Dete Lima completou 70 anos em 2023, tendo quase 50 deles dedicados à atuação no Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do Brasil, que fica localizado em Salvador.
Estilista da entidade e responsável pela produção das Deusas do Ébano, ela não só reforça a autoestima de mulheres negras, como também figura entre um dos principais nomes do movimento negro baiano.
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"Eu digo sempre que eu fui uma pessoa escolhida pelos odus, pelos orixás, por todos os espíritos de luz, para estar elevando muito mais a autoestima da mulher negra e mostrando o quanto ela é bonita, o quanto ela tem que se orgulhar dela mesma". Dete Lima
Filha de Mãe Hilda Jilotu, a matriarca do Ilê, Dete começou as amarrações de tecidos no corpo e na cabeça ainda na infância, no terreiro liderado pela mãe e local onde a família foi criada, no Curuzu.
"Qualquer brincadeira que tinha, eu ficava sempre fazendo alguma coisa no cabelo das meninas, querendo inventar alguma coisa com tecido, e aí eu fui crescendo, vendo minha mãe vestindo os orixás, sempre imaginando o que eu poderia fazer com o tecido".
Das brincadeiras de criança, a paixão cresceu e as fantasias se tornaram realidade e realização. Agora, Dete comemora os avanços do movimento e como a estética negra tem sido cada vez mais reforçada e valorizada.
"A mulher negra hoje está tendo muito mais consciência da negritude dela, da beleza dela, e que ela pode estar em qualquer lugar usando um turbante".
Em entrevista ao iBahia, para a reportagem desta semana da editoria Preta Bahia, a baiana detalhou a importância do uso das amarrações, sobretudo em ocasiões especiais, como festas.
"Eu costumava dizer que iria ver as mulheres chegarem no salão para trançar o cabelo. Quando eu vim para as amarrações, eu disse que iria ver mulheres se produzindo nos salões, com amarrações, com uma coroa bonita na cabeça, que é o turbante. Esse turbante que nós usamos é uma coroa".
Para Dete, é uma conquista ver mulheres pretas empreendendo e levando essa estética à diante, assim como ela. Emocionada, a estilista contou ao portal como se sente em fazer parte dessa trajetória.
"Vendo tudo isso acontecer, vendo a quantidade de mulheres que hoje fazem essa arte também, eu fico muito orgulhosa e feliz por ser essa pessoa escolhida para desenvolver esse trabalho, para trazer essa transformação para mulheres negras. É um sonho de criança que se realiza todos os dias". Dete Lima
Luto e força
Além de produzir os trajes dos associados do bloco e vestir a Deusa do Ébano de cada Carnaval, Dete também ensina o legado em cursos oferecidos na sede do Ilê e em eventos.
Até o Carnaval de 2009, tudo era acompanhado por Mãe Hilda, que fazia questão de participar de perto, sobretudo da produção das Deusas. No entanto, em setembro do mesmo ano, a líder religiosa morreu.
Por isso, 2010 foi o ano mais difícil para Dete, segundo revelou ao iBahia. Além do luto, não havia mais o olhar atento da matriarca no processo de criação dos trajes do Ilê.
"Se ela dissesse tá bonito, tá uma maravilha, eu não mexia em mais nada ali, porque o aval dela era a minha nota para eu estar construindo tudo". Dete Lima
"Nós tivemos que organizar tudo para sair naquele ano. Foi nosso primeiro Carnaval sem ela. Ela estava ali, mas fisicamente não. Foi muito duro".
A estilista conta que os associados têm trajes previamente pensados. Já as Deusas contam com produções exclusivas, que nascem ao decorrer da arrumação de cada uma. Ou seja, a cada ano, além dos tecidos que são produzidos de acordo com a temática daquele Carnaval, há também uma nova indumentária.
"Ali eu começo a dar vida. Eu não consigo criar um esboço daquilo. O modelo vai surgindo na hora. E eu não consigo fazer o mesmo modelo o tempo todo. Quando eu começo a amarrar no corpo, é no mesmo sentido, mas depois eu vou criando na hora". Dete Lima
"No final, a felicidade delas é a minha. Porque elas se sentem muito mais bonitas e ficam falando e postam fotos, e eu fico cada vez mais realizada", ponderou.
Orgulho
Dete comemora o quanto o bloco cresceu desde a criação, em 1974, e como, de uma ideia de irmãos e amigos para curtir o Carnaval daquele ano, nasceu uma das maiores entidades negras do Brasil. Um bloco que atrai milhares de pessoas todos os anos ao Curuzu.
"Eu tenho muito orgulho de tudo isso. Eu vim na família que pedi para vir e que me escolheram também. Quando eu voltar, eu quero voltar nessa mesma família. É muita gratidão aos meus ancestrais". Dete Lima
A estilista revelou também que se aposentar não está nos planos para o futuro. Dete se vê acompanhando o processo de perto, assim como a mãe, mesmo quando não puder mais fazer tudo sozinha.
"Não tenho essa pretensão. Tenho sim de trazer outras pessoas comigo. Hoje eu já tenho meninas que trabalham comigo, que fazem bem parecido ao que eu faço. Mas, enquanto eu tiver vida e estiver me movimentando, eu tenho mais que fazer".
Alan Oliveira
Alan Oliveira
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