Quem anda pelas ruas de Salvador está acostumado com a paisagem urbana da cidade, mas sabe que pontos de respiro são necessários. O grafiteiro e arte-educador Marcos Costa, conhecido como Spray Cabuloso, é um dos artistas referência na arte urbana e desafoga, através das ilustrações, a paisagem local. Além disso, o artista muda as perspectivas sobre o que é arte utilizando uma linguagem urbana para exaltar a potência e a beleza do povo negro.
Marcos trabalha com arte desde os 15 anos e passou a se dedicar a um estilo próprio durante a graduação em Artes, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Neste este período, o ilustrador percebeu que diversos artistas de rua não eram levados a sério pela academia e que o rosto da população soteropolitana, majoritariamente composta por pessoas negras, não estava nas telas.
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Conectado com o dia a dia e a vida nas ruas, Marcos olhou para sua experiência e para o passado a fim de projetar uma lógica diferente sobre a arte e a visão social do "lugar" da pessoa negra.
O grafite é uma das artes que compõem o Movimento Hip Hop, mobilização essencialmente urbana, negra e jovem que impacta o mundo desde a década de 70. Foi enfatizando essa linha artística que atravessou a juventude e se lembrando dos grandes artistas do passado que Marcos sempre sonhou com o Pelourinho, lugar de referência e memória para o povo negro.
Atualmente, o grafiteiro dirige o Cabuloso Atelier, espaço onde vende pinturas e trabalha nas telas, esculturas, roupas e outros produtos que comercializa.
"Fui fazer universidade e percebi que muitas vezes as pessoas não reconheciam os artistas do Pelourinho como artistas, mas como artesãos, sendo que tem muitos nomes incríveis e o mundo está aí para reconhecer isso. Percebia muitas vezes na linguagem que as pessoas utilizavam no ambiente acadêmico, [a ideia] de que o Pelourinho era um ambiente de uma arte menor e eu sempre me questionei sobre isso e [queria] mostrar que não é isso", conta o artista, em entrevista ao iBahia.
A partir desse lugar e unindo referências ancestrais à versatilidade da arte de rua, Marcos desenvolveu o "Afrografite". O estilo busca enaltecer a beleza negra e unir traços estéticos da arte africana aos traços do grafite.
"Eu percebo que muitas vezes as pessoas não se identificam e não se reconhecem na arte. A arte de rua e minha pesquisa, o afrografite, busca fazer com que as pessoas se reconheçam, vejam aquele painel e lembrem de alguém ou se reconheça [naquela ilustração]. O afrografite, pesquisa que eu desenvolvo desde a universidade, busca evidenciar a população negra por meio da arte urbana. [Por isso], posso usar grafismos, ideogramas adinkras [ideogramas utilizados em países da África Ocidental, ancestralmente utilizados para expressar conceitos, valores e ideias filosóficas] e cores fortes que lembrem África", explica Marcos.
Além disso, trazer para o centro das telas rostos de pessoas negras busca não só exaltar o povo que majoritariamente representa a Bahia, mas se propõe a recuperar o orgulho e auto estima das pessoas pretas. Esse retorno das pessoas é, segundo Marcos, os aspecto que mais o anima quanto a carreira como artista urbano.
"Fico contente que as pessoas olhem para o meu trabalho e se reconheçam, [porque] essa é minha pesquisa, minha busca. Sou apaixonado pela Bahia, pelo povo [baiano] e pelas pessoas que não me conhecem, mas reconhecem minha arte. Para mim, isso é inspirador e motivador!", comemora ele.
Spray Cabuloso destaca arte de rua como possibilidade de educação e letramento racial
Enquanto educador, Marcos acredita que a arte possui um papel essencial para a mudança e o letramento racial. Foi através da escola pública que ele teve contato com o picho e graffite, e foi também com a orientação de um professor que ele começou a usar as ilustrações como forma de se expressar.
"Arte tem que estra em todos os lugares, mesmo. O cotidiano é muito duro e arte funciona como esse respiro. Conheci a pichação e o grafite através da escola, então para mim tem um valor muito grande na minha vida e formação. Essa possibilidade que o graffite e a educação tem de dialogar com as pessoas é transformadora. Transformou a minha vida", enfatiza o artita.
Para além de trabalhos sociais e voluntários, Marcos deu aulas de graffite em escolas públicas de Cajazeiras, bairro de Salvador, Camaçari, Santo Amaro, Cachoeira, Maragogipe, Jaguaripe, entre outras cidades da Bahia. Apesar das dificuldades enfrentadas por artistas de rua, que geralmente realizam os trabalhos de forma voluntária e enfrentam uma série de preconceitos sociais, Marcos destaca o poder transformador dessa arte.
Ao ter contato com um símbolo ou uma imagem representativa no dia a dia, as pessoas passam a olhar com mais amor para a cidade e para si. "A arte apresenta várias possibilidades de diálogo, expressão e letramento racial, sobretudo. Quando as pessoas veem simbologias, [como os ideogramas adinkras], e querem pesquisar [abre-se ali] um diálogo", pontua ele.
"O graffite é uma arte mobilizadora, do povo para o povo. Então quando há um mural [ou] um mutirão de artistas que se juntam para deixar uma comunidade mais colorida, isso trás mais alegria e esperança para nosso povo", finaliza.
Confira a entrevista completa com Spray Cabuloso abaixo:
Iamany Santos
Iamany Santos
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