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PRETA BAHIA

'O Brasil precisa parar de apagar os artistas negros', desabafa Márcia Short sobre cenário musical baiano

Em 'Meu Samba Raggae', cantora faz grande manifesto contra invisibilidade preta depois de 14 anos sem lançamentos, e repercutiu o assunto

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Alan Oliveira

04/02/2023 às 8:00 - há XX semanas
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					'O Brasil precisa parar de apagar os artistas negros', desabafa Márcia Short sobre cenário musical baiano
Foto: Saulo Brandão

				
					'O Brasil precisa parar de apagar os artistas negros', desabafa Márcia Short sobre cenário musical baiano

Neste mês, Márcia Short voltou a lançar canções inéditas depois de uma parada de 14 anos, e, junto com o novo trabalho, levantou um grande manifesto pela arte negra. Em "Meu Samba Raggae", a cantora reclama a preservação do ritmo e também a valorização da música preta, principalmente no cenário artístico baiano atual.

Em entrevista ao Preta Bahia desta semana, a artista repercutiu o assunto e revelou que chegou a cogitar não gravar a canção, por causa dos problemas que poderia ter ao trazer o assunto à tona. Porém, acabou cedendo à importância de abordar o tema, principalmente para chamar atenção para o samba raggae e o criador: Neguinho do Samba.

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Foto: Saulo Brandão

"A Bahia ocupa hoje um lugar de visibilidade que, após a Tropicália, não teve nada com a importância do samba raggae. E não estou falando de axé music. Estou falando de samba raggae. E é preciso colocar esse gênero, o seu criador e as criaturas que nele habitam em um lugar de visibilidade e devolutiva financeira equivalente ao lugar que a Bahia está por causa desse gênero", disse, completando:

"A gente precisa falar sobre Neguinho do Samba. O cara nem está mais aqui, mas é Neguinho do Samba o responsável por toda a transformação que aconteceu na Bahia. E a gente não pode negar esse lugar para colocar nenhuma outra pessoa, por mais excelência que tenha havido por sua passagem pelo axé e por tudo que virou o movimento".

A música é a primeira de outras nove canções que estão por vim, em um EP comemorativo aos 35 anos de carreira da baiana. O trabalho traz composições de Lazo, Margareth e parcerias com ela. Uma produção que Márcia vem desenvolvendo há cerca de 2 anos e que ainda busca recursos para por em prática, sobretudo após o corte de investimentos durante a última administração do Governo Federal.


				
					'O Brasil precisa parar de apagar os artistas negros', desabafa Márcia Short sobre cenário musical baiano
Foto: Saulo Brandão

"É um projeto lindo, com ênfase nos nossos ritmos afropops brasileiros, trazendo a negrada que faz o astral da avenida para frente. Como bem dizia e praticava Letieres [Leite], eu quero a percussão de smoking. A gente está aí tentando captar. O projeto está inscrito em vários editais. E agora a gente segue na batalha, aguardando que os recursos da cultura sejam liberados para a gente entrar na corrida do ouro".

Potente, direto e cheio de elementos da cultura preta, o clipe foi construído para casar com as inquietações da música. Problemas que refletiram principalmente a partir da construção do trabalho, que foi montado a partir da colaboração da equipe, em uma rede de ajuda, como a cantora contou para a editoria.

"Foi uma grande rede de colaboração para que tudo acontecesse e a gente chegou naquele resultado que eu estou em uma alegria. Não tem um dia que eu não assista. Eu fico muito emocionada, muito feliz, muito agradecida. É uma onda de amor e gratidão que a gente ralou para chegar naquele resultado e a gente conseguiu dizer o que a gente quer".


				
					'O Brasil precisa parar de apagar os artistas negros', desabafa Márcia Short sobre cenário musical baiano
Foto: Saulo Brandão

Durante a entrevista, Márcia ressaltou também a importância de manter a música preta viva e chamou atenção para a necessidade de ter artistas negros como referências dessas manifestações. Para exemplificar, a cantora citou grandes nomes da música baiana.

