A estreia só aconteceria dali a três semanas, mas, nesse meio tempo, enquanto as chamadas do seriado Sexo e As Negas eram vinculadas à programação da Globo, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) recebeu onze denúncias de grupos de ativistas do movimento negro alegando que o título da série, tão quanto o seu conteúdo, eram racistas.
Os textos dos indignados, tendência dos últimos tempos, rodaram a internet e trouxeram uma grande confusão. O problema não está em protestar. O racismo existe e, na maioria vezes, se move sutilmente. É preciso mesmo ter voz. Mas esses protestos se tornam sem fundamentos quando os acusadores sequer tiveram acesso a um bloco do programa para poder julgá-lo. Da ordem do inaceitável, é o mesmo que julgar um livro pela capa. O que não dá para entender é que Sexo e As Negas trabalha com a mesma linha das séries Antônia (2006) e Suburbia (2012), por exemplo. Mas, na época em que foram levadas ao ar, não foram criticadas por nenhum tipo de movimento. Talvez porque Miguel Falabella, seu criador, ao invés de se dedicar inteiramente ao drama, escreva comédia com textos ácidos, como Sai de Baixo e Pé Na Cova, e isso assusta. Mas a tentativa de censura prévia não decolou e todo o seu alarde foi banal. Sexo e As Negas foi levado ao ar na última terça-feira (16), e mostrou logo de cara o flerte de Falabella com o seriado estadunidense Sex And The City (HBO/1998-2004). Veja também: Crítica de TV: vilã de 'Império' se distancia da crueldade e descamba para comédia Crítica de TV: Com sequências de invasões em apartamentos, segurança é problema sério em 'Império' Crítica de TV: 'Império' escorrega em gays estereotipados, mas acerta em núcleo com filho homofóbico Crítica de TV: sem Manoel Carlos nas novelas, telespectador perde melhor texto do horário nobre Crítica: Personagem mórbido de Vanessa Gerbelli é o prato cheio da novela Em Família Crítica: bem produzida, Meu Pedacinho de Chão acerta ao apostar em alta dose lúdica Crítica: Geração Brasil cai bem para o horário, mas precisa tomar cuidado com exageros Se lá no universo americano Carrie, Charlotte, Miranda e Samantha vivem os dilemas da vida moderna sob o glamour das festas mais badaladas de Nova York, aqui Falabella mostra o cotidiano das protagonistas Lia (Lilian Valeska), Soraia (Maria Bia), Zulma (Karin Hills) e Tilde (Corina Sabbas), no complexo da Cidade Alta, no bairro de Cordovil, uma favela da zona norte do Rio de Janeiro. Mas não é porque não aparecem ricas, montadas em roupas de grifes internacionais e em carros importados que sejam menos interessantes do que os tipos de lá da série dos gringos. Até aqui, não é possível ver racismo numa história em que mostra protagonistas negras que se aceitam como são, que são apaixonadas pela cor que nasceram, ostentam belos cabelos afros – contrariando a obrigação imposta socialmente de se ter cabelos alisados -, e rebatem os preconceitos contra elas quando surgem. As mocinhas retratadas discutem sobre a vida difícil, sobre o amor, a família, o homem dos sonhos, o homem da noite, a mobilidade urbana. Trabalham durante o dia, bebem cerveja à noite, e por que não, fazem sexo (faz parte da vida adulta e vai ao ar após as 23h). Tudo verossímil. Mas se o espectador acredita que o racismo ganha vida a partir do cenário em que as personagens são retratas, visto por muitos como estereótipo, é importante lembrar que não é que os estereótipos existentes no mundo tanto com negros, tanto com brancos não sejam verdades, é apenas incompleto e a dramaturgia precisa redobrar o cuidado quanto a isso. Sexo e As Negas tem o espaço para discutir o preconceito racial e reparar uma dívida histórica com os negros, que até pouco tempo só apareciam na teledramaturgia como empregados e escravos. A série tem diálogos populares e consegue interagir bem com o telespectador, percorre o caminho da crítica social com facilidade e desmonta as acusações precipitadas de racismo. O que é bom de ver por ali, de fato, é a franqueza naturalista com que se tratam as relações entre negros e brancos, coisa que transparece especialmente nos diálogos, com boas sacadas que fazem o público perceber que o preconceito se esconde meticulosamente. É ficção, mas mostra mulheres humanizadas, distantes daquilo que é costumeiro na televisão, mas próximas do que todos os dias o público vê nas ruas, nas comunidades, mostrando a mulher negra contemporânea que ainda precisa lutar (sem isso ser inserido didaticamente no roteiro) pela igualdade de direitos. Num país que sente mais vergonha do que culpa de ser racista e continua tratando as outras etnias e sexualidade com enorme incômodo, a franqueza naturalista com que são registradas essas relações no seriado, pelo traço do drama, acaba por ter uma função catártica que pode ser conquistada ao decorrer dos episódios, quando o público sentir-se mais íntimo das personagens. Se olhado mais de perto, Sexo e As Negas tem nas entrelinhas a intenção esclarecedora de Falabella, até quando parte para a comédia, de criticar severamente o ser insano, ao invés de humano, que coloca negro e branco em mundos separados. *Texto colaborativo escrito por Murilo Melo, supervisionado por Aline Caravina
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