O ano era 1985 e o Brasil passava a conhecer Luiz Caldas através do seu hit Fricote (Luiz Caldas e Paulinho Camafeu), mas, para além do LP Magia, que deu projeção ao “pai” da axé music, mulheres já estavam na estrada e muitas tornaram-se ícones na música baiana.
Embora tenha sido de fases anteriores à explosão da axé music, não dá para esquecer que, antes, sucessos como Frevo Mulher (Zé Ramalho) interpretado por Amelinha em 1979 e O Mistério das Estrelas (Missinho) e Mensageiro da Alegria (Gerônimo), ambas gravadas em 1984 por Diana Pequeno, baiana de Feira de Santana, já levava os foliões à loucura.
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Lane Helena, pouco lembrada por quem pesquisa a música baiana, foi outra que fez muito sucesso no início dos anos 80 com a música Levada do Padre (Pardal). O sucesso de Lane já dava sinais que alguma coisa nova estava por vir. Isso, claro, se não pensarmos em Baby Consuelo (Atual Baby do Brasil) no Novos Baianos e Gal Costa, artistas já aclamadas na folia baiana. Lane nos deixou cedo, ainda nos anos 80, ficando sua arte que ainda precisa ser mais difundida.
Antes mesmo de falarmos em Sarajane, “mãe” da axé music e primeira mulher a fazer sucesso nacionalmente com a nova música baiana, é importante lembrar de Laurinha Arantes, cantora da Banda Pimenta de Cheiro, posteriormente Cheiro de Amor, que foi a primeira mulher a puxar um bloco de carnaval em Salvador. Há sempre uma questão: afinal, foi Laurinha ou Baby Consuelo a primeira mulher a cantar em um trio elétrico? É muito simples: Baby foi a primeira mulher a cantar em Trio Elétrico e Laurinha a primeira a puxar um bloco no carnaval baiano.
Em entrevista ao Programa Papos Biográficos (@oficialcarlosleal), Laurinha contou que a mulher ficava sempre atrás, como back vocal, não aparecia, até que um dia ela “retou”, pegou o microfone, foi para a frente da banda e passou a dar comandos do tipo: jogue as mãos para cima, ou todos agachados... nascia ali o ícone Laurinha Arantes e um estilo que tornou-se marca no carnaval baiano.
A artista também cantou no Grupo Novos Bárbaros, substituindo Sarajane, lançou entre 1983 e 1984 o LP Laurinha, cuja música Pipoca Louca (Zelito Miranda e Helson Hart) é tocada até hoje nos eventos carnavalescos e tornou-se apelido carinhoso pelo qual muitos ainda se referem a artista.
Por falar nas bandas Novos Bárbaros e Cheiro de Amor, na história da axé music são das que mais tiveram vocalistas femininas, embora algumas vezes dividindo vocais com cantores. Novos Bárbaros, por exemplo, além de Laurinha e Sarajane, teve outra grande artista como vocalista: Simone Moreno, que atualmente mora na Suécia e continua cantando muito.
Já a Banda Cheiro de Amor, onde Laurinha foi pioneira, já contou com grandes cantoras como Márcia Freire, de 1985 a 1995 e de 2000 a 2002; Carla Visi de 1996 a 2000; Alinne Rosa de 2001 a 2013 e Vina Calmon que chegou ao Cheiro em 2014 e continua no grupo até hoje.
TALENTO PARA QUALQUER ESTILO
Após a saída da Banda Cheiro de Amor, a cantora Carla Visi, filha, neta e sobrinha de artistas, teve uma carreira promissora sem se render ao que o mercada passava a impor para vender abadás. Atualmente Doutoranda na Universidade Nova de Lisboa (Portugal), a artista continua com seu trabalho de qualidade e possui dois álbuns solo que ainda fazem grande sucesso: Carla VisiTa Gilberto Gil (2001), onde interpreta canções do Mestre Gil e Pura Claridade (2013), apenas com canções gravadas pela mineira Clara Nunes. Salve Carla Visi e seu talento ímpar.
