O caso da agressão de torcedores do Bahia a um torcedor do Vitória, ocorrido no bairro da Graça, em Salvador, no último sábado (21), é mais um exemplo de como os episódios de violência fazem parte do futebol baiano.
Do início de 2023 até agora, ao menos outras duas situações que geraram grande repercussão expuseram esse problema, que mobiliza clubes e órgãos públicos em busca de soluções.
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Em agosto deste ano, um adolescente de 17 anos foi agredido com socos e chutes no bairro de Sussuarana. Em registros que circularam nas redes sociais à época, os agressores aparecem vestidos com camisas do Bahia. Testemunhas disseram que o adolescente estava com uma camisa do Vitória, mas a polícia não confirmou essa informação.
Ainda em agosto, outro caso, dessa vez, dentro do estádio de Pituaçu, durante uma BaVi válido pelo campeonato baiano feminino. Duas jovens jogadoras de futebol que estavam na arquibancada foram atacadas por torcedoras de uma torcida organizada do Bahia.
A mãe de uma das jovens afirmou que nunca tinha deixado a filha ir a um jogo de futebol por causa da insegurança. "Ela disse que tinha conversado com o técnico. Ele deixou ir, desde que ficasse distante e com roupas neutras. Aí eu permiti e mandei ela ter cuidado", contou.
“Minha filha é uma atleta, ela precisa e gosta de ver jogos, mas ela não quer mais. Eu também não tenho mais coragem de deixar ela ir”, completou a mãe.
Mais recentemente, no último dia 10 de outubro, uma nova confusão. Integrantes de uma torcida organizada do Bahia causaram pânico em quem passava pela Estação Pirajá. Segundo testemunhas, houve barulhos de bomba e arremessos de objetos entre os participantes da briga.
Para pesquisador e colunista do iBahia Silvio Tudela, esses casos são resultados de condições de comportamento que só o futebol oferece.
"A violência está na sociedade e nas pessoas que a compõem, mas saem desses cenários citados e se materializam quando as pessoas se sentem protegidas por um determinado grupo social - uma determinada torcida, por exemplo, ou numa camisa de um clube", disse Silvio.
Busca por soluções
Além de campanhas de conscientização realizadas por clubes e pela Federação Baiana de Futebol, outra medida que busca combater esses casos é a adoção de torcida única (arquibancadas ocupadas apenas pelos torcedores do time mandante) nos BaVis.
A primeira vez em que essa norma entrou em vigor foi em 2017, quando a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) acatou a recomendação do Ministério Público da Bahia após confusões registradas em um dia de clássico naquele ano, que resultou na morte de um torcedor.
Em 2018, após seis confrontos nesse formato e com a consideração de que os casos de violência diminuíram, foi definido que o próximo encontro entre Bahia e Vitória aconteceria com a presença das duas torcidas, sendo positivamente aguardado por muitas pessoas, chegando a ser tratado como o "BaVi da Paz". Porém, o que se viu foi algo oposto a isso.
O jogo, realizado no Barradão, foi marcado por uma briga entre os próprios jogadores, causando nove expulsões e a suspensão da partida - dada como vencida pelo Bahia por W.O por causa da quantidade de expulsões do time rubro-negro.
Além da confusão dentro de campo, torcedores dos dois times foram detidos após confrontos fora do estádio. Com isso, a torcida única retornou.
Essa medida, para Silvio, não tem a capacidade de resolver completamente o problema: "admitir a torcida única é reconhecer a falência do esporte e dos órgãos de segurança pública e dos padrões de civilidade. O espaço do jogo é lúdico e assim deveria permanecer. Não há Bahia sem Vitória e vice-versa. E não é impedindo que uma determinada torcida apareça na casa do rival que fará a violência desaparecer", opinou.
Novas discussões
No último dia 13 de outubro, a Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) realizou uma audiência pública para tratar da possível volta da torcida mista nos BaVi's. A reunião contou com representantes de clubes baianos, órgãos de segurança, políticos e integrantes da sociedade civil.
O encontro foi presidido pelo deputado e ex-jogador Bobô, que ressaltou a importância de retomar essa discussão.
"Queremos as duas torcidas acompanhando e vibrando pelos seus times. O estádio de futebol é pacificador. Mas quando a gente segrega, cria mais rivalidade. A Assembleia Legislativa, na verdade, veio provocar esse tema. É importante trazer esse assunto para que gerações futuras tenham socialização. Elas precisam sentar juntas, respeitando o sentimento uma da outra”, disse Bobô.
Desde a implementação, a torcida única nos Bavis segue dividindo opiniões. Para o presidente do Vitória, Fábio Mota, é preciso seguir em busca de ferramentas para garantir o retorno das duas torcidas.
"Eu sou do tempo, inclusive, que as torcidas dos dois clubes sentavam juntas em uma área. Engrandece o clássico, melhora o clássico. [...] O Vitória é completamente favorável e fará todos os esforços possíveis para adequação do seu estádio para receber a torcida visitante”, disse Fábio.
Já o vice-presidente da Associação Civil Esporte Clube Bahia, Vitor Ferraz, defendeu que é preciso ter cautela, e cobrou medidas mais efetivas para garantir a segurança em dias de partida.
“O que foi feito para que nós, atores nesse processo, possamos ter a tranquilidade para decidir pelo retorno da torcida mista? Nós vamos nos responsabilizar por isso?”, afirmou Vitor.
Para o comandante do Batalhão Especializado em Policiamento de Eventos, Elbert Vinhático, o cenário atual envolve uma análise mais profunda de como os jogos podem acontecer com as duas torcidas.
“A Polícia Militar da Bahia não é favorável à torcida única, mas a forma como o clássico com as duas torcidas foi retomado não foi adequada. A gente precisava ter tido um alicerce maior para aquela volta. A volta tem que ser processual, e, principalmente, segura”, disse Vinhático.
Quem também se posicionou foi o presidente da Federação Bahiana de Futebol (FBF), Ricardo Nonato, que disse que é preciso não ter pressa e que as ações passam por questões socieducacionais: "somos a favor da alegria do futebol, mas primeiro somos a favor da preservação do ser humano”.
As ideias e considerações feitas no encontro deverão ser avaliadas pelo Ministério Público do Estado da Bahia.
Ícaro Lima
Ícaro Lima
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