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PRETA BAHIA

Especialistas defendem empoderamento de crianças negras com representatividade de bonecas e outros personagens infantis: 'Para se ver e saber que é linda'

Por outro lado, pesquisa expõe problemas no mercado de brinquedos. Assunto é tratado no Instagram pela família da influenciadora Rafaela Sacramento

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15/10/2022 às 8:00 • Atualizada em 06/07/2023 às 18:00 - há XX semanas
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					Especialistas defendem empoderamento de crianças negras com representatividade de bonecas e outros personagens infantis: 'Para se ver e saber que é linda'
Foto: Arquivo Pessoal

Quando Rafaela Sacramento tinha apenas 1 ano, os pais dela decidiram criar um perfil no Instagram para mostrar o dia a dia da pequena e expor as dificuldades e desafios do processo de criação de uma criança negra. Na época, a influenciadora mirim, que mora em Salvador, ainda não entendia os sinais do preconceito e desigualdade, afinal era bebê. Porém, muitas coisas já incomodavam a família, e continuam 4 anos depois. A principal delas é a falta de representatividade.

A psicopedagoga Isis Sacramento, que é a mãe de Rafa, conta que, conforme a menina crescia, alguns questionamentos começavam a surgir, como com toda criança. No entanto, os dela eram coisas como por que determinados personagens não tinham a mesma cor de pele e nem o mesmo tipo de cabelo que ela. Diante disso, a família passou a se atentar ainda mais ao problema e a desenvolver atividades para reforçar a autoestima da pequena.

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"Eu sempre comprei bonecas negras para ela, justamente para ela se reconhecer, para ela se ver, ela criar a identidade dela e ela saber como ela é, que ela é linda de qualquer jeito. Essa é uma autoafirmação que a gente trabalha com ela diariamente em casa. A gente coloca ela no espelho, a gente mostra para ela como ela é linda, como cabelo dela é bonito, como ela é perfeita do jeito que ela é, e que ela não deixe que ninguém nunca diga o contrário a ela", conta Isis.


				
					Especialistas defendem empoderamento de crianças negras com representatividade de bonecas e outros personagens infantis: 'Para se ver e saber que é linda'
Foto: Arquivo Pessoal

Atualmente, Rafa tem mais de 6 mil seguidores no Instagram. Nas publicações, Isis dá dicas de penteados e produtos para cabelo o crespo, fala sobre moda, indica filmes, desenhos e séries infantis que têm personagens negros em protagonismo, e ajuda na busca por bonecas pretas. Brinquedos que ela ressalta serem difíceis de se comprar.

"As bonecas brancas a gente encontra em qualquer loja. Bonecas brancas além de encontrar com facilidade, a gente encontra com vários preços, e as bonecas negras as pessoas, além de não acharem, não saberem onde encontrar, e quando encontram não é acessível".

E, se já é difícil agora, quando Isis tinha a idade de Rafa era ainda mais complicado. A baiana de 31 anos conta que, apesar de receber uma atenção parecida dos pais na infância, suas principais referências eram personagens e bonecas brancas, que dominavam o mercado. Mais um motivo que a leva a ser tão criteriosa na criação de Rafa. Para além do profissional, o lado mãe.


				
					Especialistas defendem empoderamento de crianças negras com representatividade de bonecas e outros personagens infantis: 'Para se ver e saber que é linda'
Foto: Reprodução/Instagram

"Hoje eu enxergo minha filha como uma luz. Muita coisa que eu não tive eu faço para ela ter, eu quero que ela tenha. O conhecimento que eu tenho eu passo para ela, e eu quero que lá na frente triplique esse conhecimento por onde ela passar, que todo espaço que ela passa ela deixe uma sementinha, para que as pessoas se alimentem nessa semente. E essa semente perpetue por todo tempo", contou.

A baiana espera que um dia a filha passe para os netos os ensinamentos que ela e o companheiro apresentam. "Eu espero que ela cresça entendendo qual é a nossa verdadeira história, que não é a história que a gente aprendeu nas escolas, que a gente aprende, que as crianças aprendem até hoje. O que eu espero é que ela cresça e saiba verdadeira realidade que a gente sempre passou, e que ela não encontre tanta dificuldade como a gente encontra hoje em dia, e que os filhos dela, quando vierem, eles também tenham o acesso ao conhecimento, acesso à educação, e que ocupem espaços de poder, que são os espaços que sempre foram nossos e foram tomados da gente", ressaltou.

O modelo de criação que Rafa recebe é o mesmo indicado por outros especialistas para crianças negras. O assunto é tema do Preta Bahia desta semana. Em entrevista à editoria, a psicopedagoga baiana Nelsonívea Djalma Ramos, que também é negra e mãe, detalhou a importância do apoio dos pais e outros familiares nessa fase.


				
					Especialistas defendem empoderamento de crianças negras com representatividade de bonecas e outros personagens infantis: 'Para se ver e saber que é linda'
Foto: Arquivo Pessoal

"A forma que a gente precisa trabalhar com os nossos filhos, como os pais precisam trabalhar com seus filhos, desde muito pequenininho, é fazendo autoimagem positiva da criança. Precisa fortalecer esse belo que é essa criança. E não em comparação com o outro, mas nessa coisa de dizer mesmo que ela é única, que ela é singular, que ela é bonita com cabelo que ela tem, com o olho que ela tem. É valorizar essa coisa do nariz grosso, dos lábios mais grossos, dos olhos maiores. Valorizar esse formato que é o nosso rosto, valorizar o cabelo", disse.

