar certo. Ela tem que ser criada e dar certo para ontem. Você tem que trazer dinheiro para casa todos os dias. É uma outra realidade".
A empresária ressalta também que, apesar das dificuldades, os afroempreendedores sempre existiram, só que, segundo ela, antes de empreendedorismo ser considerado uma coisa boa, era ruim ter bico ou se virar de alguma forma criativa para ter uma renda. E isso reflete ainda nas pessoas que desenvolvem a atividade nas comunidades.
"Quando eles [empreendedores] vêm para Wakanda, procurando essa informação, achando que eu vou ensinar eles a empreender, o que eles recebem da Wakanda é: 'Olha, você já sabe. O que a gente vai fazer é melhorar o que já está bom. Te ajudar a se pagar'", conta.
Atualmente, mesmo com a "terra de Wakanda" sendo parte do território soteropolitano, os principais clientes da empresa, que atua de forma on-line, são do Sul e Sudeste do país. Segundo Karine, não há reconhecimento local.
A baiana conta que quando surgem oportunidades na cidade são para que ela ceda os serviços da empresa sem pagamento. "Salvador é a que menos me contrata. Hoje, eu sou palestrante desde 2019, e juro que eu rodo o Brasil fazendo palestras, mas eu quase não dou palestra em Salvador".
Diante disso, Karine chama atenção: "Quando mais a gente se 'aquilomba', quanto mais a gente começa a se preocupar e a olhar, estar com os nossos, comprar dos nossos, se organizar para fortalecer marcas nossas, a gente dispara".
*Com colaboração de Lucas Sales
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