Você já se deu conta de quantas horas o seu filho passa jogando em algum dispositivo eletrônico? "Saber se uma criança ou adolescente está dependente de jogos não é como identificar um alcoólatra. É mais complexo". Assim explica a médica Evelyn Eisenstein, professora associada de pediatria e clínica de adolescentes da faculdade de Ciências Médicas da UERJ.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu no último semestre a obsessão por videogames como um dos problemas de saúde mental que constam na 11ª Classificação Internacional de Doenças (CID). O órgão descreve a compulsão por jogos eletrônicos como um padrão de comportamento persistente ou recorrente podendo se tornar tão intenso que toma a preferência sobre outros interesses da vida.
Chamada de transtorno dos jogos eletrônicos (tradução livre de gaming disorder), a dependência em games, como em qualquer outra atividade, é explicada pela reação bioquímica do cérebro que libera um neurotransmissor chamado dopamina, que dá sensação de prazer, euforia e recompensa, fazendo o indivíduo sentir necessidade de descargas constantes da substância.
De acordo com o site da Organização Pan-Americana da Saúde, para que esse transtorno seja diagnosticado, o padrão de comportamento deve ser observado regularmente por pelo menos 12 meses e ser grave o bastante para prejudicar áreas como pessoal, familiar, social, educacional e profissional.
A doutora Evelyn explica que os sinais do transtorno dos jogos eletrônicos são progressivos, e é necessário observar precocemente:
— Eu atendi um adolescente que chegou no consultório desmaiado por não comer ou beber durante dois dias. Nós, médicos, vemos os casos extremos, e todos pensam “isso não vai acontecer comigo”. É algo progressivo. Começa como brincadeira, e depois fica difícil parar. No início gera transtorno de sono e distração. As questões mais graves aparecem depois: sedentarismo, irritabilidade, impaciência, não gostar de ser interrompido, baixa autoestima, frustração e intolerância. Tudo isso geralmente associado a outros transtornos como depressão ou transtorno obssessivo compulsivo (TOC). Essas alterações de humor e o isolamento também prejudicam a vida social — conta.
O Manual de Orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que o tempo de uso diário de tecnologia digital seja limitado e proporcional às idades e etapas do desenvolvimento cerebral, cognitivo e psicossocial das crianças e adolescentes. O documento, chamado Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital, estabelece que crianças menores de 6 anos precisam ser protegidas da violência virtual, pois não conseguem separar a fantasia da realidade.
Jacqueline Sobral, doutoranda em Educação pela PUC-Rio e professora do IBMR, considera que as crianças podem ser beneficiadas de algum modo pelos jogos, desde que sejam acompanhadas por adultos. Ela, que também faz parte do Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia da PUC-Rio (GRUPEM), entende que dizer se uma criança separa verdade de invenção considerando somente sua idade é algo superficial:
— A visão de que as crianças não são capazes de diferenciar a fantasia da realidade é determinista. É necessário considerar o contexto em que ela está inserida e analisar seu cotidiano. Tudo depende de como os adultos vão orientá-la. Não é só proteger ou privar. Eu sou contra restrição total de qualquer tecnologia, uma vez que a criança vê o uso dos dispositivos cada vez mais no dia a dia. No entanto, os pais devem ficar atentos à classificação indicativa, que é um instrumento importante para saber se determinado conteúdo tem elementos de violência, conotação sexual ou algum outro que seja inapropriado — explica a pesquisadora.
O Manual também indica que jogos com cenas de tiroteios, mortes ou desastres que dão pontos de recompensa não são apropriados em qualquer idade, pois ilustram a violência como uma forma para resolução de conflitos, que sem expor a dor ou sofrimento causado às vítimas, contribuem para o aumento da cultura de ódio e intolerância. Para amenizar o impacto dessas cenas, é necessário impor limites de horários, mediar o uso para ajudar na compreensão das imagens, e equilibrar as horas de jogos com atividades esportivas, brincadeiras e exercícios ao ar livre.
A médica Evelyn entende que existe algo bom nos jogos, mas que o benefício maior é das empresas que fabricam esse tipo de conteúdo:
— Entretenimento, modelo de negócio, ativação da memória e da curiosidade, dar bons reflexos e habilidades com os polegares são benefícios. Infelizmente, os aspectos negativos para quem joga se destacam. Além dos muitos transtornos, os temas são inapropriados em sua maioria. A indústria sabe o que vende. Coloca fases simples no começo e vai dificultando os jogos para que os consumidores queiram sempre mais. — comenta Evelyn, que é contra o uso precoce, prolongado e sem mediação dos games. — Não devemos usar a tecnologia como “chupeta digital”, mas impor desde cedo regras e horários para o uso. É preciso ter cuidado para não gerar uma dissociação cognitiva afetiva. Já é considerado problemático quando crianças e adolescentes passam cerca de cinco horas jogando, mas não começam a atividade com essa intenção. Tem sempre um "só um pouquinho" ou "mais meia hora"— adverte a doutora Evelyn.
Ainda de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde, o transtorno dos jogos eletrônicos afeta apenas um pequeno número de jogadores. Eles devem estar atentos ao tempo que gastam na atividade, principalmente quando prejudica outras tarefas diárias, a saúde física ou psicológica e a vida social.
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Redação iBahia
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