Mistura de técnica, leveza, sensibilidade, dedicação e apuradíssima precisão na escolha de canções para compor trabalhos e repertórios. A arte de reinventar as músicas dando a elas a sua personalidade e alma, parecendo ter operado o milagre de fazê-las “reencarnarem ao seu jeito”. Uma técnica de interpretar que em alguns momentos remete à linguagem teatral, com gestos, olhares, presença plena de palco. Certamente uma influência direta do irmão, José Possi Netto, um mestre quando o assunto é teatro. Tudo isso é uma tentativa de fazer um esboço, um desenho da grande intérprete Zizi Possi.
A aniversariante desse 28 de março é uma paulistana de sangue italiano, ariana, de convicções budistas, o que lhe dá um equilíbrio entre a explosão e a meditação. Nascida em 1956, ela morou em Salvador na juventude, no final dos anos 70 e início dos anos 80, vivendo em um verdadeiro caldeirão que inclui a Escola de Música da UFBA, os encontros e papos com a turma jovem no Teatro Castro Alves e no Vila Velha, a efervescência de uma cidade musical e o curso de teatro do irmão. A garota foi ganhando, assim, os componentes necessários para colocar adiante o seu nome entre as grandes cantoras do Brasil.
Leia também:
Na época em que tocar no rádio e nos programas de auditório da TV e ter clipe no ‘Fantástico’ eram garantias absolutas de sucesso para qualquer artistas, Zizi passou por essas etapas, “brincando”, tendo o destino como seu cúmplice para o tão sonhado sucesso. A artista contou com um padrinho de peso: ninguém menos do que Chico Buarque, com quem fez dueto em “Pedaço de Mim”, incluída no disco e no especial do cantor para a Rede Bandeirantes em 1978.
No entanto, Zizi explodiu mesmo para o estrelato nacional em 1982, com “Asa Morena”. Na sequência, outros hits, como “Perigo”, “Noite”, “A Paz” e “Caminhos do Sol”. Ela ainda trouxe novo brilho a grandes canções já interpretadas por outros artistas, como “Jura secreta” (Simone), “Dê um rolê” (Novos Baianos), “Luz e mistério” (Beto Guedes), “Como uma onda” e “Tempos Modernos” (Lulu Santos), “Papel Machê” (João Bôsco), “Meu Erro” (Paralamas) e muitas outras.
Em 1991, uma grande virada na vida e no rumo da carreira já vitoriosa: a gravação, pela Eldorado, do álbum "Sobre todas as coisas", onde ao lado de músicos de grande talento e competência, como Marcos Suzano e Jetter Garotti, deu a clássicos da música uma roupagem intimista. Não tinha como dar errado. Músicos de primeira, cantora de excelência e compositores como Chico, Gil, Gonzaguinha, Dominguinhos, João Bôsco. Por pouco não ganhou o Prêmio Sharp 1991, na categoria melhor disco. Ficou com o segundo lugar, perdendo para o songbook de Noel Rosa lançado naquele ano.
Mais tarde, outra virada e mais sucesso: o desejo de gravar em italiano. Indo a fundo nas suas raízes napolitanas, Zizi registrou belíssimas canções, como “Per Amore” e “Aurora”. Era de novo o poder de interpretar reinventando, ao seu modo, grandes canções. Agora, ela contava com o reconhecimento do público e da crítica, e tinha chegado ao patamar das grandes intérpretes da nossa música.
Zizi tem sido, ao longo da carreira, uma metamorfose. Uma artista com o surpreendente efeito de amadurecer burilando e melhorando o que sempre foi bom nessas transformações. Zizi, dona de uma voz limpa, cristalina, suave, é um presente para nós, dado pelos deuses da música.