"Eu acho que hoje é difícil passar pela história do samba raggae sem passar por alguns personagens, sem passar por Neguinho do Samba, sem passar por Tonho Matéria, sem passar por Tatau, sem passar por Margareth Menezes. E eu estou falando de artistas negros unicamente, porque os demais a gente já conhece. É justamente sobre isso que a minha figura dialoga. A gente não pode, daqui a 40, 50 anos, quando falar de samba raggae, só falar de Daniela, de Claudia Leitte, de Ivete, de Saulo, que são artistas e colegas queridos no meu coração e que tenho imenso respeito pela trajetória de cada um deles, mas a gente tem outros elementos, inclusive elementos propulsores. E eu volto a dizer que o Brasil precisa parar de apagar os artistas negros".


				
					'O Brasil precisa parar de apagar os artistas negros', desabafa Márcia Short sobre cenário musical baiano
Foto: Saulo Brandão

A artista revelou ainda que se sente responsável por lutar por esse reconhecimento. "A gente precisa destacar a arte negra, que é dela que vem tudo. Então, eu sinto hoje, enquanto artista negra atuante, a responsabilidade de tirar a arte negra da margem. É um constrangimento, é uma vergonha nacional secular, que a gente precisa começar a apagar. Contar essa história direito. Colocar as pessoas no lugar de poder e visibilidade, como está acontecendo na política. Tem que acontecer na música. Tem que parar de querer tudo o que é nosso e não querer a gente".

"Me vejo com a responsabilidade de mudar essa foto. De fazer um pequeno atalho no curso dessa história, em um país que para oportunizar meninas e mulheres como eu ainda carrega um estigma de muita dificuldade. E, na prática, é muito difícil a gente se firmar, a gente conseguir concretizar projetos. Eu me sinto com a responsabilidade de seguir pavimentando esse caminho, para que as coisas no futuro sejam melhores, que a gente consiga contar a história da arte negra desse país, futuramente, diferente, e que seja a partir de agora, a partir de mim, a partir de Margareth ministra, que a gente siga abrindo caminho e contando essa história. Que ela possa ser diferente", completou.

Trajetória


				
					'O Brasil precisa parar de apagar os artistas negros', desabafa Márcia Short sobre cenário musical baiano
Foto: Saulo Brandão

A garra Márcia conta que tem no sangue. Integrante de uma família de baianas de acarajé que sempre se sustentou com os lucros do ofício, ela teve o exemplo de vida desde criança. No entanto, foi a única a descobrir os caminhos da música.

"Eu tive uma infância alegre, fui criada com muita liberdade. Liberdade com responsabilidade. Família de matriarcado de baianas de acarajé, de mulheres de muito trabalho, de muita força. E como toda família tem seu maluquinho, como diz Chico César, eu sou a maluquinha daqui. Sou a única musicista daqui".

A cantora lembra que começou na adolescência, depois que a família se mudou do Vale dos Barris para o Engenho Velho de Brotas, e ela passou a frequentar rodas musicais. No cenário, compositores como Moa Bonfim, Gileno Félix, Augusto Menezes e Lazo .


				
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Foto: Saulo Brandão

"Eu já tinha uma coisa que era uma inquietação muito grande, que eu não sabia ainda que era arte. Como é que você vai sair de um ambiente de tanto trabalho, de tantas baianas de acarajé, com evangélico, que não tinha nada de música ali? Então, foi mesmo a espiritualidade me levando para esse lugar".

E foi no bairro onde mergulhou na arte que Márcia estreou profissionalmente, passando por vários grupos, com destaque para a Banda Mel - que a projetou nacionalmente, até a carreira solo. "Eu fiz meu primeiro show no Teatro Solar Boa Vista. Ali eu tive acesso de participar com Moa e, em seguida, fazer meus shows".

Agora, a filha da cantora, de 14 anos, dá sinais de que irá continuar o histórico artístico iniciado pela mãe na família. "Quando ela me vê no corre, ela diz: 'É, mamãe, não vai dar não'. Mas está no sangue. Não tem jeito".

Carnaval


				
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Foto: Saulo Brandão

Questionada sobre o carnaval deste ano, que marca a retomada da festa depois do período mais crítico da pandemia de Covid-19, Márcia contou que ainda está em construção da agenda.

A artista contou que aguarda algumas respostas dos órgãos que organizam o evento, mas adiantou que terá apresentações em Periperi, Itapuã e com o projeto Axé Por Elas.

"A proposta está lançada. Já recebi um roteiro que não inclui trio. Já lancei também as minhas solicitações. Estou no aguardo da confirmação. No pleito que eu fiz, tem um trio elétrico. Não sei se vem. Se vier, será acolhido e muito bem representado, com certeza".

Assista 'Meu Samba Raggae'

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