Antes do movimento da Jovem Guarda invadir o Brasil e revelar ídolos como Erasmo e Roberto Carlos, o Rock’n Roll brasileiro já tinha ídolos absolutos, com destaque para Celly e Tony Campelo e, claro, Carlos Gonzaga que brilhou nas rádios e programas de TV entre os 1956 e 1963. O artista saiu de cena sexta-feira, dia 25 de agosto, aos 99 ou 100 anos. De acordo com a família, há controvérsias com relação ao ano do seu nascimento.
Negro e pobre, não foi fácil para Carlos Gonzaga chegar ao topo do sucesso. Quando criança carregava malas de viajantes em sua cidade natal, Paraisópolis (MG), já cantarolando sucessos da época e impressionando a todos pela sua afinação e inteligência ao conhecer todas as músicas que eram sucesso nas rádios na época. Ele buscava conhecer os sucessos para agradar aos seus clientes, que sempre dava uma gorjeta a mais pelo show particular.
Leia também:
Quando resolveu deixar sua terra e se aventurar em São Paulo (SP) passou dois anos cantando em programas de calouros até ser o grande vencedor de um concurso, ainda com o nome de José Gonzaga, na Rádio Bandeirantes, sendo contratado pela rádio para ser atração fixa por seis meses.
Após esse período, vence novo concurso e é contratado pela Rádio Piratininga, onde cantava de boleros a sambas e músicas românticas. Mas, mesmo fazendo sucesso no rádio e começando já a conquistar um grande número de fãs, o artista precisava trabalhar também em uma fábrica de pratarias para complementar sua renda.
Após gravar alguns discos em 78 rotações, foi entre 1957 e 1958 que gravou a música que o consagrou e é sucesso cantado e regravado até hoje: "Diana", versão de Fred Jorge para um sucesso de Paul Anka. A canção foi um marco na história do rock nacional. "Oh! Carol", outra versão de Fred Jorge, dessa vez para a música de Greenfiel e Sedaka, foi outro grande sucesso do artista.
A mudança de nome, de José para Carlos Gonzaga, veio de sugestão recebida pela sua gravadora, a RCA Victor, onde ficou por vinte anos, que pedia a mudança para evitar confusão com o nome de outro artista: José Gonzaga, ou Zé Gonzaga, irmão do Rei do Baião. Além disso, a sonoridade era próxima ao nome de outra grande artista: a cantora Zezé Gonzaga.
Carlos Gonzaga também foi sucesso no cinema, atuando em filmes como "Dorinha Soçaite" (1957) e "Virou Bagunça" ( 1960), tendo atuado ao lado de artistas como Emilinha Borba e Zezé Macedo. Durante sua trajetória, que incluiu apresentação de sucesso no Festival de San Remo, na Itália, também ganhou diversos prêmios, com destaque para o troféu Roquette Pinto.
Podemos dizer que Carlos Gonzaga foi um artista das grandes versões. Além de "Diana" e "Oh! Carol", fez sucesso também com "Só Você" (Only You), "Quero te Dizer" (It’s Not for Me to Say), "Meu Fingimento" (The Great Pretender) e "Passeando na Chuva" (Just Walking in The Rain).
Isso acabou prejudicando sua carreira nos anos 1960, com a invasão da Jovem Guarda que modernizou os ritmos estrangeiros, mas priorizava um repertório mais autoral dos seus intérpretes. Sua carreira entrou em declínio e ele perdeu o contrato com a RCA Victor. Somente em 1976, com a música "Diana" na trilha sonora da novela "Estúpido Cupido", de Mário Prata, ele volta a ser destaque no cenário musical brasileiro.
Mesmo fora da grande mídia, Carlos Gonzaga continuou fazendo apresentações pelo Brasil, levando sua música a uma legião de fãs que acumulou ao longo de sua carreira. Na TV, esporadicamente, aparecia no Programa Silvio Santos ou Raul Gil.
Carlos Gonzaga sai de cena deixando uma grande contribuição para a história do rock brasileiro e nos deixa uma grande lição: é preciso estar cercado por grandes gestores, assessores pensadores que não pensem em explorar apenas o que um dia esteve no topo do sucesso. É necessário ter uma estratégia que possa explorar o potencial do artista em todas as suas dimensões, assim como fazem artistas como Ney Matogrosso e Maria Bethânia.
Vida longa ao legado e ao trabalho de Carlos Gonzaga.
* Colaboração voluntária de Carlos Leal (Jornalista, escritor e pesquisador musical)