Honrar a ancestralidade afro-indígena é o que motiva o músico, pesquisador e multi-artista Luiz Guimarães, conhecido como Caboclo de Cobre, a desenvolver projetos. O artista nascido na cidade de Itajuípe, no sul da Bahia, é uma das mentes por trás de coletivos como o Ybytu-Emi e o Cabokaji, que lançaram álbuns em 2021, com boa repercussão junto à crítica.
Ambos os trabalhos foram realizados na forma de "quilombos musicais", ou "ajuntamentos", em parceria com outros artistas, como o cantor e compositor ISSA e o guitarrista Mayale Pitanga. Em entrevista ao Mundo GFM, Caboclo de Cobre explica que o conceito de "quilombo musical" afro-indígena busca traduzir na arte algo que nem sempre é lembrado quando se fala de ancestralidade: as histórias dos povos indígenas e africanos estão entrelaçadas.
Leia também:
"Esse aquilombamento afro-indígena é muito sobre uma perspectiva natural, é nossa história. Se você chega em um quilombo e pergunta 'quem aí é descendente de indígena?', 90 a 100% das pessoas vão levantar a mão. Não existe quilombo sem aldeia. Quando a gente começa a assumir esses pontos, surge o Ybytu-Emi. E o Cabokaji é um pensamento mais evoluído no sentido de abraçar a comunidade indígena e o indígena que existe em cada um de nós. Ele vem com o compromisso de trazer para dançar, para sorrir, vencer as dores, mas fazer com que a gente se reconheça", explica.
Além dos trabalhos coletivos, no entanto, Caboclo de Cobre também tem álbuns individuais. Em 2019, o artista lançou "Primeira Flecha", sucedido por "Segunda Flecha", no ano seguinte. Ambos os discos estão disponíveis nas plataformas digitais.
"O Cabokaji tem muito o sentimento da minha pesquisa individual, enquanto o Ybytu-Emi é o mergulho de Caboclo de Cobre sobre o entendimento do que é brasilidade. Mas Primeira Flecha e Segunda Flecha são os lugares substanciais para o entendimento de quem eu sou, que vão desembocar no que vem depois. Nesses dois primeiros álbuns eu tive a oportunidade de colocar para fora minhas dores, minhas raivas, as violências sofridas. Aquilo ali dá uma substância histórica enquanto formação de brasilidade que eu utilizo de forma pessoal, mas é a história de muita gente no Brasil", pontua.
Segundo o artista, os trabalhos solo o levaram a fazer parte da galeria de artistas do Museu Cidade da Música da Bahia: "Eu estou lá como um dos poucos pesquisadores indígenas a serem citados dentro da história da música da Bahia, o que acaba sendo muito triste porque afoxé não existe sem cultura indígena. A cultura que a gente diz ser africana aqui no Brasil não existe sem cultura indígena".
Brasil sem raiz
O apagamento dos povos indígenas nas reflexões sobre a formação do Brasil e da Bahia é um tema que marca forte presença na obra de Caboclo de Cobre. Para o multi-artista, o povo não terá plena consciência de suas origens enquanto não se dedicar a entender a força dessa herança.
"Assim como o negro no Brasil teve o cerceamento de suas crenças, de sua cultura, seu universo, o indígena também teve. Quando a gente fala de formação do Brasil, a gente esquece muito de pensar na raiz, a gente pensa nas folhas. A gente estuda um Brasil sem raiz, porque a gente não fala dos indígenas escravizados. Todos os povos em estado de vulnerabilidade e miséria no Brasil têm traços indígenas", disse.
"A gente costuma não observar nossa raiz dentro da perspectiva histórica, política, social e cultural. O baiano tem o costume de cultuar uma árvore somente pela metade: ressalta a consciência negra, mas não considera a herança indígena", reflete Caboclo.
Questionado sobre os avanços em relação à representatividade indígena, Caboclo de Cobre considera que os jovens as gerações futuras tendem a respeitar mais os povos originários, sem recorrer a visões estereotipadas.
Entretanto, segundo ele, ainda há um longo caminho a ser percorrido: "As crianças, como estão conectadas às redes, elas já falam o termo indígena, mas os professores falam 'índio'. Ainda estamos formando quem vai formar e estamos relevando racismo dos próprios amigos. A gente está numa fase muito inicial. Acho que falta generosidade para o nosso olhar enquanto indígenas, principalmente nesse ambiente de capital, onde as coisas se fazem circular com mais velocidade", destaca.
"A sociedade como um todo ainda nem entende quem somos nós, querem nos colocar dentro da mata, pelado e com cocar na cabeça, porque é só assim que enxergam a gente. Perguntam se eu sou índio de verdade porque tenho celular, porque tenho moto, porque moro na cidade", concluiu.