Joana Angélica, Maria Quitéria, Maria Felipa, general Labatut... não faltam nomes na cabeça quando o assunto é Independência do Brasil na Bahia. Personagens simbólicos que ao longo dos anos passaram a figurar como ícones no imaginário baiano.
O historiador Ricardo Carvalho explica que há dois pontos a serem levados em consideração ao se pensar sobre essas figuras: a história acadêmica ou historiografia, e a história oral. Enquanto uma exige comprovação e métodos científicos, outra perdura como força de representação popular.
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O iBahia traçou, com a ajuda do historiador, o perfil de alguns personagens importantes para o processo de Independência do Brasil na Bahia, consolidado com a separação definitiva de Portugal. Confira:
Joana Angélica
"Há uma curiosidade sobre Joana Angélica, aliás, pelo menos duas curiosidades. Primeiro que pouca gente lembra que ela, além de ser heroína da Independência, de ter se colocado diante dos soldados portugueses. 'Respeitem a casa do senhor', 'Respeitem a casa de Deus, vocês só entraram aqui por cima do meu cadáver', essa expressão ficou marcada como uma referência importante da nossa Independência. Joana Angélica protegia também as noviças e as mulheres do Convento da Lapa. Ela conseguiu com que elas evadissem pelos Barris, pontos de coletas de água potável onde hoje fica a Estação da Lapa. Outra curiosidade é que ela hoje é reverenciada, saudada, pelo Movimento Espírita Brasileiro, Movimento Espírita Baiano, que identifica nela a entidade espiritual de Joana de Ângelis, um espírito iluminado que seria a mentora da mansão do caminho e do médium Divaldo Franco".
Maria Quitéria
"Maria Quitéria é um personagem único na História do Brasil. A primeira mulher a assentar praça em uma força armada no país. Alistada no Pelotão dos Periquitos, sediado em Cachoeira, ela era filha da região, de São José das Itapororocas, hoje distrito de Maria Quitéria, próximo a Cachoeira. Luta, combate, alçada a soldado, soldado Medeiros. E depois é uma das raras personagens na história do Brasil que é reconhecida como heroína. Ela está no Panteão dos heróis nacionais e foi, inclusive, saudada pelo recém- imperador Dom Pedro I. Ela é uma personagem muito querida dentro dos valores cívicos do 2 de Julho".
Maria Felipa
"Eu costumo defender que Maria Felipa é um dos personagens mais interessantes do processo de Independência do Brasil. Envolta em lendas, e ao mesmo tempo em relatos orais, Maria Felipa teria comandado, liderado, um grupo de 40 mulheres na Ilha de Itaparica em que elas seduziram um grupo de portugueses e eles acabaram levando uma surra de cansanção. Existem muitas simbologias e, ao mesmo tempo que não temos muitas confirmações factuais, o simbolismo da mulher negra que luta contra a opressão do homem branco é muito interessante dentro do contexto, da afirmação da identidade, da baianidade, do povo da Bahia, do Recôncavo, da Ilha de Itaparica. Eu considero Maria Felipa uma figura necessária na construção da nossa identidade".
O historiador destaca que, no caso de Maria Felipa há duas coisas a serem consideradas: a História Acadêmica ou Historiografia, e a História Oral. Entre historiadores não há consenso se de fato ela existiu. Contudo, para Ricardo Carvalho, o que é dito não pode ser descartado, nem mesmo pela Academia.
"Ela compõe os valores de um povo, seus aspectos imateriais, crenças e tradições", afirma.
Ainda segundo o especialista, a existência biológica e factual de alguém como Maria Felipa é menor do que a sua grandeza como representação da população insular da Baía de Todos-os-Santos, da força das mulheres baianas e da resistência delas contra a opressão.
"Diminuir o significado histórico de uma imagem icônica como Maria Felipa e outros tantos é desautorizar o que ela significa como representação popular. A Academia pode debruçar-se sobre esse tema, esse é seu papel; aos habitantes originários da Baía, de Salvador e Recôncavo e seus descendentes, vale primordialmente a força da mitologia que personagens como esse carregam", conclui.
