Parece inacreditável, mas em pleno século XXI relações entre pessoas do mesmo sexo são reprimidas por lei em 69 de 193 países, e em 11 podem ser punidas com a pena de morte. Segundo um relatório de 2020 da Associação Internacional de Pessoas Lésbicas, Gays, Trans e Intersexuais, em seis deles – Arábia Saudita, Brunei, Iêmen, Irã, Mauritânia e Nigéria -, a lei é clara em relação à pena envolvendo o assunto.
No Brasil, as leis governamentais não são extremas, mas a realidade das pessoas LGBTQIAPN+ também é assustadora. De acordo com o Observatório de Mortes e Violências Contra LGBTI+, entre 1º de janeiro e 30 de abril deste ano, 80 pessoas da comunidade foram mortas: 50 travestis e mulheres trans, dois homens trans, 26 homens gays cis e duas mulheres lésbicas cis.
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Todos esses dados reforçam a importância da conscientização sobre os diversos tipos de agressões sofridas pela comunidade. Por isso, todo ano, 17 de maio é lembrado como Dia Internacional da Luta Contra a LGBTfobia. A data faz referência ao dia em que, no ano de 1990, a Organização Mundial da Saúde deixou de classificar a homossexualidade como doença e a retirou da Classificação Internacional de Doenças (CID).
Apesar do que muitos imaginam, as agressões vão além das físicas. Josué Oliveira, 28 anos, mora em Cruz das Almas, interior da Bahia, e já foi vítima de homofobia. Segundo ele, o caso mais marcante aconteceu em 2021, quando foi morar com amigos em um apartamento. Após anos frequentando uma igreja evangélica, Josué decidiu assumir publicamente a orientação sexual. Com a decisão, muitos problemas começaram a surgir.
“Quinze dias depois de ter assumido a homossexualidade, os amigos que moravam comigo chegaram das casas das suas famílias e me disseram que foram pressionados a me tirar do apartamento, alegando que, segundo os familiares, eu estava ‘queimando a imagem deles’”, relembrou.
O jovem afirmou que, desde criança, sempre sofreu preconceito por ser afeminado, mas destacou que essa situação o deixou desestabilizado. “Apesar de me sentir constrangido em todas as vezes, eu nunca havia chorado. Aprendi a ignorar e seguir minha vida, como uma forma de sobrevivência. Porém, essa foi a única vez que eu chorei, e chorei muito, por isso me marcou. Eram pessoas que eu admirava, com as quais eu conversava, almoçava e ia para igreja”.
Apesar das suas particularidades, a situação é semelhante com à do dançarino e professor Matheus Ambrozi. Com 29, ele, que mora em Salvador, já passou por diversas situações de constrangimento por ser gay. “Para mim, que me considero um gay afeminado, isso é diário. Desde quando eu penso em me arrumar, analisando como as pessoas vão me olhar ao vestir uma roupa... É como se eu tivesse que organizar o meu comportamento para que as pessoas não me olhem estranho”, descreveu.
Ao falar de uma situação que vivenciou, o profissional da dança citou a vez em que, indo para o trabalho, foi debochado por um grupo de estudantes em uma estação de metrô da capital baiana. Mesmo tendo certeza de suas convicções e firmeza nos posicionamentos, Matheus afirmou:
“Por mais que tenhamos a ousadia de mostrar quem somos, ainda nos sentimos constrangidos em diversas situações”.
E é com base nessas experiências que ele, através da profissão como educador, busca ensinar aos jovens e adolescentes a respeitarem as diferenças e a diversidade. “Estar nesse lugar de professor me faz ter um papel de semear, através do convívio e da relação com pessoas LGBTQIAP+, o respeito. E que eles possam levar isso para suas casas e espalhar”.
Infelizmente, até mesmo nos lugares mais improváveis o preconceito é visível. No ambiente de trabalho, o jornalista João Pedro Gonçalves, de 26 anos, já teve que lidar com LGBTfobia escancarada.
“Certa vez, no período de estágio em jornalismo, um dos entrevistados (que fazia parte do corpo da instituição) disse que preferia dar entrevista ao meu colega que exercia a mesma função no mesmo núcleo que eu. Vale ressaltar que esse colega é branco, hétero cis e padrão (dentro do que é socialmente visto como belo) e eu me encontro em outro local dessa estética”.
Assim como em muitos casos, não houve consequências profissionais, mas a situação acabou gerando um desconforto evidente, já que essa não tinha sido a primeira vez em que a diferenciação de tratamento havia ficado evidente.
“Além da falta de preparo da instituição, existe uma lógica hierárquica qual eu estava abaixo e isso já define quais peças serão ou não mexidas para soluções de alguns problemas. Existe uma estrutura que deseja permanecer do jeito que está, então, é mais fácil dizer que "é questão de gosto" ou "é assim mesmo", e os movimentos necessários interna e externamente não são realizados”, enfatizou.
Dentro desse cenário assustador, ainda há quem também tenha receio de demonstrar carinho com o (a) companheiro (a) justamente por causa dos altos índices de LGBTfobia. Ícaro Sacramento de Almeida, de 29 anos, lembra com detalhes da experiência que teve na capital baiana durante o antigo relacionamento.
“Em 2018, eu estava com o meu namorado, da época, nas imediações dos Institutos de Química e Física da Universidade Federal da Bahia. Na ocasião, estávamos trocando carícias. Porém, nesse momento, passou um rapaz, viu essa troca de afetos e começou a nos intimidar, questionando o motivo de estarmos ‘daquele jeito’”.
Segundo ele, a situação foi tão assustadora que ele não teve coragem de contar para outras pessoas. “Fiquei com tanto medo que, durante semanas, achei que feito algo de errado”, frisou.
Esses relatos reforçam a importância da realização de denúncias que envolvam LGBTfobia.
Como denunciar casos de LGBTfobia
Através do Disque 100, que funciona 24 horas por dia, é possível denunciar casos de violência contra pessoas LGBTQIAP+. As ligações são gratuitas e podem ser feitas de qualquer lugar do Brasil.
Durante o relato, que pode ser anônimo, é necessário conceder todas as informações possíveis para o registro do caso, tais como quem sofreu a violência, quem praticou, como foi, local, horário, frequência e a situação da vítima.
Em seguida, as denúncias são repassadas aos órgãos competentes. Alguns estados e municípios do Brasil contam com delegacias especializadas para receber denúncias de pessoas LGBTQIAP+. Na Bahia, não existe delegacia especializada em crimes de LGBTfobia.
Elson Barbosa
Elson Barbosa
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