Em algum momento dos anos 80, os telefones das recepções das redes de TV Globo e Manchete tocaram incessantemente. Do outro do lado da linha, a voz fina de uma menina de 6 anos pedia uma chance: “quero ser atriz”, dizia às secretárias. De tanto insistir, conseguiu agendar um teste. Hoje, prestes completar 39 anos, ela é Deborah Secco, artista consagrada no horário nobre e no cinema.
— Não me lembro de desejar ser outra coisa que não atriz — conta ela. — Desde garotinha, chegava aos lugares e dizia às pessoas: “Sei cantar, dançar e sapatear. Sou a atriz que você está procurando. Me contrata e você não vai se arrepender.”
Embora possa se considerar bem-sucedida, ela não se deitou na zona de conforto. A natureza de seu ofício a impede disso, e iniciar cada projeto é como “zerar a vida”, assim como terminá-lo. Na reta final de “Segundo sol”, a atriz cortou os cabelos com as próprias mãos, enquanto dizia “morre, Karola” à sua controversa vilã, perturbada pelas maldades cometidas na trama.
— Fiz isso livremente, sem medo de errar, porque era um corte de desespero. Foi muito forte fazer essa desmontagem no ar. Normalmente, fazemos isso depois que termina o trabalho. Sou muito grata a Karola por ter me proporcionado essa experiência — afirma, acrescentando que o trabalho a deixou exausta, ao ponto de não conseguir pensar em outros projetos, além de viajar com a família e descansar. — Ela era muito densa, levava tudo a ferro e fogo. Deixou muitas marcas em mim.
Na vida pessoal, o cabelo curto fez o maior sucesso. Tanto Deborah, quanto o marido, o também ator Hugo Moura, adoraram o resultado.
— Ainda estou me adaptando esteticamente, entendendo quais roupas combinam, e de que forma posso penteá-lo. Mas, sem dúvida alguma, é muito mais prático — afirma. — O Hugo também amou. O pedido dele é que eu fique assim para sempre. Disse que nunca fiquei tão bonita.
O novo visual não deixa de ser o registro de um bom trabalho em cena. O autor do folhetim, João Emanuel Carneiro, afirma que, assim que criou o papel, pensou na escalação da atriz e está muito satisfeito com a escolha.
— Fico fascinado com a capacidade de entrega dela, que está interpretando magistralmente a personagem mais difícil da novela — elogia João.
Em outra cena marcante da trama, Karola foi hostilizada depois que um caso com o cunhado foi revelado publicamente. Na sequência, ela atravessou uma praça pública sob vaias e gritos, numa agressão muito semelhante aos linchamentos virtuais que tomaram conta das redes sociais nos últimos anos. Nem Deborah, a de carne e osso, está livre desse mal. Para citar um dos casos mais recentes, ela foi muito criticada por fazer uma dieta durante a gravidez, ainda que tenha sido uma recomendação médica. Mas ela avisa que contorna bem a situação:
— Com o passar dos anos, fui entendendo que as pessoas precisam julgar as outras para ouvir a si próprias, e comecei a me desligar dessas opiniões externas de quem não me conhece. Acho que já passei da fase de me sentir injustiçada.
Mas Deborah diz que não tapa os ouvidos — e os olhos — para todas as críticas, sobretudo aquelas acerca da sua atuação em cena, em que a busca por aperfeiçoamento é uma constante.
Visualizar esta foto no Instagram.Uma publicação compartilhada por Deborah Secco (@dedesecco) em 3 de Nov, 2018 às 10:30 PDT
— Leio muito a rede social da novela, em que algumas pessoas falam mal da minha interpretação. Mas aí eu curto, porque todo mundo tem direito de mostrar a sua opinião — pondera. — Sem dúvida, sou a pessoa mais crítica em relação ao meu trabalho. Todas as considerações são pequenas diante disso.
A relação com as críticas tem a ver com o seu maior sucesso no cinema, o filme “Bruna Surfistinha” (2011), de Marcus Baldini. Para viver a história da garota de programa, Deborah imergiu numa intensa preparação, que incluiu dormir numa casa de prostituição. Para conseguir acessar as verdades das mulheres que lá estavam, precisou se abrir com elas, expor suas tristezas e se sentar no chão para comer baião de dois.
