Depois de ser vítima de racismo no próprio local de trabalho, o psicólogo George Barbosa, de 34 anos, começou a enxergar e entender a necessidade de um acolhimento diferenciado para pessoas negras na terapia. Hoje, alguns anos após o trauma, o atendimento especializado passou a ser o foco do trabalho que o baiano desenvolve e tem ajudado várias pessoas.
Nascido e criado na região da Estrada das Barreiras, em Salvador, George decidiu entrar na profissão depois de cogitar algumas outras, como medicina, que era a principal escolha. Na época, ele não tinha muita certeza sobre a carreira que havia começado a seguir, mas atualmente entende como a melhor escolha.
Leia também:
"Acabou que era o curso que realmente estava me esperando. Como se alguém tivesse assoprado em meu ouvido que era o curso certo a se fazer".
O baiano se formou aos 26 anos e logo em seguida passou a atuar na área. Foi em um espaço onde alugava um consultório para os atendimentos que uma colega de trabalho o afetou. Em entrevista para a editoria Preta Bahia desta semana, George detalhou que, na ocasião, a mulher teria suspeitado dele e não abriu a porta de um ambiente compartilhado por todos os psicólogos que atuavam no imóvel.
A partir desse momento, o psicólogo se perguntou: "Se um paciente negro chega aqui, ela iria tratar dessa forma". "Eu percebi que os nossos precisariam de um atendimento diferenciado, e de preferência que fosse alguém negro, porque já diminuiria bastante alguns possíveis danos, já que estão em busca de um lugar de saúde, de acolhimento, que seja realmente acolhido de fato".
Desde então, George de especializou e tem prestado atendimento direcionado para essas pessoas. A maioria delas, conforme destaca o psicólogo, chega até ele com traumas do racismo ou acaba descobrindo ao decorrer das sessões que ele é o causador dos problemas.
"Muitos deles vêm sem saber que foi o racismo que afetou sua saúde mental e descobrem durante o tratamento. A gente sai dissecando uma por uma, para saber de onde veio, porque ainda está ali. Boa parte deles envolve o racismo".
Com uma média de 95% de clientes negros, o profissional lista complicações como questões de autoestima e conflitos familiares, quase sempre também provocados pelo racismo em famílias miscigenadas, como as principais queixas.
"O racismo tem um poder de adoecimento mental tanto quanto transtornos mais comuns, como depressão e transtorno de ansiedade generalizada", destacou o psicólogo.
É partindo desse problema, que o psicólogo sugere uma maior inserção do assunto nos cursos da área. O objetivo é preparar profissionais para acolher essas pessoas e seguir estudando e combatendo o problema. "A gente está falando da necessidade da matéria só para início de debate, porque o que faz o profissional não é só a academia. É o que a gente faz depois também. A nossa trajetória fora da academia".
Com o auxílio das redes sociais, George expande esse trabalho também para outros ambientes. No Instagram, o baiano tem mais de 5 mil seguidores, em uma rede de apoio. A ideia de criar uma página surgiu com o objetivo de expor os pensamentos e também alcançar mais pessoas.
"Nunca coloco apenas como desabafo. Eu chamo as pessoas para essa identificação. E todo mundo ali é como se fosse uma grande roda que encontra nas redes sociais como um neoquilombo. Uma nova forma de nos aquilombar", contou, continuando: ."Eu vejo a minha página como um lugar onde eu consigo encontrar amigos, conhecidos, pessoas que serão amigos, que serão conhecidos. Pessoas que não necessariamente pensem como eu, mas que enriqueçam o debate".
De acordo com o psicólogo, a partir desse contato, a interação continua, seja nos comentários ou nas mensagens diretas. Assim nasce uma troca entre o profissional e os internautas. "Nosso povo é muito carente de afeto e o ser ouvido é uma forma de acolhimento e de afeto", detalhou.
Para além disso, George também tem desenvolvido um projeto chamado "Terapia no Bairro", que tem como objetivo oferecer atendimento psicológico para pessoas carentes.
A ação, que ainda não começou a funcionar por falta de alguns materiais, como uma porta com isolamento acústico, conta com apoio de doações por meio de uma vaquinha. O local de atendimento fica no mesmo bairro onde o psicólogo nasceu, foi criado e segue morando.
"O projeto nasce com a finalidade de levar a terapia para pessoas que não têm como custear o valor de uma terapia comum, que hoje gira em torno de R$ 120 e R$ 200".
Acolhimento que não afasta de George a ideia de que o racismo é um problema que não está perto do fim. "Fico pensando a longo prazo e não vejo uma mudança para isso, porque existe um gozo do perverso de ver o sofrimento dos outros. E não há motivo para mudar se aquilo te causa prazer. Não posso dizer nunca, mas não estarei aqui para ver, infelizmente".
Alan Oliveira
Alan Oliveira
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!