O AXÉ INVADE O BRASIL
Mas vamos ao estouro que foi a axé music a partir de 1985. Luiz Caldas já era sucesso nacional com várias músicas do LP Magia tocando nas rádio e programas de TV de todo o Brasil. Eis que Chacrinha, o Velho Guerreiro, vem com sua caravana para uma apresentação em Nazaré das Farinhas (BA) e conhece Sarajane. Estava dada a largada para o sucesso estrondoso da artista que sacudiu (e sacode) o Brasil, isso em 1986, quando Sarajane tinha apenas 18 anos. Aliás, para quem não sabe, Sarajane é irmã de Simone Moreno.
Ao contrário do que muitos pensam, A Roda (Alfredo Moura, Robson de Jesus e Sarajane) não está no primeiro disco de Sarajane. Antes, ela lançou o LP Rio de Leite, onde aparece morena na capa e emplacou na Bahia e em algumas capitais do Nordeste músicas como Merengue deboche (Oswaldo e Missinho) e Cadê meu coco (Carlinhos Brown). O hit A Roda e também Vale (Carlinhos Brown e Paulinho Camafeu) fazem parte do LP História do Brasil, lançado em 1987. O álbum possui uma das mais belas capas já produzidas na história da axé music, onde Sarajane presta uma homenagem a Maria Felipa, mulher que em 1822 liderou um grupo de 200 pessoas, entre mulheres negras, índios tupinambás e tapuias nas batalhas contra os portugueses que atacavam a Ilha de Itaparica.
Não deu outra: com o apoio de Chacrinha e a artista fazendo praticamente todos os programas de TV exibidos nacionalmente, inclusive com videoclipe no programa Fantástico (Rede Globo), o LP vendeu cerca de 800 mil cópias, lhe rendendo disco de platina. Com o sucesso estrondoso a artista chegou a posar em 1990 para a revista Playboy.
BANDA MEL
Impossível falar da mulher na história da axé music sem citar Janete e Jaciara Dantas, vocalistas da primeira formação da Banda Mel. Formada em 1984, tendo também o cantor Book Jones como vocalista, a banda lança seu primeiro LP em 1987 e já emplaca sucessos como Faraó Divindade do Egito (Luciano Gomes), Africa do Sul (Valter Farias, Adailton Santana e Boook) e Ladeira do Pelô (Betão).
Essa foi, sem dúvida, a melhor e mais marcante formação da Banda Mel. O talento das duas vocalistas aliados aos seus figurinos e coreografias nos aproximavam de pessoas comuns. Eram mulheres baianas, com suas gingas, vozes marcantes e simplicidade que estavam ali a serviço da boa música. Vale lembrar que em 1997 a música Faraó divindade do Egito, também foi gravada por Margareth Menezes e Djalma de Oliveira.
A partir daí Margareth tornou-se referência musical em todo o mundo, com álbuns como Margareth Menezes (1988), Um Canto Para Subir (1990), Elegibô (1990) e Kindala (1991). Voltando a falar em Banda Mel, um salve para Janete Dantas, estrela de primeira grandeza, e para Jaciara Dantas, que já não está mais entre nos mas deixou sua arte eternizada.
BANDA REFLEXUS
Mas os talentos baianos surgiam a cada instante. Em 1987 chega ao mercado fonográfico o LP Reflexu’s da Mãe África, da Banda Reflexus que, além dos talentos de Julinho Cavalcanti e Markinhos trazia uma das maiores cantoras já surgidas na Bahia até hoje: Marinez. A banda logo conquistou Chacrinha e era presença constante nos seus programas.