— Uma das meninas me disse: “Não somos o que queremos ser, mas o que conseguimos. Queríamos ser muito melhor, mas não deu. Não teve emprego. Não teve outra possibilidade” — lembra. — Ali entendi o “não-julgamento”, porque não vivi o que elas viveram. A maioria havia sido estuprada pelo pai ou pelo padastro com o consentimento da mãe e fugiu de casa aos 7 anos. Isso é muito distante da minha realidade. Não sei se não faria isso, caso fosse a minha única possibilidade, e precisasse me virar sozinha com tão pouca idade e com uma filha para sustentar.
No cinema, a entrega de Deborah aos papéis também é reconhecida por quem a escolhe para as produções. Diretora do filme “Boa sorte” (2014), em que a atriz emagreceu 11kg em 45 dias para viver uma soropositiva em fase terminal, Carolina Jabor a considera uma profissional “completa”.
— A Deborah tem duas coisas que fazem dela uma das maiores de sua geração: é uma atriz com um domínio técnico total e ao mesmo tempo irracional, com uma emoção à flor da pele. Sua entrega para fazer a Judite foi imensa, surpreendente — diz Carolina.
Na preparação para o longa, aliás, a artista reforçou o repertório de lições levadas para a vida por meio do ofício, ao visitar um hospital destinado a crianças com câncer. Ela conta que se surpreendeu com o que ouviu.
— Um dos meninos me disse: “Tia, você está triste porque eu vou morrer? Não fique assim. Você vai morrer também. Talvez, até antes de mim” — narra a atriz, que, naquele momento, teve um “estalo”. — Foi avassalador descobrir que você pode morrer a qualquer vírgula. Fazemos muitos planos e deixamos de fazer muitas coisas que nos causam bem porque não pensamos nisso. Tive uma depressão profunda depois do filme, porque não via mais valor em nada. Pegava o carro para o aeroporto e pensava: “por que estou fazendo isso? De que vale essa luta pelo sucesso, pelo posto número um?”
Da depressão, Deborah diz que saltou para uma revolução interna, ao descobrir que as coisas são muito maiores do que “qualquer dimensão egocêntrica” e aproveitou para se reinventar.
— Não tenho mais medo da morte. Nessa preparação, me toquei que as minhas escolhas estavam erradas. Se tem uma vida que não acaba, com certeza não era aquela que estava escolhendo. Dali em diante, virei uma pessoa que vive muito mais o “nós” do que o “eu”.
A atriz também parou para pensar na forma como conduzia seus relacionamentos e descobriu que foram muito marcados por um esforço de sua parte que incluía “fingir ser alguém que não era”.
— O cara amava a pessoa que eu fingia ser, e eu mesma nunca me sentia amada como gostaria. Sentia um vazio infinito — descreve.
Justamente por isso, na hora de juntar as escovas de dente com Hugo Moura, fez questão de agir diferente. Na primeira semana juntos, ela teve uma conversa bastante franca com ele, em que expôs todos os detalhes de seu passado ao companheiro.
— Contei a minha vida inteira, e ele, a dele. No final, Hugo disse que ter uma mulher sincera e corajosa como eu o fez gostar muito mais de mim do que se eu chegasse cheia de mentiras sinceras — recorda.
A relação vingou, e dela nasceu Maria Flor, de 2 anos, menina que vem recebendo uma educação cujo mote é a liberdade. Deborah procura, a todo momento, não impor suas vontades sobre a pequena e tenta ouvi-la ao máximo. Afinal, conforme a mãe de primeira viagem já entendeu, a menina é um ser humano inteiro e não “parte de mim”.
Como diz Hugo, a ideia é que Maria cresça com uma consciência mais abrangente em se tratando de diferenças ideológicas:
— Precisamos criar nossas crianças com uma ideia de aceitação e não apenas tolerância. É importante que ela realmente se importe com as outras pessoas. Ensinamos isso de maneira leve e lúdica.
Educar a menina livre de preconceitos também rende julgamentos a Deborah. Outro dia, ao postar uma capa de revista com dois homens se beijando em uma rede social, um seguidor a questionou sobre o que ela faria se a filha fosse gay.
— Estava na cama de pijama e na mesma hora peguei o celular e gravei um vídeo dizendo: “Meu amor, se minha filha for gay, hétero ou pansexual, vai ser amada do mesmo jeito.” Afinal, quando decidi tê-la, aceitei amá-la como viesse e não como eu quisesse que ela fosse — conta ela. — A gente brinca de Barbie e, às vezes, uma casa com a outra e não necessariamente com o Ken. Outro dia, enquanto comprava uma fantasia numa loja, a vendedora respondeu que era “coisa de menino”. Na mesma hora, respondi que não existe fantasia de menino ou de menina. Existe, simplesmente, fantasia.
O futuro pode ser belo.
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Redação iBahia
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