Corneteiro Lopes
"O Corneteiro Lopes é um típico personagem histórico em que o fato ficou muito maior que o próprio personagem. Se sabe muito pouco [dele]. Sabe-se que ele realmente era o Corneteiro, que era uma espécie de estafeta, leva e traz da informação, que se ocorria através dos toques da corneta já que não tinha outra forma de comunicação que fosse mais rápida e precisa. Ao ser instruído a tocar 'recuar', ele teria tocado 'avançar' a cavalaria e depois, o toque seguinte, 'degolar', que significa que as tropas baianas estavam fortalecidas para atacar o inimigo", conta Ricardo Carvalho.
"Essa batalha [de Pirajá] foi uma batalha importante. Durou 4 horas, e foi muito importante na luta para garantir o controle do bairro de Pirajá, que era a porta de entrada de Salvador e de ligação da cidade com o norte da província e ao interior do estado por terra. Ao tocar avançar, a cavalaria tropas portuguesas que estavam em superioridade bélica imaginaram que as tropas baianas estavam mais fortes e acabaram recuando, e isso pode ter sido decisivo para a vitória baiana. Muitos historiadores ignoram esse fato, outros omitem, mas a figura do Corneteiro Lopes é precisamente mais um desses ícones importantes da luta de Independência da Bahia".
João das Botas
"Mais um dos personagens da luta contra os portugueses. Ele tem uma referência mais na luta no mar, era o comandante naval e conseguiu rechaçar as tropas de Madeiro de Melo na região que vai de Itaparica até a Barra do Paraguaçu. As vitórias que ele conseguiu foram importantes para rechaçar as tropas do Madeira de Melo e ele é mais um dos personagens que está incluído no Panteão dos heróis nacionais. Já foi homenageado em barcos, navios, ferries e é uma figura ligada à luta naval contra o domínio português".
Lorde Cochrane
"Um desses personagens que hoje não teria o glamour e a marca que teve, que ficou na história. Ele era o que a gente chamaria de um soldado profissional, um militar de grande currículo. Lutou na América Latina, Europa, em vários combates. Um homem de muito sucesso militar e foi incorporado à armada de Dom Pedro I".
General Labatut
"Mais um desses homens mercenários contratados para lutar contra os portugueses e garantir a autonomia do Brasil. Ele teve um papel muito importante na Bahia, não só por ter comandado as tropas durante o combate da Batalha de Pirajá, mas também porque ele teve um papel muito agregador. Ele conseguiu trazer soldados, sua liderança, seu carisma foram muito importantes."
Encourados do Pedrão
"Os Encourados do Pedrão mostram a luta do homem mais ao sertão da Bahia que marchou e se aliou às tropas sediadas em Cachoeira para lutar contra os portugueses. Foram pouco menos de 40, falava-se de 39, no máximo 40 homens, mas que tiveram um papel significativo. Menos quantitativo e mais qualitativo. Representam essa integração de territórios baianos além do Recôncavo, além de Salvador e além da Baía de Todos-os-Santos. Eles vieram da cidade de Pedrão e isso cria esse sentimento, essa representatividade dessa integração do estado, da província da Bahia na luta contra os portugueses".
Joaquim Pires de Carvalho Albuquerque (Barão de Pirajá)
"A Independência do Brasil na Bahia não aconteceria sem o apoio dos grandes fazendeiros, os grandes senhores de engenho. Ele representa essa parcela da luta. A parcela dos homens ricos, daqueles que estavam bastante insatisfeitos com o domínio português, que limitava o avanço do comércio do Brasil, que impediam o avanço das ideias liberais e ele representa isso. Comandou tropas, ajudou financeiramente e representa esse papel da elite branca, proprietária de terras, escravagistas, na luta de Independência da Bahia".
Caboclo e a Cabocla
"Vai se encontrar uma enormidade de interpretações sobre os Caboclos, desde que eles representem os povos originários, aqueles que foram vilipendiados inicialmente com a chegada dos portugueses. Outros defendem que eles representam o povo mestiço da Bahia. Essa tese, de que o Caboclo e a Cabocla fazem referência à nossa origem, e à mistura, miscigenação, a formação dos vários povos que compõem o povo baiano é muito interessante. Passam a ser uma representação holística do que somos, do que somos nós como baianos, com heranças das mais diversas, mas principalmente a nossa matriz indígena, a nossa matriz africana e a influência que recebemos também dos europeus. É por isso que eles são tão reverenciados e usados como esses ícones maiores do 2 de Julho".
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Nathália Amorim
Nathália Amorim
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