“Música é vivência”, enfatiza o Maestro Ubiratan Marques, músico, arranjador e criador da Orquestra Afrosinfônica da Bahia, sobre a trajetória musical que o tornou referência na Bahia. Nascido em Salvador, Ubiratan cresceu no bairro de Pernambués, e consolidou através das suas raízes uma perspectiva da música que, apesar de estar no dia a dia, foi ignorada por muito tempo.
Com um livro sobre a Afrosinfônica a ser publicado em novembro de 2024 e uma turnê pela Europa ao longo do mês de maio, ao lado do BaianaSystem, Ubiratan ainda reflete sobre o mistério de ter chegado onde está.
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Desde criança tocava violão graças aos ensinamentos da avó Carolina, mãe de santo em um terreiro no extremo sul da Bahia, de onde a família veio. Por coincidência, começou a estudar música na Escola Estadual Severino Vieira, no bairro de Nazaré, onde teve contato com grandes referências como Môa do Catendê e Emília Biancardi.
De lá, foi direto para a universidade, onde ouviu, pela primeira vez, que a música que o acompanhou nas ruas e no terreiro “não era música de verdade”.
“Eu me confrontei. Era um mundo diferente. Tentavam dizer para mim que a música nobre era a música eurocêntrica, só que eu não acreditava nisso. Inclusive, minha avó já tinha dito isso para mim: 'Eles estão equivocados. Não acredite nisso tudo não'”, relembra Ubiratan, em entrevista ao iBahia. “Minha avó era ialorixá então eu ouvia os tambores desde cedo e, ao chegar na universidade, ouvir que aquilo não era música ou que o violão da minha avó não era música me incomodou muito”, diz.
Foi a partir desse incômodo que Ubiratan decidiu fazer da carreira uma forma de preservar e levar para frente os ritmos-base da música brasileira. “A rua sempre foi minha universidade. O Pernambués, o bairro da Liberdade. O que eu [aprendi] na faculdade é importante, mas minha grande universidade é a Bahia. E os guardiões de tudo isso são os terreiros de candomblé, os blocos afro, as escolas de samba, os maracatus… cada lugar [do estado] tem uma manifestação cultural”, afirma ele.
O conceito afrosinfônico
Essa vontade preservar os ritmos nascidos da cultura negra, e historicamente protegidos por ela, levou Ubiratan a criação da Orquestra Afrosinfônica. Depois ter tocado com a escola em diferentes lugares da Bahia e participado da Banda Reflexo, ele passou a escrever para orquestras. Foi a partir daí que ele começou a dialogar com outros ritmos de forma mais madura.
Na contramão das orquestras como uma herança do eurocentrismo, Ubiratan quis escrever sobre a história do próprio povo e se estabeleceu como um grande entusiasta da música brasileira.
“Beethoven escrevia música alemã e está certíssimo. O grande problema é a gente, que tem uma cultura tão rica, virar um propagador de algo que não é nosso”, pontuou ele, sobre a importância de se fazer música brasileira. “Cultura vem de cultivo e [para isso] é preciso falar português, precisa falar sobre suas coisas, é simplesmente isso. A afrosinfônica nasce disso”, conta.
Ao lado do Ilê Ayê, do Cortejo Afro, Malê Debalê e outros blocos afro, a orquestra mantém o ijexá, o samba-reggae, o samba e outros ritmos de terreiro e de origem indígena latentes no cenário cultural. Hoje, o maestro é referência para grandes nomes da música na Bahia, como a banda Baiana System e a cantora Ludji Luna, e tem participação em trabalhos musicais de diferentes artistas baianos.
'Luiz Gonzaga é tão nobre quanto Beethoven'
Apesar de analisar que o cenário ainda não é favorável para a música brasileira, Ubiratan acredita que a partir do momento que se canta a própria história abre-se uma nova perspectiva.
Lembrar dos nossos artistas e valorizar o que vem de dentro do Brasil deve se tornar um princípio da produção artística no país. "Quando eu falo que Luiz Gonzaga é tão nobre que Beethoven as pessoas ficam chateadas. Já me questionaram e eu fico, realmente minha comparação está exagerada, porque pra mim é que Luiz é muito melhor do Beethoven", afirma.
"[Um novo] entendimento [virá] quando encontrarmos pessoas e o equilíbrio no amor. Porque [essas questões] n]ao tem nada a ver com outras coisas, a não ser amor. Amor pelo próximo, mas também pela nossa cultura, reconhecimento da beleza que construímos e continuamos a construir. Esse cenário só vai mudar com mais amor pelo nosso lugar, sem de forma nenhuma desmerecer outras culturas", afirma Ubiratan.
Iamany Santos
Iamany Santos
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