"Eu compreendo que essa falta de representação para a gente interfere muito no nosso processo de identidade, de formação, de autoestima. Prejudica a forma como a gente assume a nossa negritude", completou a profissional.

Nelsonívea explica que uma criança orientada, apoiada e ciente de si na sociedade, ainda que de forma superficial por ainda não ser adulta, é forte e consegue lidar com determinadas situações de forma diferente daquelas que não recebem esse mesmo direcionamento.


				
					Especialistas defendem empoderamento de crianças negras com representatividade de bonecas e outros personagens infantis: 'Para se ver e saber que é linda'
Foto: Alan Oliveira/iBahia

"Uma criança que que a família fortalece a autoestima, que a família fortalece essa identidade social e cultural e racial… a família que consegue fortalecer isso já tem filhos que conseguem identificar quando ele está sendo desrespeitado, quando existe uma questão racial imposta, ele já consegue identificar e se defender. Se defender no sentido de dizer assim: 'Ó, aqui a gente não silencia não. Aqui a gente diz parou, me respeite. Eu existo, eu tenho direito de ser como sou. Eu tenho os mesmos direitos e exijo o mesmo respeito'".

A psicopedagoga ressaltou também que esse processo de autoafirmação da negritude tem sido algo iniciado bem cedo, diante do posicionamento atual de pais, escolas e creches que são conscientes da importância que isso tem.

"Hoje, esse processo já é muito melhor, porque, tanto nas escolas como e muitas famílias, as pessoas já começam desde muito cedo a dizer para a criança que ela é negra, assumir desde muito cedo que a criança negra. Porque quando ela cresce com essa identidade, e você criando experiências que fortaleça a felicidade de ser negra, ela já cresce mais fortalecida", contou.

Cadê Nossas Bonecas?


				
					Especialistas defendem empoderamento de crianças negras com representatividade de bonecas e outros personagens infantis: 'Para se ver e saber que é linda'
Foto: Alan Oliveira/iBahia

Em contrapartida à necessidade de se ter mais representatividade para crianças negras, uma pesquisa desenvolvida pela ONG baiana Avante - Educação e Mobilização Social mostra que menos de 10% das bonecas comercializadas no país eram negras em 2020 - ano em que foi feito o último levantamento.

Ou seja, mais de 90% das bonecas e bonecos vendidos em lojas de varejo eram brancas e brancos. Balanço que não corresponde à porcentagem de pessoas que se declaram negros e pardos no país: 53,6%. Foi para expor esse problema que o levantamento surgiu em 2016, com a campanha "Cadê Nossas Bonecas?".

Na época, a psicóloga Ana Marcilio, que é especialista em direitos das crianças, e outras duas amigas, Mylene Alves e Raquel Rocha, realizavam uma arrecadação de brinquedos e chegaram à conclusão de que apesar da grande quantidade e variedade de bonecas, não havia nenhuma negra.


				
					Especialistas defendem empoderamento de crianças negras com representatividade de bonecas e outros personagens infantis: 'Para se ver e saber que é linda'
Foto: Alan Oliveira/iBahia

"Diante daquela situação, começamos a questionar por que não doavam bonecas negras. E a resposta é simples: porque não há bonecas com essas características no mercado. E não há, porque elas não são fabricadas", ressalta Ana.

Depois da primeira edição, foram realizadas a segunda, em 2018, e a mais recente, dois anos atrás. No primeiro ano, a taxa foi de 6,3% e no seguinte ficou em 7%. Em 2020, o levantamento apontou que apenas 6% das bonecas analisadas eram negras. O próximo resultado, segundo a organização, deve ser publicado no ano que vem.

"Temos realizado a pesquisa a cada dois anos, e um dos principais desafios tem sido sempre encontrar dados sistematizados e precisos sobre a fabricação e comercialização de bonecas negras no mercado brasileiro, para basear a argumentação. Então, o primeiro levantamento serviu para lançar luz sobre a questão. Repetindo a pesquisa dois, quatro anos depois, percebemos que há uma prevalência de bonecas brancas entre os principais revendedores de brinquedos online disponíveis para compra. Então, essa é uma discussão que precisa ser mantida, ser constante. Não é fácil mudar o mercado, mudar paradigmas. É preciso persistência", disse Ana.


				
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Foto: Alan Oliveira/iBahia

O objetivo da campanha é claro: "O que nós queremos é atingir a produção e comercialização das bonecas. Nós queremos promover um movimento de reflexão, discussão e mudança de atitude, colaborando para que as vitrines venham a ter outra cara, que não seja uma cara de loira e olhos claros, e que reflita um pouco mais quem somos".

Em entrevista ao portal, a psicóloga também reforçou a importância da representatividade para as crianças negras.

"O processo de autoidentificação, que acontece durante o processo do brincar, é fundamental para o desenvolvimento da autoestima das crianças. A partir daí, é pensar que ter bonecas pretas é necessário para uma educação mais justa, uma educação antirracista. Para alcançar as ideias de diversidade, de valorização do sujeito, de fortalecimento da autoestima, das inter-relações pessoais e sociais da criança e colaborar para o rompimento do racismo estrutural, que está entranhado na nossa sociedade, impactando fortemente na violação de vários direitos, em especial aqueles que devem ser garantidos às crianças e aos adolescentes".


				
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Foto: Alan Oliveira/iBahia

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