Uma estilista baiana tem ajudado a difundir e preservar a potência dos tecidos do primeiro bloco afro do Brasil, em Salvador. A partir de desenhos que se transformam em produtos da loja que administra, Bárbara Leoa dá novo formato às indumentárias do Ilê Aiyê. Com isso, peças que acabariam usadas apenas nos desfiles de Carnaval se transformam em roupas e acessórios que levam as histórias do povo negro durante o ano todo.
"É muito mais do que um tecido. É muito mais do que uma fantasia ou uma peça para usar apenas no Carnaval. Até porque não é uma alegoria. É uma indumentária. É uma produção de pura arte afrobaiana" Bárbara Leoa
Também cantora, compositora e produtora, a baiana descobriu o amor pelo Ilê ainda na adolescência. Moradora da região do Largo do Tanque, área vizinha ao Curuzu (onde fica a sede do bloco), Bárbara sempre ficou intrigada com a movimentação provocada pela entidade.
Leia também:
Em entrevista ao iBahia para a reportagem do Preta Bahia desta semana, a artista contou que chegou a "escapar" algumas vezes de casa para acompanhar ensaios e fez cursos oferecidos pelo bloco.
No entanto, a ideia de criar as peças do Ilê Aiyê só veio depois. A estilista, que já colecionava alguns modelos produzidos pelo bloco, lembra que começou a se questionar se estaria certo manter as vestimentas guardadas.
"Eu me questionei: 'Como que uma riqueza cultural expressada em tecidos, em peças incrivelmente ricas em conteúdo e história, podem ficar guardadas no guarda-roupas?'".
"A gente tem que fazer algo que a gente possa usar no cotidiano, contar a história do nosso povo através dessas estampas" Bárbara Leoa
Durante a entrevista, Bárbara ressaltou o trabalho de pesquisa e produção dos tecidos, que a cada ano contam uma história diferente e importante para o movimento negro.
"O Ilê Aiyê é um grande acontecimento artístico e cultural que não sai de cartaz e com novidades, há 50 anos. A cada ano as estampas são modificadas e são contadas novas histórias, a partir de uma história ancestral". Bárbara Leoa
Com isso, a baiana passou a levar a problemática para o processo de criação que já fazia com tecidos africanos. Além das peças que já colecionava, a estilista também contou com a ajuda de outros admiradores.
"Quando eu comecei a ver que já tinha uma quantidade, eu vi que era hora de fazer algo com isso. Mas algumas peças eu consegui de pessoas que saíram nesses carnavais, outras eu adquiri no bloco, e assim eu fui fazendo essa compilação".
Atualmente, Bárbara produz peças como batas, vestidos, mochilas e pochetes, que se unem ao trabalho de outros artistas, em uma parceria com a estilista, na loja Afrobaiana, localizada no terceiro piso do Shopping Piedade, no centro da capital.
"É uma desculpa para conhecer as pessoas, para me conectar com as pessoas, para falar sobre moda, arte, música, cultura, para estar mais perto do meu povo" Bárbara Leoa
As criações da baiana se tornam realidade com a ajuda de costureiros de comunidades de Salvador e imigrantes da África, em um grande processo colaborativo.
"É uma fusão de África com Bahia. Hoje em dia, eu tenho várias parcerias, não só com costureiros e costureiras, mas tem várias famílias envolvidas. Uma pessoa que está adquirindo uma peça afrobaiana está fortalecendo o trabalho de várias famílias".
Sonho no caos
Bárbara lembra que já criava peças há alguns anos para complementar a renda como artistas, mas foi durante o período mais crítico da pandemia de Covid-19, em 2020, que passou a investir ainda mais no trabalho.
Como o setor da música foi um dos mais afetados com o distanciamento social, a baiana se viu à procura de algo para sustentar a casa e o filho, que hoje tem 6 anos. Foi assim que ela mergulhou na Afrobaiana.
"Eu estava com meu filho e sem trabalho, em um momento muito difícil da minha vida. Nesses momentos, a gente tem duas opções: ou sucumbir e deprimir ou se transformar em uma flor de lótus e daquele caos florescer" Bárbara Leoa
Inicialmente, a loja era apenas virtual, por meio das redes sociais. O espaço físico, como funciona atualmente, só nasceu no primeiro semestre deste ano, e tem sido um sucesso.
"O feedback tem sido muito positivo, tanto da conexão com a nossa cultura afro, mas também dos diferentes corpos e das possibilidades de se expressar com a roupa".
Mais próxima do que nunca dos clientes, Bárbara comemora a movimentação das pessoas interessadas pelo trabalho e ressalta a importância da presença da loja no centro de compras.
"Eu vejo muito uma expressão de gratidão e felicidade. E elas não precisam nem falar nada, porque quando eu fico sentada e vejo as pessoas se aproximando da vitrine, é interessante ver a expressão mudando... o sorriso vai abrindo. É como se disesse: 'Eu me encontrei, tem a minha cara'" Bárbara Leoa
Os retornos dos clientes têm sido os melhores possíveis. "Tem pessoas que chegam aqui falando que não tinham coragem de usar roupas coloridas, para não chamar atenção, e chegam aqui e experimentam e tem a oportunidade de se emxergar como a nobreza que são".
Dificuldades, realizações e projetos
No entanto, mesmo com toda a representatividade, Bárbara ressalta as dificuldades enfrentadas por ela na jornada como empreendedora, mulher e mãe.
"Não é fácil estar nesse caminho. Eu sou uma mãe que está começando. Não sou uma multinacional que tem reservas de dinheiro. Eu sou uma mulher que veio do bairro da Liberdade, de uma família de agricultores, que tem lutado até hoje. Está sendo uma revolução na minha vida" Bárbara Leoa
Um dos principais desafios tem sido a distância do filho durante o trabalho. Algo que é pauta constante de conversas com o pequeno Tupã. "Eu sempre falo: 'O trabalho não é algo que está fazendo com que a gente se separe. Ao contrário, a mamãe está se fortalecendo para que a gente possa ficar cada vez mais junto, e estou fortalecendo outras pessoas também'".
E é esse propósito que mantém a baiana firme e forte no sonho de seguir crescendo na área. Ao iBahia, a artista contou que o objetivo é conquistar um espaço maior e abraçar mais profissionais.
"A expectativa é abraçar mais arte, é ter uma equipe, um ateliê onde eu possa reunir essas pessoas, para que eu possa fazer algo maior. É estar em outros espaços e cada vez mais abraçando essas pessoas que estão fazendo com que esse trabalho aconteça".
"Eu me sinto retribuindo aos orixás, aos caminhos que me foram dados e que eu busquei também na vida, para poder me conhecer, porque eu não me conhecia de fato. Quando eu ainda alisava o meu cabelo, quando eu não tinha letramento racial. Eu venho de uma família negra e não tinha consciência da minha cultura" Bárbara Leoa
Alan Oliveira
Alan Oliveira
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!