O povo baiano é conhecido entre turistas do Brasil e do mundo por sua receptividade, alegria e religiosidade, características que ficam evidentes na mais tradicional festa religiosa da Bahia, a Lavagem do Senhor do Bonfim. A pé, em cortejo, milhares de fiéis percorrem os oito quilômetros que separam a Igreja da Conceição da Praia, onde a festa tem início, e a Colina Sagrada, onde está a Igreja do Senhor do Bonfim.
A tradição é secular e se transformou ao longo dos anos, com direito a histórias de devoção passando de geração em geração, expressões e ditados, como “quem tem fé, vai a pé” ou “mais enfeitado do que jegue na lavagem do Bonfim”, e também algumas polêmicas como o uso de trios elétricos em alguns anos, a participação ativa de políticos, além de manifestações e protestos.
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Legenda: Na segunda quinta-feira do mês de janeiro, a procissão do Senhor do Bonfim reúne milhares de fiéis vestidos de branco
De costume, na segunda quinta-feira do mês de janeiro, milhares de pessoas vestem-se de branco para acompanhar a procissão, cantar para o Senhor do Bonfim, enquanto as baianas, com suas anáguas e saias rodadas, lavam a escadaria da igreja com água de cheiro. Por fim, os fiéis amaram as fitinhas coloridas, deixando no gradil seus pedidos cheios de esperança.
Ao longo dos 277 anos de tradição da festa do Bonfim, apenas a pandemia do coronavírus foi capaz de impedir a realização da festa, nos anos de 2021 e 2022.
Fé, cultura, baianidade!
A relação de devoção do povo de Salvador com a Igreja do Senhor do Bonfim perpassa também a cultura, onde este santo católico é fortemente abraçado pela população, que naquele momento já era predominantemente negra e incorporando às festividades traços da cultura africana, gerando assim o que hoje podemos traduzir como um selo de baianidade.
“A festa do Bonfim tem um significado muito importante e demonstra uma religiosidade que não possui marcos tão definidos, como em outras partes do mundo; uma religiosidade múltipla, que permite que as pessoas se apropriem de sua fé de formas diferentes”, destaca Paulo César Oliveira, professor de História na Universidade do Recôncavo.
A Igreja do Senhor do Bonfim, localizada na Colina Sagrada, foi inaugurada em 1754, mas é no ano de 1773 que as comemorações, antes realizadas no mês de junho, são transferidas para janeiro, em virtude das fortes chuvas que dificultavam o acesso dos romeiros.
Já quanto ao costume de lavar a igreja, acredita-se que tenha surgido bem antes, entre o final do século XVIII e início do século XIX, dando continuidade à tradição milenar trazida pelos portugueses, que está associada aos ritos de purificação.
Na festa do Senhor do Bonfim, no ano de 1890, por decisão do Arcebispo D. Luís Antônio dos Santos, a lavagem deixou de ser dentro da igreja e passou a ocupar apenas o adro, formato que conhecemos até hoje.
Seja dentro ou apenas nas escadarias, Oliveira ressalta que a presença das baianas na festividade é apenas um dos elementos que reforçam a importância cultural da Lavagem do Bonfim.
“Estamos falando de uma festa que em seu conjunto é realizada pela população negra, o que por si só já demonstra sua importância. Mas para além disso, a cidade de Salvador se vê amplificada para receber a população local, mas também turista e moradores das cidades circunvizinhas, do interior e do Recôncavo, com abertura para as diferentes manifestações culturais, a musicalidade e expressões artísticas, que vão enriquecer a festa ao longo dos oito quilômetros”, frisa.
“Quem tem fé, vai a pé!”
Foi assistindo ao cortejo, no bairro da Calçada, que nasceu a paixão de Oliveira pela Lavagem do Bonfim. “A minha primeira memória da festa foi quando eu tinha 13 anos. Como morava na Boa Viagem, pegava o trem e descia no Lobato. Ficava apenas no trecho do bairro da Calçada, assistindo o cortejo passar. Quando completei 16 anos, fiz o percurso completo pela pela primeira vez, e desde então só não participei em raras ocasiões, por alguma questão de viagem ou saúde”, conta.
Já a devoção ao Senhor do Bonfim se deu através de sua mãe, que não perdia uma missa aos domingos. “Com um mês de nascido, meu pai ficou entre a vida e a morte. Temerosa que eu crescesse sem a presença de meu pai, ela então fez a primeira promessa ao Senhor do Bonfim. Na angústia com tudo que estava acontecendo, o leite dela foi secando. Ela então faz a segunda promessa. Para nossa felicidade, ambas as causas foram atendidas”.
O professor acrescenta que a força popular é tão representativa que nem o uso da festa como palanque eleitoral ou a presença de trios elétricos em alguns anos foi capaz de descaracterizar a tradição. “São cantadores, rodas de samba, grupos de amigos, pontos de encontro, que se transformam em pequenas festas dentro da festa. Além disso, podemos destacar também a tradição dos moradores da Cidade Baixa de receber os amigos com uma moqueca ou uma feijoada”, lembra.
Apropriando-se de sua religiosidade, Oliveira entende que sua relação com a Lavagem do Bonfim está mais relacionada à plasticidade da festa popular, mas isso não exclui a sua devoção. “Ainda que eu não possa dizer que eu vá a festa exclusivamente por devoção, desde o primeiro ano, quando amarro as minhas fitinhas no gradil da igreja, me lembro com imensa gratidão das duas situações que primeiro me levaram até o Senhor do Bonfim, tanto por minha mãe não deixar de me alimentar, como por meu pai recuperar a sua saúde”, finalizou.
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