Há 17 anos, Paulo José recebeu a notícia de que era portador do Mal de Parkinson. Mas a doença, que prejudica os movimentos do corpo e da face, essenciais para um ator, não o afastou de seus personagens. Só neste ano, Paulo se prepara para rodar "O Palhaço", de Selton Mello, divide o palco com a filha Ana Kutner, na peça "Um Navio no Espaço ou Ana Cristina César”, e acaba de lançar o filme “Quincas Berro d’Água”, baseado no romance de Jorge Amado.
Dirigido por Sérgio Machado (Cidade Baixa), “Quincas” traz Paulo como o personagem do título, um ex-funcionário público que, após ser encontrado morto em sua cama, é conduzido pelos amigos para uma derradeira noite de farra. Na empreitada, o personagem tem uma espécie de segunda morte, agora do modo que sempre sonhou. Na ocasião do lançamento do filme, Paulo conversou com o iBahia.com.
iBahia.com - Quem é Quincas Berro D’água?
Paulo José - Quincas é o homem que resolveu tirar a coleira que o prendia a uma vida morna, sem gosto. Resolveu virar o cachorro magro, de rua, vira-lata, mas sem a coleira. Antes era o cachorro doméstico acorrentado. Pegou um barco sem rumo e resolveu respirar. É um personagem que ensina, ao seu modo, que não existe validade para alcançar a vida. Quincas é a recusa de permanecer morto.
iBahia.com - Adaptar um personagem do universo literário exige uma atuação específica?
Paulo José - O cinema exige uma atuação particular. Tudo precisa ser mínimo, já que a câmera amplia, faz tudo ficar maior. Então, uma leve levantada de sobrancelha pode virar uma coisa monstruosa naquela tela gigante. Esse é o trabalho com a linguagem do cinema. Diminuir, diminuir, até ficar apenas na sugestão. A sugestão é sempre o melhor caminho a ser trilhado. Lembre dos bons filmes. É sempre a tentativa de sugerir, seja ela do diretor ou do ator.
iBahia.com - Qual sua relação com a literatura de Jorge Amado?
Paulo José - Jorge, junto com Pierre Verger, é o responsável pela projeção imagética dessa Bahia popular, religiosa, mestiça. É natural que todo brasileiro tenha uma relação com essa imagem projetada pelo Jorge, pelo Verger. No caso especifico de Quincas Berra d’Água, que é uma das maiores novelas de Jorge, ele foge um pouco de seus temas mais recorrentes. Não que deixe de falar da Bahia popular, mas traça um painel diferenciado, mais urbano, voltado para a capital. E é uma obra despretensiosa, publicada em revista, fora do roteiro tradicional do romancista conhecido. Lembro que quando li, notei o tempo do livro. É um livro perfeito para o cinema, seco, conciso. Tem uma narrativa muito cinematográfica, o tempo exato de um longa-metragem.
iBahia.com - Além das viagens pelo Brasil para o lançamento de Quincas, você está gravando o novo filme de Selton Melo, em Paulínea (SP), e está em cartaz com a peça “Um navio no espaço ou Ana Cristina César”. Não cansa?
Paulo José - Você esqueceu de falar da série Justica, dirigida por Wolf Maya. Faço parte do elenco. O projeto deve estrear no meio do ano na Globo. Veja, essa é minha caminhada. Já que falei em caminho, não vejo outro. E todas essas coisas, na verdade, fazem parte de um mesmo projeto. É como se eu estivesse fazendo uma coisa só, um único trabalho: expressar, atuar, representar, sinônimos para aquilo que escolhi fazer.
iBahia.com - “Parkinson de diversões” foi a expressão que você utilizou para se referir ao problema que enfrenta há 17 anos. Encarar a doença de maneira bem-humorada é uma forma de minimizá-la?
Paulo José - Certa vez, recebi o email de uma mulher comentando essa minha declaração. Se não me engano, ela era mulher de um portador da doença e o email dizia que eu não devia brincar com um problema desses. Pedia para eu refletir. Isso me deixou mais cauteloso. Não posso fingir que se trata de algo simples, fácil. Isso do “Parkinson de diversões” não soou muito bem. É um distúrbio degenerativo. Minha rotina é condicionada por ele. Tenho hora para tomar remédio, hora para fazer a sessão de ginástica, hora para a sessão de voz. Você vai perdendo a capacidade de coordenar os movimentos do corpo, da face, sua voz vai ficando falha. Mas se eu parar para ficar refletindo sobre isso, o problema se transforma em algo ainda maior. Tenho que continuar trabalhando, olhando para os meus personagens. Permanecer na ativa é um remédio contra o Parkinson.
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