Entre abril e maio, a localidade de Vila Verde, região que fica entre os bairros de Mussurunga e São Cristóvão, em Salvador, tem sofrido com uma onda de violência. Tiroteios, operações policiais e serviços suspensos se tornaram parte da rotina da população que vive na localidade.
Segundo informações do Instituto Fogo Cruzado, organização sem fins lucrativos que monitora casos de violência em Salvador e outras cidades do Brasil, cinco pessoas já morreram na comunidade entre janeiro e maio e cerca de 9 tiroteios já foram registrados.
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Veja dados levantados pelo instituto:
- Vila Verde em Salvador / São Cristóvão 2024 (01/01 a 16/05): 3 tiroteios; 1 morto. Dos 3 tiroteios, 2 deles ocorreram durante ações e operações policiais, que resultaram na morte de 1 pessoa;
- Vila Verde em Salvador / Mussurunga 2024 (01/01 a 16/05): 6 tiroteios; 4 mortos; 2 feridos. Dos 6 tiroteios, 1 deles foi decorrente de ação policial, que resultou na morte de uma pessoa.
Devido à constante sensação de insegurança na região, os moradores tiveram a vida revirada e a rotina destruída. A Escola Municipal Laura Sales, localizada na rua Esperança do Vila Verde, precisou suspender as atividades diversas vezes. Cerca de 226 alunos da instituição ficaram sem acesso à escola nos dias 11 e 24 de abril, assim como nos dias 03, 07, 08, 14, 15, 17, 20 e 21 de maio.
Desde segunda-feira (20), a escola está fechada e não há previsão para o retorno das aulas. "A sensação de insegurança na área é grande. Isso leva ao absenteísmo, uma vez que as famílias não se sentem seguras em sair de casa com as crianças. Mesmo nos dias em que foi possível abrir a escola, o número de alunos presentes tem sido baixo nesse período", afirmou SMED, ao iBahia, sobre a situação.
Os prejuízos desse cenário na vida das crianças vai além da esfera pedagógica e afeta a saúde mental dos estudantes. “É importante ressaltar o grande impacto emocional nas crianças, que estão convivendo com o medo, a insegurança, os traumas, a redução da convivência com colegas e amigos e do lazer, entre outros prejuízos socioemocionais”, enfatiza a SMED.
A escola não foi o único serviço impactado pela violência em Vila Verde, uma vez que a circulação do transporte público na localidade também foi suspensa. Segundo a Secretaria de Mobilidade de Salvador (SEMOB), não há registro da quantidade de vezes que os ônibus foram suspensos, mas conforme levantamento feito pelo iBahia, a circulação do transporte público foi suspensa por pelo menos 7 sete vezes entre 27 de abril e 20 de maio.
A interrupção nos serviços afeta três linhas de ônibus: 1389-01 - Estação Mussurunga / Vila Verde X Estação Pirajá; 1054 - Estação Mussurunga X Fazenda Grande 4/3 Via Vila Verde; e 1054-01 - Fazenda Grande 2/3/4 - Estação Mussurunga. Nestas ocasiões, os coletivos só passaram pela Avenida Aliomar Baleeiro, conhecida como Estrada Velha do Aeroporto, que também fica próxima a Vila Verde. Para acessar o transporte, os moradores da região precisavam se deslocar de casa e seguir até a avenida.
Segundo polícia, onda de violência em Vila Verde é resultado de confrontos entre facções
Conforme informações da Polícia Militar (PM), conflitos entre facções criminosas rivais são o motivo para o aumento da violência no bairro. Para devolver a sensação de segurança na localidade, os militares ocuparam as ruas de Vila Verde na segunda-feira (20).
A decisão de ocupar a região foi tomada após uma série de intervenções pontuais, realizadas na tentativa de controlar a situação. Visando inibir a articulação de suspeitos, uma ação da polícia interceptou, na terça-feira (21), a movimentação de um grupo de homens armados em Lauro de Freitas. Os suspeitos planejavam um ataque à facção localizada em Vila Verde. Na ocasião, houve troca de tiros na cidade da Região Metropolitana de Salvador e duas pessoas morreram.
Nas últimas semanas, as mortes de suspeitos e casos de inocentes feridos têm se acumulado em Vila Verde e arredores. No dia 7 de maio, uma dupla de suspeitos morreu em uma troca de tiros com a PM. Na ocasião, um fuzil, drogas e uma moto foram apreendidos. Dois dias antes, o primeiro fuzil foi apreendido na região e uma viatura da PM chegou a ser atingida durante tiroteio.
