Para sua primeira série de comédia brasileira, a plataforma de streaming Netflix escolheu falar de uma estrela de programa infantil dos anos 1980, quando a TV era bem diferente do que é hoje: analógica e com poucos canais. “Samantha!” (assim mesmo, com exclamação), série de sete episódios estrelada por Emanuelle Araújo, estreia nesta sexta-feira.
Líder da trupe infantil Turminha Plimplom, a protagonista Samantha, antes a criança mais amada do Brasil, agora luta para encher inferninhos com suas apresentações datadas e, assim, sustentar os dois filhos, sempre ao lado de seu fiel escudeiro, o mascote Cigarrinho, vivido por Ary França.
O nome do personagem remete ao tipo de conteúdo aos quais os pequenos eram expostos quando assistiam à TV aberta, naquela época. Comerciais de cigarro e bebidas alcoólicas, por exemplo, eram liberados.
— Esse não politicamente correto é parte do que atrai as pessoas para aquela época. Não existia um julgamento tão claro sobre as coisas, e isso se refletia na moda e no comportamento — acredita Emanuelle, de 41 anos.
Já o showrunner Felipe Braga dá outra explicação, bem prática, para a crescente nostalgia oitentista, que também pode ser vista em séries americanas como “Glow” e “Stranger things”, e na alemã “Dark”.
— Cada década tem uma outra para revisitar. Quando eu era criança, falavam sempre dos anos 1960. Agora, muitas pessoas que estão aí criando projetos eram crianças nos anos 80, então elas sabem do que estão falando — diz Felipe, que ao lado da mulher, a produtora Rita Moraes, e da atriz Alice Braga, comanda a produtora Losbragas, responsável pelo projeto (apesar da coincidência do sobrenome, Alice é irmã de Rita, e não de Felipe).
Para o casal, o contraste entre o mundo analógico em que eles cresceram e a infância do filho, Francisco, de sete anos, serve de laboratório para as temáticas testadas na tela.
Na série, a protagonista acha um absurdo influenciadores digitais considerarem que têm fãs apenas por receberem likes no celular — na época dela, os admiradores tinham que se esmerar com cartinhas depositadas em caixas postais e presentes de todos os tipos para provar o afeto.
— Puxaram o tapete da nossa geração (com a passagem do analógico para o digital) — brinca Rita. — As crianças de hoje consomem entretenimento de forma diferente, não gostam de ser interrompidas por comerciais. Uma celebridade não precisa mais que alguém lhe ceda um lugar, ela abre o celular e toma esse espaço. A série é uma forma de expor a nossa percepção do mundo atual.
Isso não significa, no entanto, que “Samantha!” seja benevolente com quem dá as cartas na cultura pop atualmente. Influencers e reality shows também são alvos da série, que relata a busca incessante da protagonista para voltar ao estrelato. A maior antagonista de Samantha é a jovem blogueira Laila, uma famosa desprovida de talentos. Ela é interpretada por Lorena Comparato, irmã caçula de Bianca Comparato, estrela de “3%”.
— Fui direto na meca, ou seja, nas Kardashian, referências até na aparência. Quis deixar minha boca parecida com a da (blogueira e caçula das irmãs) Kylie Jenner — conta Lorena sobre a preparação para o papel.
Não é de se estranhar que Gretchen faça uma participação especial na atração. Afinal, a musa nos anos 1980 conseguiu sair do ostracismo ao se converter em rainha da internet. Um meme de cada vez, a intérprete de “Conga Conga Conga” hoje tem seu próprio programa à la Kardashian, “Os Gretchens”, do Multishow.
Uma coincidência é que Emanuelle Araújo já interpretou a cantora em “Bingo — O rei das manhãs”, cinebiografia de outro ícone dos anos 1980, Arlindo Barreto, mais conhecido por viver o palhaço Bozo.
— Gretchen é minha amiga! — derrete-se Emanuelle — Mas não nos vimos pessoalmente para a gravação porque, de fato, ela estava em Paris, como acontece na trama — diz.
Apesar de a série ironizar a cultura pop, Felipe Braga diz que o objetivo de “Samantha!” não é tripudiar de ninguém, e aproveita para tecer críticas ao humor praticado atualmente no Brasil:
— Há sempre muitos personagens gritando e fazendo piadas em relação à aparência do outro. É uma comédia depreciativa. Queríamos fazer o contrário.
A crítica ao humor atual não é generalizada. Não inclui, por exemplo, Daniel Furlan, um dos criadores de “Choque de cultura”, do YouTube. O ator ganhou o papel de Marcinho, o empresário vigarista de Samantha. A protagonista tem dois filhos: a ativista adolescente Cindy (Sabrina Nonato) e o fã de “Frozen” Brandon (Cauã Gonçalves). Mas o destaque mesmo é Douglas Silva, que vive o marido de Samantha, Dodói, um ex-jogador de futebol que acaba de sair da prisão. O Acerola de “Cidade dos Homens”, da TV Globo, diz que esse é o seu primeiro grande trabalho em comédias.
— Só havia feito participações na “Turma do Didi”, e acabei me descobrindo. A série tem um humor ácido que a torna muito especial — comenta Douglas.
Apesar de ter referências tão específicas do Brasil como o amor de Dodói pelo Flamengo ou o modelo de programa de auditório da Turminha PlimPlom, Felipe Braga crê que a série possa fazer sucesso com o público internacional que terá acesso a ela pelo streaming.
— Existem piadas internas, mas há diferentes níveis de compreensão. A equipe criativa da Netflix nos orientou: faz para o Brasil porque, se for bem feita, vai viajar. O problema é quando você quer abraçar o mundo todo ao mesmo tempo e acaba tirando as cores locais — sentencia Felipe.
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Redação iBahia
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