A voz é o cartão de visita de qualquer cidadão ou cidadã. É cada vez mais decorrente o relato de pessoas trans que evitam falar em público para não chamar atenção pelo timbre que não combina mais com a alteração fisiológica apresentada. É também pela voz que várias violências são direcionadas às pessoas trans.
A Bahia é 2º estado do Brasil com mais mortes de pessoas trans e travestis em 2021, aponta relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Embora tenha registrado uma redução de ao menos 32% nas mortes de pessoas trans e travestis, o estado saiu da terceira posição para a segunda, com 13 casos contabilizados.
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Para além das mudanças corporais, a readequação vocal tem se tornado um marco na vida de pessoas transsexuais. A fim de abrir espaços e tornar leve o que pode ser um fardo na vida de pessoas trans, a pesquisadora e médica otorrino Erica Campos, resolveu se dedicar parte da sua carreira a cirurgia de glotoplastia no Brasil.
“A primeira cirurgia dessa que eu vi foi nos Estados Unidos. Foi durante o período da minha residência médica, eu estava me formando otorrino ainda, eu concorri a um programa de bolsas para poder passar um tempo nos Estados Unidos e aí fui selecionada para passar um período nos EUA e foi ali que tive acesso a essa primeira vez”, começou Erica durante bate papo com a coluna Fervo das Cores do portal iBahia.
De acordo com a otorrino, o processo não oferece cicatriz. A cirurgia é feita dentro da boca. No pós-operatório, a paciente deve permanecer de 7 a 10 dias em silêncio absoluto. Professores e palestrantes devem ficar longe das atividades por ao menos 30 dias, por exemplo.
Segundo a especialista, influenciadores digitais, atletas e modelos transsexuais já buscaram o serviço que custa ao menos R$ 20 mil. Durante a entrevista, a médica relembrou a primeira vez que executou a cirurgia se emocionou ao citar a primeira paciente.
"Uma paciente me procurou e me falou assim: 'Erica, eu não tenho desejo de fazer nenhuma mudança corporal, mas eu não consigo mais conversar com as pessoas. Eu não consigo mais dar bom dia para as pessoas eu não saio mais de casa e é por causa da minha voz, né? Ela já era uma paciente trans que já tinha bastante modificações faciais que permitiam a ela não ser confundida por sua aparência".
"Eu respondi: ó, eu sei como faz a cirurgia. Eu já vi o resultado, eu sei que dá certo, mas eu não posso mentir para você, eu nunca fiz você quer que eu faça? Ela fez: 'doutora, gostei de você, vamos nessa'. Quando ela voltou no consultório eu pedi pra ela contar de 1 até 10 [...] Chorou eu, chorou ela, chorou todo mundo porque a voz dela ela teve um resultado impressionante. Uma voz dita masculina tem em torno de 100 Hertz de frequência e uma voz dita feminina tem em torno de 200. Ela saiu de 120 hertz para 220 que é um ganho bastante significativo".
Foi a partir desse resultado que Erica galgou voos ainda maiores e conseguiu se especializar. Além de perder a tensão em realizar a intervenção cirúrgica. "Só ela [a paciente] indicou cinco pessoas. Não é uma cirurgia que muda somente a voz. É um procedimento que muda vidas. Eu fico imaginando como deve ser difícil e complicado para as pessoas chegaram no ambiente não poder dar oi… não poder dar bom dia", pontuou.
Economia e turismo cultural
Por receber pacientes de todos os estados brasileiros, Erica teve a ideia de aliar as belezas de Salvador com o procedimento médico . No pré-operatório ou no pós, as pacientes podem também combinar um pacote que inclui serviço de hotel, transporte e turismo pela capital baiana.
"A gente tem um carro que vai buscar elas no aeroporto. A gente tem o cuidado de conversar com hotéis que apresentem os mesmos valores de respeito de igualdade de gênero para não haver nenhum tipo de constrangimento para elas. Comecei a fazer isso depois que tive problemas com minhas pacientes. Problemas com motoristas de aplicativo foi um desses pontapés... Não é difícil convencer o pessoal a vir. Nossa cidade tem encantos. A gente tem esse papel também de abrir espaço e dar acesso outras pessoas. Temos que mudar o paradigma da saúde no nosso estado".
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Lucas Sales
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