No dia 3 de maio, um cidadão saindo de casa para trabalhar foi atingido na perna por uma bala perdida e na última quinta-feira, dia 16 de maio, um jovem de 24 anos foi encontrado esquartejado às margens da Avenida Aliomar Baleeiro, na altura do Pq. São Cristóvão.
A vítima, identificada como Thiago Tavares, era obreiro da igreja evangélica e sonhava em se formar em Tecnologia da Informação (TI). "[Não tiraram] só a vida de Thiago, tirou a de uma mãe e das pessoas que gostam de Thiago", disse a mãe do jovem, revoltada, em entrevista à TV Bahia.
Conforme análise de Maria Isabel Couto, diretora de Dados e Transparência do Instituto Fogo Cruzado, a guerra entre facções e a expansão da atuação desses grupos no estado é, de fato, um dos fatores que levam a essa onda de violência. A especialista destacou a ação de um grupo criminoso do Rio de Janeiro, que tem dominado territórios de Salvador.
“O que houve esse ano na localidade de Vila Verde é exemplar nesse sentido. Entre 1º de janeiro e 20 de maio registramos 3 tiroteios com 1 morto na localidade de Vila Verde em São Cristóvão. Em Vila Verde de Mussurunga, registramos 6 tiroteios com 4 mortos e 2 feridos, entre 1º de janeiro e 20 de maio. Vila Verde é fronteira entre os bairros de São Cristóvão e Mussurunga, isso ocorre por conta do nosso georreferenciamento”, analisa Maria Isabel.
Especialista critica métodos utilizados pela segurança do estado para lidar com a violência em Vila Verde
Apesar da atuação dos suspeitos ser um fator relevante, Maria Isabel destaca que a onda de violência em Vila Verde é causada por múltiplos fatores e que o método utilizado pelas organizações de segurança pública é ineficaz.
"Não há como ter resultados diferentes apostando nas mesmas soluções", começa. “O Governo da Bahia hoje falha na produção de dados sobre segurança pública e não é transparente na divulgação das informações que reúne. Mas falha também no desenvolvimento de uma política pública de segurança que foque na preservação da vida. Os estados, quando produzem e divulgam dados, produzem apenas informações sobre as estatísticas criminais, mas não produzem informações sobre as medidas aplicadas para entender e combater o crime. Com isso, não sabemos se as medidas são eficazes ou não”, pontua ela.
Um dos aspectos que apontam para essa falha é que a Bahia passou o estado do Rio de Janeiro no ranking nacional de letalidade policial, o que, para a diretora, enfatiza que essas ações não promovem paz e segurança. “Carecemos de políticas públicas eficientes e com foco na preservação da vida. Os exemplos de outras cidades, inclusive no exterior, são claros, para quebrar o ciclo da violência é preciso investigar os homicídios, coisa que se faz muito pouco no Brasil, atuar para a redução da violência policial e dos conflitos entre grupos armados”, enfatiza Maria Isabel.
“[A posição da Bahia no ranking de letalidade policial é] um exemplo bastante claro do que acontece quando políticas públicas não são baseadas em dados e evidências. E também do que acontece quando não há transparência, participação e controle social na elaboração, monitoramento e avaliação dessas políticas. Você tem os dados e análises mostrando uma direção e o investimento vai na contramão”, afirma.
Os impactos das trocas de tiros - sejam elas causadas pela rivalidade entre grupos criminosos ou entre suspeitos e policiais - na vida da população é inegável. Mesmo com a ocupação de Vila Verde pela PM, a sensação de insegurança constante levou moradores a abandonarem as próprias casas na região.
Ruas desertas, casas abertas, janelas e móveis quebrados e marcas de tiros nas paredes são aspectos que compõem o cenário de Vila Verde no momento. Em reportagem da TV Bahia, uma das donas das casas abandonadas contou que morava em Vila Verde há 28 anos, mas decidiu deixar a localidade.
"Eu sempre vivi bem aqui. Infelizmente, em nenhum lugar na Bahia a gente se sente seguro. Aliás, não é só aqui na Bahia, o mundo inteiro está assim", disse a ex-moradora. "Eu amo meu bairro, mas fazer o quê? Quem tem Deus tem que olhar para frente e seguir", lamentou a mulher, que caminhava segurando sacos com roupas e deixava o local.
Iamany Santos
Iamany Santos
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