O português Valter Hugo Mãe, 44 anos, é uma das maiores revelações entre os escritores de língua portuguesa de sua geração. Autor de obras como a máquina de fazer espanhóis (assim mesmo, em minúsculas), com o qual venceu o Prêmio Portugal Telecom, em 2012, o escritor estará em Salvador nesta segunda-feira (5) para participar como conferencista do Fronteiras do Pensamento, no TCA, às 20h30. O evento é patrocinado pela Braskem, com apoio da Rede Bahia e da Unijorge. Considerado por José Saramago um “tsunami literário”, Hugo Mãe é autor também de o nosso reino, o remorso de baltazar serapião e o apocalipse dos trabalhadores. “As minúsculas aludem à igualdade. Por outro lado, remetem para a limpeza e para a natureza do pensamento, que é onde radica o verdadeiro texto”, justifica o autor. Nesta conversa com o CORREIO, o português, que já participou de conferências em São Paulo, Rio e Porto Alegre, fala sobre as expectativas de sua primeira vinda a Salvador, Jorge Amado e as perspectivas da literatura em tempos que concorre com a internet: “Sempre se anunciou a desgraça dos livros. Em nenhuma geração se pouparam críticas a quem não lê. Quem não lê corre muito o risco de emburrecer”. É a primeira vez que você vem à Bahia. O que espera deste encontro com os baianos e o que prepara para a conferência? A Bahia é um dos últimos lugares impressionantes e mitológicos do Brasil que eu não conheço. Sei que as pessoas estão esperando pela conferência, mas a sensação que tenho é de que é mais para mim que para o público. Mas é meu egoísmo, coisa de menino que não vai dar para conter (risos). Já estive no Fronteiras do Pensamento para três conversas em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre e sempre há pensadores que admiro muito. Mesmo não tendo conhecido a Bahia, qual a imagem que você tem do estado? A literatura de Jorge Amado contribuiu para a sua imaginação? Jorge Amado foi uma figura que se popularizou em Portugal e talvez ele tenha sido o brasileiro que mais marcou Portugal. Tenho, além dessas referências, a música de Caetano Veloso e Maria Bethânia. Todos dizem que a Bahia é o Brasil mais preservado, mais real. E tenho muita expectativa nisso, em ver o Brasil mesclado, que mistura a interferência europeia que chegou ao território, mas preservou o que já existia. Estou um pouco cansado da cultura europeia, mas quero ver essa perduração que ficou na Bahia. E, com o Brasil, estou habituado a gostar mais que esperava. O seu romance O Filho de Mil Homens trata, entre outros assuntos, de preconceito. Você se sentiu discriminado em algum momento da vida? Creio que todos nos sentimos preteridos em algum momento da vida. Nunca passei por situações de preconceito. Mas imagino-as e abomino muito. Talvez tenha sentido, em alguns eventos internacionais, um certo desinteresse por não ser um autor de algum país de moda, por não ser atlético, por não ser mais integrado ou padronizado. Já me disseram, com toda a honestidade, que eu não faria sucesso porque não tenho uma beleza física assinalável. Os consumidores relacionam-se sempre com modelos ideais, tendencialmente rejeitam a realidade ou, pior, alguma experiência mais difícil. Não me preocupo muito com isso. Os meus leitores não são idiotas. Não ficam medindo minha beleza para curtirem um livro. Não sou um plástico bonito. Sou o que posso e consigo ser. Pelo menos dois livros seus são protagonizados por crianças. Tem atração especial por elas? Elas são símbolos da regeneração possível, assim como podem revelar o que se parece tornar essência da humanidade. Nessa perspectiva, se tornam as personagens riquíssimas que me impressionam. Você é usuário habitual do Instagram e já disse que ele é o seu diário. Tem interesse por redes sociais? E como surgiu o interesse em fotografar? Não posso demorar muito nas redes sociais. Gosto do Instagram porque é rápido, não gera tanta pergunta. A gente vê e fica a comunicação consumada. Tenho cada vez maior dificuldade em responder. Aliás, é impossível que o faça. Fotografo sem compromisso. Os telefones de hoje criaram essa relação. São câmaras sempre à mão que convidam a que façamos um registro permanente daquilo que encontramos. Muito se diz que a internet vai criar leitores dispersos, que dificilmente voltarão suas ações para um romance completo e eventualmente mais longo. Qual sua impressão sobre isso? Sempre se anunciou a desgraça dos livros. Em nenhuma geração se pouparam críticas a quem não lê. Quem não lê corre muito o risco de emburrecer. Mas não podemos ficar obstinados com estatísticas. A arte é para sensibilidades preparadas, talvez não esteja destinada a ser consensual. Tem acompanhado a literatura brasileira? O que tem lhe chamado a atenção? Acompanho como posso. Estou muito convencido de que Noemi Jaffe é um tesouro da língua e da literatura em português. Procuro conhecer a nova poesia, coisa difícil. As edições mais aliciantes são alternativas, meio difíceis de encontrar. As nações de língua portuguesa deveriam promover mais integração entre elas ou acha que essa integração já acontece? Acha que o Brasil é receptivo à cultura portuguesa? Claro que espero que os países com a mesma expressão não se afastem ao ponto de perderem identidades comuns e a possibilidade de entendimento. É belíssimo que falemos uma mesma língua e mais incrível será se soubermos manter uma cuidada irmandade. Há muito que nos une, um passado que não nos deve separar mas, ao invés, tornar mais fortes, lúcidos, capazes de melhorar sempre. Acha que o Brasil é receptivo à cultura portuguesa? Não sei se o Brasil é particularmente receptivo à cultura portuguesa. Não é possível generalizar um sentimento. Há algum carinho, tanta gente tem origem ainda muito próxima dos portugueses, mas parece-me que uma grande maioria da população não tem uma ideia muito concreta de Portugal, que vê como um lugar atrasado e pequeno. Sendo um país pequeno, Portugal é o mais avançado no mundo na utilização da internet em serviços públicos; inventor de algumas das mais sofisticadas soluções para o trânsito; detentor do maior e mais avançado número de telefones móveis de toda a Europa; detentor do mais renovado parque automóvel da Europa. As muito antigas cidades de Lisboa e do Porto são das mais procuradas hoje. Acho muito importante acabar com essa notícia de que Portugal é um país falhado, porque não é. É um país apanhado na armadilha hipócrita de uma organização europeia que favorece a banca.