A proporção de brasileiros que afirmou planejar parar de fumar num prazo de seis meses (49%) é a maior registrada nos 28 países onde o novo levantamento do Projeto Internacional de Avaliação das Políticas de Controle do Tabaco (Projeto ITC) foi realizado e onde vivem dois terços dos fumantes do planeta. Aqui, principal motivação apontada para largar o vício (68%) foi a preocupação com a própria saúde, seguida de “dar exemplo para as crianças” (66%), da preocupação com os efeitos gerados pela fumaça na saúde de não fumantes próximos (51%) e do preço dos cigarros (50%).
- Houve uma mudança na aceitação social do ato de fumar, que era bem-visto e amplamente estimulado no Brasil entre as décadas de 1970 a 1990 – avalia Tânia Cavalcante, secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, tratado internacional proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1999 com uma série de iniciativas com o objetivo de reduzir e restringir o consumo de cigarros e outros produtos do tipo da qual o país é signatário.
A pesquisa, no entanto, também mostra que o Brasil ainda não conseguiu banir por completo a propaganda dos produtos como requer a Convenção-Quadro, o que pode dificultar as tentativas de parar de fumar dos viciados, além de continuar a trair novos consumidores, especialmente crianças e jovens. Aqui, apesar de a publicidade do tabaco ser proibida nos meios de comunicação desde 2000, ela ainda está presente nos pontos de venda na forma de iluminados, coloridos e atrativos displays, e a indústria tabagista pode realizar atividades promocionais e patrocinar eventos culturais e esportivos expondo suas marcas.
Assim, 32% dos fumantes brasileiros afirmaram terem notado “frequentemente” ou “muito frequentemente” coisas que os estimulam a fumar nos seis meses anteriores ao questionário, de longe a maior proporção registrada nos 28 países participantes do projeto, com o segundo lugar, a Holanda, alcançando apenas pouco mais da metade deste índice (17%). Diante disso, 72% dos fumantes brasileiros, e 86% dos não fumantes, apoiam a proibição total dos displays de cigarros nas lojas, muitas vezes instalados junto a doces e outras guloseimas, chamando a atenção também de crianças, criticam os autores da pesquisa.
E o combate à propaganda se faz ainda mais necessário diante do relativamente baixo impacto dos alertas sobre os malefícios do fumo impressos nos maços de cigarros. Ainda de acordo com a pesquisa, apenas 48% dos fumantes brasileiros relataram terem notado “frequentemente” ou “muito frequentemente” as advertências no mês anterior, e menos ainda, 36%, responderam que estes avisos os fizeram pensar “muito” sobre os riscos à saúde do tabagismo.
Nes os especialistas, também se faz urgente levar para a frente dos maços as imagens, muitas vezes chocantes, dos males e consequências do tabagismo. Em países que fizeram isso, como a Nova Zelândia, Ilhas Maurício e Tailândia, o nível de percepção destes alertas dispara para 71%, 80% e 83%, respectivamente.
- No Brasil, como a gente ainda não tem a proibição total da publicidade do tabaco, o maço e o display viraram o último esteio de marketing dos produtos da indústria do tabaco – destaca Vera Luiza da Costa e Silva, chefe do secretariado da Convenção-Quadro da OMS, para quem esta politica deve culminar com a implantação de embalagens padronizadas para os cigarros, eliminando os designs de marcas e deixando praticamente apenas as advertências e imagens associadas, o que também deverá ter um grande impacto no desenho dos próprios displays.
Já com relação ao apoio para que consigam parar, os fumantes brasileiros até ouvem bastante conselhos neste sentido na comparação com os de outros países, mas o suporte oficial não vai muito além disso. De acordo com o levantamento, 39% dos fumantes relataram ter visitado um médico nos seis meses anteriores, dos quais 67% (e 25% do total de fumantes) foram aconselhados por ele a parar de fumar. Mas enquanto 82% contaram ter recebido panfletos e outras publicações sobre como deixar de fumar, só 40% ouviram orientações de como realmente fazê-lo, 28% receberam indicações de procurar serviços especializados para tanto e 12% prescrições de medicamentos para parar de fumar.
- Nosso desafio é ampliar o acesso desses fumantes ao tratamento para deixar de fumar, que é uma das intervenções médicas mais efetivas em termos de custo – complementa Tânia.
Potenciais beneficiários destas políticas são pessoas como Thiago Freitas, que há oito anos tenta se livrar do cigarro. O assistente jurídico começou a fumar aos 20 anos e já aos 23 começaram suas tentativas - até hoje sem sucesso - de largar o vício. Além da dificuldade natural de resistir à tentação, Freitas relata que as propagandas nos bares e restaurantes são um gatilho para a vontade de fumar.
- Já tentei parar umas quatro vezes, já consegui ficar de 15 a 20 dias sem fumar, mas é muito difícil e quando você não consegue acaba perdendo a esperança. Não há mais tanta propaganda como antes, mas o mínimo que vemos quando entramos em um estabelecimento para comer já é muito chamativo e desperta a vontade de fumar. Quando estamos tentando parar, qualquer coisa relacionada ao cigarro desperta a vontade, até um maço jogado no chão - diz Freitas, que fuma dez cigarros por dia.
Pai de uma menina de 7 anos, ele conta que, além da questão de saúde e dos entraves ao convívio social trazidos pelo cigarro, o desejo de ser um exemplo para ela o faz querer abandonar o vício, embora já tenha falhado tantas vezes na tentativa:
- O cheiro incomoda as outras pessoas, a garganta fica muito irritada. Eu me sinto muito mal fumando. O cigarro toma meu tempo, deixo de fazer coisas importantes por causa dele. Às vezes estou fazendo um trabalho, saio para fumar e quando volto perdi a concentração. Minha filha sente o cheiro do cigarro em mim, pede para eu parar de fumar, porque ela não quer que eu morra. Isso me abate mais ainda. Você vê que é um escravo do vício.
Por fim, outro dado curioso da pesquisa do Projeto ITC é que mesmo entre os fumantes é forte o apoio a uma eventual proibição total da venda de produtos de tabaco. Apesar de não prevista na Convenção-Quadro nem contemplada pelos especialistas por considerarem que o proibicionismo apenas vai transferir do mercado formal para o ilegal a comercialização, assim como acontece com várias drogas ilícitas, a medida é defendida por 68% dos fumantes.
- Vejo este número mais como um grito de socorro do próprio fumante, um chamado por ajuda de fora para dentro para largar o vício já que, como todo dependente, ele encontra muitas dificuldades para fazer isso sozinho – avalia Ana Cristina Pinho Mendes Pereira, diretora-geral do Inca.
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Redação iBahia
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