A cada vez que amarra um turbante no cabelo e sai às ruas, Jeniffer Dias se veste de rainha, mesmo que inconscientemente. Se usa uma estampa étnica, marca no pano e em sua imagem as referências à cultura afro. A atriz, que em “Malhação” interpreta Dandara, homônima à guerreira dos Palmares, usa com frequência as cores e os desenhos de seus ancestrais. Neste editorial, ela também veste peças com as inspirações que valorizam sua raiz. A niteroiense, de 27 anos, sabe da importância da vestimenta na formação de sua personalidade e no reconhecimento feminista negro.
— A moda étnica passa pela construção da nossa identidade. Quando uso as estampas e os turbantes, sinto olhares diferentes. Eu e as mulheres pretas nos olhamos e sorrimos, como quem diz: “Estamos juntas”. É uma empatia imediata — reconhece a artista.
A união feminina faz parte de sua história. Nascida na comunidade Coronel Leôncio, em Niterói, Jeniffer viu, em casa, mãe, avó e tias criarem sozinhas seus filhos e filhas. Anos após seu nascimento, a figura paterna ganhou um novo contorno com o casamento de sua mãe, a esteticista Ana Paula Dias, com o músico Ernani Ribeiro, do extinto Grupo Pirraça.
— Ele tocava cavaquinho e violão. Minha mãe era da Beija-Flor de Nilópolis. Então, tenho uma influência musical forte. Ela me levava para a dança, e, com ele, eu cantava em casa. Ainda assim, me formei em Gestão Ambiental e fui até o sexto período de Engenharia Ambiental porque precisava ajudar a pagar as contas em casa. Um dia, ao ir a uma roda de samba com uma prima, Regina Casé me viu sambando como louca e me convidou para fazer um teste para o “Esquenta”, em 2013. Na época, para não ter que voltar para Niterói, eu dormia no sofá da Regina. Hoje em dia, ela comenta nas minhas fotos: “Do sofá da minha casa para o mundo” (risos) — relembra.
O trabalho de quatro anos como assistente de palco e bailarina da atração de TV aqueceu sua nova carreira. Dos testes para o programa, Jeniffer — que também já fez parte de equipes profissionais de ginástica rítmica — pulou para workshops e cursos de interpretação como a Escola de Atores Wolf Maya. No ano passado, a personagem Luana, de “Novo mundo”, marcou sua estreia em novelas. Atualmente, a permanência na interpretação ganha força com a questionadora Dandara de “Malhação”. Na trama, a personagem é contundente no discurso contra o racismo, comportamento que a atriz reproduz em sua vida:
— Também me sinto assim. Não deixo passar nada. Acho que, apesar de ser desgastante falar sobre isso, estes assuntos precisam ser abordados. Eu mesma já passei por um episódio sofrido, e não consigo esquecer. Estudava numa escola particular de Niterói como bolsista integral porque era da equipe de esportes. Um dia, ao entrar em sala, um garoto me viu e me chamou de “senzala”. Caí no choro. Não tinha voz para me defender. Foi um dos piores momentos da minha vida. Hoje, com a leitura, com a educação e com o conhecimento da minha origem, consigo argumentar.
Não só argumentar. Há nove meses, nasceu a realização mais marcante da vida cheia de acontecimentos da artista: a criação do Projeto 111. Trata-se de um coletivo de resistência cultural — liderado por Jeniffer e pelas sócias Lorena Lima e Luiza Loroza — que promove saraus de poesias, apresentações musicais, exibição de filmes e mostras que valorizem as raízes das minorias:
— A ideia é movimentar o circuito artístico da cidade, criar um intercâmbio com pessoas de dentro e de fora da periferia para que todos possam sair transformados.
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Redação iBahia
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