Feliz do país que tem um representante na música como João Donato, idolatrado e parceiro de grandes artistas, a exemplo de Joyce Moreno, Gal Costa, Gilberto Gil, Tulipa Ruiz e Caetano Velloso. Que pena, um grande representante da boa Música Popular Brasileira (MPB) que nos deixa nessa segunda feira 17 de julho de 2023. João conhecia cada cantinho desse país, começando pela sua terra natal, Rio Branco, no Acre. O amor de Donato pela música vem de muito cedo. Ele costumava contar em entrevistas que já criança, ganhou um acordem de papel e dali já saiu tocando o que conhecia: Ciranda Cirandinha era uma delas. As pessoas se impressionaram com que ouviam, e começaram a lhe presentear com instrumentos melhores.
Prematuro, aos oito anos compôs sua primeira peça, uma valsa intitulada Lili. João era bom de ouvido, tudo que aprendera até ali veio de observar a irmã Eneida ao piano e as apresentações da Banda Militar. Mas foi no ano de 1945, aos 11 anos, quando seu pai foi com a família morar no Rio de Janeiro, então capital federal, e João já com habilidades com o acordeom de 120 baixos, que o menino começou a se destacar, cantando em festinhas e bailes de colégios.
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Aos 15 anos já era um grande profissional e conhecido no circuito musical. Era a glória para um adolescente quase recém-chegado do Acre participar de Jam Sessions que aconteciam em casa do cantor Dick Farney, das quais participavam nomes como Jô Soares, Jhonny Alf, Paulo Moura e Nora Ney. Mas o sonho de Donato era ser piloto da aeronáutica, sonho abortado pelo fato de ser daltônico. Seria cruel dizer que isso foi para nossa sorte? O fato é que, a partir daí, João compôs pérolas coloridas que somente ela podia identificar e nomear.
Do acordeom para o Piano, Donato encontrou um novo talento. Nascia aí, primeiro o grupo Donato e Seu Conjunto e depois Donato Trio e o Grupo Os Namorados. E sua estreia em disco? Ocorreu em 1956 em um LP com o título de Chá Dançante e teve direção musical de um rapaz estreante e desconhecido, chamado Tom Jobim. A história de Donato convergia sempre para a qualidade, para as boas parcerias. Enfim, dois anos depois vem a parceria com João Gilberto, eles gravam Minha Saudade e Mambinho. A Bossa Nova, que teve João Donato como grande expoente, se fortalece e conquista o mundo.
Mas João Donato queria mais, foi aí que decidiu partir para os Estados Unidos. Lá, se apresentou principalmente em Cassinos e se aproxima também da música caribenha e do jazz, integrando importantes orquestras a exemplo da Cal Tjader, Mongo Santamaría, Tito Puente e Johnny Martinez. Em paralelo, era o músico que João Gilberto não dispensava em suas tournées pela Europa.
No início dos anos 60 com a popularidade cada vez maior da Bossa Nova, o nome de João Donato passa a ser referência. Nesse período lança duas pérolas: os LPS Muito à Vontade (1962) e a Bossa Muito Moderna de João Donato (1963). No final da década, o músico decide voltar para os Estados Unidos, onde possuía grande prestígio, passando a trabalhar com artistas como Chet Baker, Nelson Riddle, Herbie Mann e Bud Shank. Foi Donato, ao lado de Tom Jobim, Almir Deodato e João Gilberto que ajudaram a popularizar a música brasileira no exterior, reverenciada até hoje.
Em 1970 João dá uma virada em sua carreira e começa a colocar letras em suas canções instrumentais, nasce aí grandes parcerias, a exemplo de Caetano Velloso (A Râ), Chico Buarque (Cadê Você), Angela Rorô (Simples Carinho), Adriana Calcanhoto (Naquela Estação) Cazuza (Doralinda) e Gilberto Gil (Lugar Comum). Depois dessa fase, somente em 1996 o artista lança novo trabalho: o álbum Coisas Tão Simples. Em 2017, mais moderno, lança ao lado do filho Donatinho um trabalho com sintetizadores, reverenciado pela crítica e por artistas, mostrando que era um artista aberto a todas as possibilidades
Em 2005 lança um DVD intitulado Donatural, mostrando toda sua versatilidade. Bem acompanhado, o trabalho traz Joyce Moreno, Leila Pinheiro, Marcelo D2 e DJ Marcelinho da Lua como convidados. Um dos seus trabalhos mais recentes foi com a moderna cantora Tulipa Ruiz. O EP com duas músicas, Gravidade zero (primeira parceria de Donato com Tulipa) e Manjericão (composição de Tulipa com o irmão Gustavo Ruiz gravada com a adesão do rapper Edgar). O trabalho deu origem a um show que circulou por algumas cidades do Brasil, inclusive Salvador. Donato também recebeu inúmeras homenagens, dentre elas, o Grammy Latino (2010), na categoria de excelência musical e o Prêmio da Música Brasileira (2018) na categoria de melhor álbum eletrônico.
Segue em paz, João. Por aqui, sua música continuará viva a nos encantar.
* Colaboração voluntária de Carlos Leal (Jornalista, escritor e pesquisador musical)