A música Madagascar Olodum (Rey Zulu) e Canto para o Senegal (Ythamar Tropicália e Valmir Brito) tornaram-se sucessos absolutos, fazendo com que o álbum alcançasse a marca de 800 mil cópias vendidas. Ainda hoje, Marinez, atualmente com o nome artístico de Marinez de Jesus, é uma das maiores cantoras do Brasil. Ouso dizer que, na minha humilde experiência como pesquisador e apreciador da boa música, sua voz só se compara a outra grande artista baiana: Virginia Rodrigues.
Ainda sobre a Banda Reflexus, que tinha Marinez como uma figura emblemática, vale destacar que ela foi a primeira banda baiana a se apresentar no Canecão, uma das casas de shows mais famosas do país. Eles conquistaram cinco discos de ouro, seis de platina e um de diamante, além de fazer sucesso fora do Brasil, em países como a Venezuela, Canadá e França.
DANIELA MERCURY
A partir daí foram surgindo outras grandes artistas, muitas orientadas por empresários a imitarem cantoras que já eram sucesso. A maioria não sobreviveu. Dentre as que surgiram e se firmaram como grandes cantoras podemos citar o furacão Daniela Mercury, ex-vocalista da Banda Cia Clic, que com seus três primeiros discos já mostrou a que veio: Daniela Mercury (1991), O Canto da Cidade (1992) e Música de Rua (1994). Ainda hoje Daniela é uma das artistas mais inteligentes e politizadas da nossa música. Outra curiosidade é que na Cia Clic, Daniela foi substituída em 1990 por Carla Visi, que posteriormente substituiu Márcia Freire no Cheiro de Amor.
Outras grandes artistas que contribuíram para o sucesso na axé music foram Cátia Guimma, ex vocalista, ao lado de Leco Maia, da banda Patrulha, que emplacou o sucesso Crina Negra (Robertinho do Recife). No final da década de 1990 surge As Meninas, uma banda só de mulheres, lideradas por Carla Cristina, emplacando o sucesso Xibom Bombom (Rogério Gaspar e Weslay Rangel), no ano seguinte, Gil , atual Gilmelândia, surge como vocalista da Banda Beijo já emplacando o sucesso Peraê (Marquinhos Carvalho, Sissy de Mello e Lala Carvalho). Por falar em As Meninas, com a saída de Carla Cristina para carreira solo, os vocais da banda são assumidos em 2002 pela talentosa Flaviana Fernandes, que já vinha da Banda Papa Léguas. Flaviana fica somente até 2006, quando a banda contrata nova vocalista: Taty Mell. Por falar em Papa Léguas, poucos sabem, mas por ela passaram artistas como Nalanda e Mariene de Castro.
IVETE SANGALO
Mas não dá para finalizar um texto sobre axé music sem citar Ivete Sangalo, que gravou seu primeiro disco com a Banda Eva em 1993, ficando no grupo até 1998. De lá para cá, a artista tornou-se um dos maiores sucessos brasileiros de todos os tempos. Atualmente Ivete está em turnê comemorando seus 30 anos de carreira.
Ao longo desses 30 anos, Ivete recebeu mais de 600 indicações a prêmios importantes, tendo vencido quase 500, tornando-se uma das cantoras mais premiadas do mundo. A largada foi em 1992, quando conquistou o Troféu Caymmi de melhor intérprete. Esse prêmio, organizado por Marilda Santanna e Tuca de Moraes, é considerado o Grammy da música baiana. Em 1999, por seu álbum de estreia em carreira solo, recebeu o prêmio Prêmio Multishow de melhor cantora. Em 2005, recebeu o Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Música de Raízes Brasileiras. Ivete tem ainda sete Troféus Imprensa, sendo a recordista neste prêmio, e também é a cantora com mais indicações.
Difícil demais falar sobre a contribuição da mulher para a história e sucesso da axé music. Sei que não dá para falar de todas, tem tanta gente importante: Patricia Gomes, Amanda Santiago, Wil Carvalho, Alobened, Katê, Carla Lis, Viviane Tripodi, Mari Antunes, Cláudia Leite... viva a voz feminina na música baiana. Viva o Dia Internacional da Mulher.